Mensagens principais
- Colocar peso sobre um tornozelo quebrado (fraturado) nas três primeiras semanas após a cirurgia pode melhorar a recuperação. No entanto, essa melhora pode não ser suficiente para resultar em um benefício clinicamente importante.
- Usar um suporte de tornozelo removível (que permite esticar (alongar) e movimentar o tornozelo lesionado) nas primeiras seis semanas após a cirurgia pode favorecer a recuperação. Mas, novamente, pode não ser suficiente para resultar em um benefício clinicamente importante.
- Não há evidência suficientes para avaliar o quanto as intervenções de fisioterapia pode ajudar na recuperação após uma fratura no tornozelo.
Tornozelos quebrados (fraturas de tornozelo)
Um tornozelo quebrado é um dos tipos mais comuns de fratura. Em alguns casos, é necessário fazer uma cirurgia para corrigir o osso quebrado; em outros, basta manter o tornozelo imobilizado por algumas semanas para permitir a cicatrização. Geralmente, o osso leva cerca de seis semanas para se recuperar (consolidar), mas o retorno total as atividades normais pode demorar bem mais Durante esse período de recuperação, diferentes estratégias podem ser usadas para melhorar a movimentação do tornozelo, fortalecer os músculos ou ambos.
Quais abordagens são usadas na recuperação?
- Apoio precoce ou tardio de peso. Algumas pessoas são orientadas a começar a apoiar o peso no tornozelo até três semanas após a cirurgia. Outras precisam evitar totalmente colocar peso sobre o pé nas primeiras seis semanas ou mais.
- Suporte de tornozelo removível ou não removível. Um suporte removível, como uma bota ortopédica ou uma tala, permite retirar o apoio regularmente para alongar e movimentar o tornozelo. Já um gesso tradicional impede qualquer movimento até sua retirada.
- Intervenções de fisioterapia. Incluem diferentes tipos de exercícios para o tornozelo, muitas vezes orientados por um fisioterapeuta, e podem envolver o uso de equipamentos específicos para o fortalecimento e mobilidade.
O que queríamos descobrir?
Queríamos descobrir se alguma dessas abordagens era melhor que a outra para melhorar:
- A função do tornozelo (capacidade de se movimentar, realizar atividades e manejo da dor ou inchaço no tornozelo);
- qualidade de vida.
- satisfação com o tratamento (quão satisfeito alguém está com seu tratamento); e
- dor;
Também queríamos descobrir se alguma dessas abordagens estava associada a um risco maior de cirurgia adicional no tornozelo (em uma data posterior).
O que nós fizemos?
Buscamos estudos que avaliaram diferentes abordagens para melhorar a recuperação após uma fratura de tornozelo. Comparamos e resumimos os resultados dos estudos. Além disso, classificamos a certeza da evidência com base em fatores como o número de participantes e a qualidade dos métodos usados.
O que encontramos?
Encontramos 53 estudos envolvendo 4.489 adultos com tornozelo quebrado (fraturado). A maioria das pessoas incluídas nos estudos havia passado por cirurgia para ajudar a consertar o osso, enquanto outras usaram apenas suportes de tornozelo (sem cirurgia) nas primeiras semanas após a lesão.
Principais resultados
Apoio de peso precoce versus tardio. Apoiar o peso no tornozelo logo nas primeiras semanas após a cirurgia provavelmente melhora levemente a função do tornozelo (embora a diferença possa não ser o suficiente para ser clinicamente importante). Pode também haver uma leve melhora na qualidade de vida, embora, novamente, pode não ser clinicamente importante. Não foi possível saber se houve diferença entre os grupos em relação à satisfação com o tratamento ou à dor. Também parece haver pouca ou nenhuma diferença na quantidade de pessoas que precisaram de uma nova cirurgia.
Suporte de tornozelo removível versus não removível (como gesso).
- Para quem fez cirurgia, o suporte removível pode melhorar a função do tornozelo e a qualidade de vida, embora para ambos os casos, a diferença possa não ser clinicamente importante. Não conseguimos determinar se há diferença na dor entre os tipos de suporte. Além disso, pode haver pouca ou nenhuma diferença entre os suportes de tornozelo quanto à necessidade de nova cirurgia.
- Para quem não precisou de cirurgia, há pouca ou nenhuma diferença entre os tipos de suporte de tornozelo quanto à função do tornozelo ou à qualidade de vida. Também não é incerto se há diferença em relação à dor ou à necessidade de cirurgia mais tarde.
