Medicamentos para o tratamento da dependência de maconha

Introdução

O uso da maconha (cannabis) é relativamente comum e difundido em todo o mundo. A procura por tratamento pelos consumidores de maconha tem aumentado na maioria das regiões do mundo. É provável que a mudança das leis em alguns países para descriminalizar ou legalizar o uso da maconha venha a aumentar essa tendência. Na atualidade, não existem remédios específicos para o tratamento das pessoas que usam maconha. Esta revisão avaliou a eficácia e segurança dos remédios usados para o tratamento de pessoas que são dependentes da maconha.

Data da busca

Pesquisamos a literatura científica por todos os estudos publicados até março de 2018.

Características do estudo

Identificamos 21 ensaios clínicos randomizados controlados ECRs envolvendo 909 participantes que receberam medicamentos ativos, e 846 que receberam placebo (um tratamento de mentira). Os ECRs são um tipo de estudo no qual os participantes são sorteados, ao acaso, para um dentre vários grupos de tratamento. As principais características de dependência de drogas são o uso compulsivo, a perda de controle sobre o uso, e o surgimento de sintomas de abstinência quando a pessoa para de usar a droga. Esta revisão incluiu estudos nos quais os participantes foram descritos como dependentes ou provavelmente dependentes de cannabis baseado no fato que eles usavam maconha diariamente ou vários dias por semana.

A idade média dos participantes nos estudos individuais variou de 22 a 41 anos, excluindo os três estudos que incluíram apenas jovens. A maioria (75%) dos participantes do estudo era do sexo masculino. A maioria (16) dos estudos foi realizada nos EUA, três na Austrália, um no Canadá e um em Israel. Os estudos testaram diversos remédios para reduzir os sintomas de abstinência e para promover a cessação ou redução do uso da maconha.

Quatro estudos receberam os remédios diretamente das empresas farmacêuticas fabricantes, mas nenhum estudo foi financiado por empresas farmacêuticas. Um estudo não relatou a fonte de financiamento ou dos medicamentos.

Resultados principais

Para o tratamento da abstinência no final do tratamento, as preparações com ,Δ9-tetrahidrocanabinol (THC, o principal constituinte da cannabis) são provavelmente ineficazes. Os antidepressivos inibidores seletivos de recaptação de serotonina (SSRI), os antidepressivos de ação mista, a buspirona e a N-acetilcisteína também podem ser ineficazes, e temos dúvidas sobre o efeito dos anticonvulsivantes e dos estabilizadores do humor.

Para a conclusão do período de tratamento programado, as preparações de THC, os antidepressivos de ação mista, os anticonvulsivantes e estabilizadores do humor podem não ser eficazes. Temos dúvidas sobre o efeito dos antidepressivos SSRI; e a N-acetilcisteína provavelmente não ajuda as pessoas a concluírem o tratamento. O uso de anticonvulsivantes e estabilizadores do humor pode aumentar a probabilidade de as pessoas abandonarem o tratamento mais cedo.

A probabilidade de efeitos colaterais é provavelmente semelhante com o uso de placebo ou de preparações de THC, de N-acetilcisteína.de antidepressivos de ação mista e de buspirona. Temos dúvidas sobre os antidepressivos SSRI.

Baseado nos resultados dos estudos existentes, o uso de todos os medicamentos ainda deve ser considerado experimental.

Qualidade da evidência

A qualidade da evidência para muitos dos resultados desta revisão foi baixa ou muito baixa porque cada medicamento foi investigado em um pequeno número de estudos (variando de um a quatro), cada estudo incluiu poucos participantes, houve alguma inconsistência nos resultados e houve um risco de viés devido ao abandono do tratamento por parte dos participantes do estudo.

Conclusão dos autores: 

Existe evidência incompleta para todas as farmacoterapias investigadas, e para muitos resultados a qualidade da evidência é baixa ou muito baixa. Os resultados indicam que os antidepressivos SSRI, os antidepressivos de ação mista, a bupropiona, a buspirona e a atomoxetina são provavelmente de pouco valor no tratamento da dependência da cannabis. Dada a limitada evidência de eficácia, o uso de preparações de THC deve ainda ser considerado um tratamento experimental, com alguns efeitos positivos sobre os sintomas de abstinência e o desejo. A base de evidência para o anticonvulsivante gabapentina, a ocitocina e a N-acetilcisteína é fraca, mas estes medicamentos também merecem mais estudos.

Leia o resumo na íntegra...
Introdução: 

No mundo todo, o uso da cannabis é prevalente e generalizado. Atualmente não há farmacoterapias aprovadas para o tratamento dos transtornos associados ao uso da cannabis.