Nenhum dos estudos comparando esses suportes relatou o grau de satisfação dos participantes com o tratamento.
- Intervenções de fisioterapia. Os estudos avaliaram os efeitos de diferentes intervenções de fisioterapia (como diferentes programas de exercícios ou o uso de diferentes equipamentos para exercitar o tornozelo), e por isso, não foi possível comparar os resultados de forma confiável. A maioria dos estudos era pequena e não mostrou claramente se alguma abordagem era melhor que outra. Nenhum deles relatou quantas pessoas precisaram de cirurgia posteriormente.
Quais são as limitações das evidências?
Nem sempre foi possível ter confiança nas evidências, porque os participantes sabiam qual tratamento estavam recebendo. Algumas descobertas indicaram que pode ter havido pouca ou nenhuma diferença entre os grupos. Além disso, muitos estudos incluíram poucos participantes, e as intervenções eram muito diferentes umas das outras.
Até quando as evidências incluídas estão atualizadas?
As evidências estão atualizadas até março de 2023.
Ler o resumo científico
A fratura de tornozelo é uma das fraturas mais comum dos membros inferiores. Embora a imobilização do tornozelo possa dar suporte e proteger o local da fratura durante a cicatrização inicial, ela também aumenta o risco de fraqueza, rigidez e dor persistente no tornozelo. A reabilitação tem como objetivo abordar as sequelas dessa lesão, promovendo melhora da função articular e da qualidade de vida. As abordagens são diversas e incluem estratégias para melhorar o movimento da articulação do tornozelo, força muscular ou ambos. Esta é uma atualização de uma revisão Cochrane publicada pela última vez em 2012.
Objetivos
Avaliar os efeitos das intervenções de reabilitação após tratamento cirúrgico ou não cirúrgico de fraturas de tornozelo em adultos.
Métodos de busca
Fizemos buscas nas bases de dado CENTRAL, MEDLINE, Embase, outras três bases e dois registros de ensaios clínicos em maio de 2022, além de buscas adicionais no CENTRAL, MEDLINE e Embase em março de 2023. Também pesquisamos nas listas de referências dos estudos incluídos e revisões sistemáticas relevantes.
Critério de seleção
Incluímos ensaios clínicos randomizados (ECRs) e quase-ECRs que compararam qualquer intervenção de reabilitação aplicada a adultos com fratura de tornozelo. As intervenções poderiam ter sido realizadas durante ou após o período inicial de tratamento da fratura (normalmente nas primeiras seis semanas após a lesão), com ou sem fixação cirúrgica. Foram excluídos participantes com politraumatismo, fratura patológica ou com complicações estabelecidas secundárias à fratura de tornozelo.
Coleta dos dados e análises
Seguimos as recomendações metodológicas da Cochrane. Coletamos dados para cinco desfechos: limitação de atividade (função do tornozelo), qualidade de vida relacionada com a saúde (QVRS), satisfação do participante com o tratamento, dor e eventos adversos (com foco em reoperação, definida como retorno não planejado ao centro cirúrgico). Relatamos os resultados até seis meses após a lesão.
Principais resultados
Incluímos 53 estudos (45 ECRs, 8 quase-ECRs) totalizando 4.489 adultos com fratura de tornozelo. Na maioria dos estudos, o tratamento ortopédico incluiu fixação cirúrgica, embora em cinco deles o manejo tenha sido não cirúrgico e, em seis, ambos os tipos tenham sido utilizados. A seguir, são resumidos os achados de três comparações comuns de reabilitação, que apresentaram maior volume de dados e maior relevância clínica. Em razão das diferenças nas abordagens de intervenção, alguns estudos foram incluídos em mais de uma comparação. Dados sobre comparações menos comuns também estavam disponíveis, mas muitas vezes incluíam poucos participantes e apresentavam estimativas imprecisas.
Todos os estudos apresentaram alto risco de viés de desempenho e detecção. Por esse motivo, reduzimos a certeza de todas as evidências. Também reduzimos a certa das evidencias devido à imprecisão e, quando presentes, à inconsistências entre estudos que impediram a realização de metanálises.