Esta é uma atualização de uma Revisão Cochrane publicada pela primeira vez na edição 12 da Biblioteca Cochrane, em 2014.

Objetivos: 

Avaliar a efetividade e a segurança de diferentes farmacoterapias entre si e versus placebo ou nenhuma farmacoterapia (cuidados de apoio) para reduzir os sintomas da abstinência da cannabis e promover a cessação ou redução do uso da cannabis.

Métodos de busca: 

Atualizamos nossas buscas nas seguintes bases de dados até março de 2018: Cochrane Central Register of Controlled Trials (CENTRAL), MEDLINE, Embase, PsycINFO e Web of Science.

Critério de seleção: 

Incluímos ensaios clínicos randomizados controlados (ECRs) e quasi- ECR que testaram o uso de medicamentos para tratar a abstinência ou para promover a cessação ou redução do uso de cannabis, ou ambos, em comparação com outros medicamentos, placebo ou nenhum medicamento (cuidados de apoio) em pessoas diagnosticadas como dependentes ou provavelmente dependentes de cannabis.

Coleta dos dados e análises: 

Utilizamos a metodologia padrão da Cochrane.

Principais resultados: 

Incluímos 21 ECRs envolvendo 1755 participantes: 18 estudos recrutaram adultos (idade média de 22 a 41 anos) e três estudos incluíram apenas jovens (idade média de 20 anos). A maioria (75%) dos participantes era do sexo masculino. Os estudos tinham baixo risco de viés de desempenho, detecção e de relato seletivo dos desfechos. Um estudo tinha risco de viés de seleção, e três estudos tinham risco de viés de atrito.

Todos os estudos compararam o uso de medicação ativa versus placebo. Os medicamentos foram variados, assim como os desfechos. Isso limitou a extensão das análises.

A probabilidade de abstinência ao final do tratamento não diferiu entre o grupo tratado com Δ9-tetra-hidro canabinol (THC) versus placebo: razão de risco (RR) 0,98, intervalo de confiança (IC) 95% 0,64 a 1,52; 305 participantes; 3 estudos; evidência de qualidade moderada. Não houve diferença na probabilidade de abstinência ao final do tratamento entre o uso de placebo versus antidepressivos inibidores seletivos de recaptação de serotonina (SSRI), antidepressivos de ação mista, anticonvulsivantes, estabilizadores do humor, buspirona e N-acetilcisteína (evidência de qualidade baixa a muito baixa).

Encontramos evidência qualitativa de redução da intensidade dos sintomas de abstinência com o uso de preparações de THC em comparação com placebo. Para os outras farmacoterapias, este desfecho não foi avaliado ou não foram relatadas diferenças significativas.

A probabilidade de efeitos adversos não diferiu entre o uso de preparações de THC versus placebo (RR 1,02, IC 95% 0,89 a 1,17; 318 participantes; 3 estudos) ou N-acetilcisteína versus placebo (RR 0,94, IC 95% 0,71 a 1,23; 418 participantes; 2 estudos) (evidência de qualidade moderada). Não houve diferença na incidência de efeitos adversos entre os grupos tratados com antidepressivos SSRI, antidepressivos de ação mista, buspirona e N-acetilcisteína versus placebo (evidência qualidade baixa a muito baixa).

Não houve diferença na probabilidade de abandono do tratamento devido a efeitos adversos entre os grupos tratados com preparações de THC, antidepressivos SSRIs, antidepressivos de ação mista, anticonvulsivantes, estabilizadores do humor, buspirona e N-acetilcisteína versus placebo (evidência de qualidade baixa a muito baixa).

Não houve diferença na probabilidade de conclusão do tratamento entre os grupos tratados com preparações de THC, antidepressivos SSRI, antidepressivos de ação mista e buspirona versus placebo (evidência de qualidade baixa a muito baixa) ou com N-acetilcisteína versus placebo (RR 1,06, IC 95% 0,93 a 1,21; 418 participantes; 2 estudos; evidência de qualidade moderada). Os anticonvulsivantes e estabilizadores do humor parecem reduzir a probabilidade de conclusão do tratamento (RR 0,66, IC 95% 0,47 a 0,92; 141 participantes; 3 estudos; evidência de baixa qualidade).

As evidências disponíveis sobre gabapentina (anticonvulsivante), ocitocina (neuropeptídio) e atomoxetina foram insuficientes para fazermos estimativas de efetividade.

Notas de tradução: 

Tradução do Cochrane Brazil (Maria Regina Torloni). Contato: tradutores@centrocochranedobrasil.org.br

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