Apoio de peso precoce (até 3 semanas após a cirurgia) versus apoio de peso tardio (12 estudos, 1403 participantes)
A sustentação de peso precoce provavelmente leva a uma melhor função do tornozelo (diferença média (DM) 3,56, intervalo de confiança (IC) de 95% 1,35 a 5,78; 5 estudos, 890 participantes; moderada certeza da evidência); no entanto, não inclui uma diferença clinicamente importante. A sustentação de peso precoce pode oferecer pouca ou nenhuma diferença na QVRS em comparação a sustentação de peso tardia (diferença média padronizada (DMP) 0,15, IC 95% -0,01 a 0,30; 5 estudos, 739 participantes; baixa certeza da evidência); quando traduzida para a escala EQ-5D (questionário amplamente utilizado para avaliar QVRS), qualquer pequena diferença observada não foi clinicamente importante. A evidência é muito incerta sobre se há alguma diferença na satisfação ou na dor, devido à muito baixa certeza da evidência. Para eventos adversos, pode haver pouca ou nenhuma diferença na reoperação (risco relativo (RR) 0,50, IC 95% 0,09 a 2,68; 7 estudos, 1007 participantes; baixa certeza da evidência).
Suporte de tornozelo removível versus não removível (25 estudos, 2206 participantes)
Após a cirurgia, o uso de um suporte removível para tornozelo pode resultar em melhor função do tornozelo (DM 6,39, IC 95% 1,69 a 11,09; 6 estudos, 677 participantes; baixa certeza da evidência). Esse efeito incluiu tanto uma diferença clinicamente importante quanto uma diferença não clinicamente importante. Provavelmente há uma melhora na QVRS com o uso de suporte de tornozelo removível, embora a diferença observada inclua valores de efeito que variam de clinicamente importantes a não importantes quando traduzido para a escala EQ-5D (DMP 0,30, IC 95% 0,11 a 0,50; 3 estudos, 477 participantes; moderada certeza da evidência). Nenhum estudo relatou satisfação dos participantes. A evidência é muito incerta quanto ao efeito sobre a dor (1 estudo, 29 participantes; muito baixa certeza da evidência). Pode haver pouca ou nenhuma diferença nas reoperações (RR 1,20, IC 95% 0,39 a 3,71; 6 estudos, 624 participantes; baixa certeza da evidência).
No tratamento não cirúrgico, pode haver pouca ou nenhuma diferença entre suportes de tornozelo removíveis e não removíveis na função do tornozelo (DM 1,08, IC 95% -3,18 a 5,34; 3 estudos, 399 participantes) e na QVRS (DMP -0,04, IC 95% -0,24 a 0,15; 3 estudos, 397 participantes); baixa certeza da evidência. Nenhum estudo relatou satisfação dos participantes. A evidência é muito incerta quanto ao efeito sobre a dor (2 estudos, 167 participantes) e reoperação (1 estudo, 305 participantes) devido à muito baixa certeza da evidência.
Intervenções de fisioterapia versus cuidados habituais ou outras intervenções de fisioterapia (9 estudos, 857 participantes)
As intervenções incluíram exercícios com movimento ativo, treino de tornozelo com dispositivo de mola, uso de esteira com suporte antigravidade e variações de intervenções de fisioterapia (por exemplo, alongamento, mobilização articular e exercícios neuromusculares), realizados durante ou após o período inicial de tratamento da fratura. Não conseguimos agrupar os dados devido às diferenças no desenho das intervenções e de seus comparadores (cuidados habituais). A maioria dos estudos incluíram poucos participantes. A certeza da evidência para todos os desfechos nessa comparação foi muito baixa, e portanto não temos certeza da efetividade dessas terapias. Nenhum dos estudo nesta comparação relatou reoperação.
Conclusão dos autores
A sustentação precoce de peso pode melhorar os desfechos nos primeiros seis meses após cirurgia para fratura de tornozelo, mas a magnitude desse efeito tende a ser pequena e nem sempre clinicamente importante. O uso de um suporte de tornozelo removível também pode proporcionar um desfecho melhor, embora, novamente, a diferença pode nem sempre ser clinicamente importante. É provável que nenhuma dessas abordagens aumente o risco de reoperação. Presumimos que os resultados dessas comparações são aplicáveis a pessoas com fraturas fechadas de tornozelo, nos quais a estabilização da fratura tenha sido satisfatoriamente alcançada com a cirurgia. Para pessoas tratados sem cirurgia, não há evidência de que um suporte de tornozelo removível ou não removível possa ser superior. Não temos certeza se alguma intervenção de fisioterapia são mais eficazes do que cuidados habituais ou outras intervenções de fisioterapia. Incentivamos que futuros estudos sobre intervenções de reabilitação para fratura de tornozelo adotem um conjunto de desfecho principais (core outcome set).
Tradução do Cochrane Brazil (Luis Felipe Duarte Coutinho e André Silva de Sousa). Contato: tradutores.cochrane.br@gmail.com