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A redução da dose de antipsicóticos pode estar associada a um maior número de recaídas e a um abandono mais precoce do estudo.
Havia muito pouca informação disponível sobre a qualidade de vida, a funcionalidade e os efeitos secundários.
Introdução ao tema da revisão
A esquizofrenia é uma doença grave que necessita de tratamento com medicação (antipsicóticos). A utilização de antipsicóticos está associada a efeitos secundários e parece que estes efeitos secundários podem agravar-se com doses mais elevadas. Por outro lado, a dose deve ser suficientemente elevada para ter um efeito sobre os sintomas.
O que queríamos investigar?
Queríamos saber se reduzir a dose de antipsicóticos é melhor do que manter a mesma dose, para melhorar:
Qualidade de vida
- número de participantes readmitidos no hospital;
- número de participantes que abandonam o estudo precocemente devido a efeitos secundários;
- funcionamento;
- recaída;
- número de participantes que abandonam o estudo precocemente por qualquer motivo;
- número de participantes com pelo menos um efeito secundário.
O que fizemos?
Procurámos estudos que avaliaram a redução da dose de antipsicóticos em comparação com a manutenção da mesma dose em pessoas com esquizofrenia.
Comparámos os resultados dos estudos e classificámos a nossa confiança na evidência com base em fatores como a metodologia e o tamanho dos estudos.
O que descobrimos?
Encontramos 25 estudos relevantes envolvendo um total de 2721 participantes. Dos 2.635 estudos, 28 (2.976 participantes) forneceram dados para a meta-análise. Todos os estudos tiveram uma duração entre 12 semanas e 2 anos Foram realizados em todo o mundo, incluindo os EUA, no Reino Unido, na Europa e na Ásia. Catorze estudos foram patrocinados por instituições públicas, cinco por empresas farmacêuticas, dois por instituições públicas e empresas farmacêuticas em conjunto e quatro estudos não forneceram informações claras sobre o financiamento.
Descobrimos que a redução da dose:
- provavelmente tem pouco ou nenhum efeito na qualidade de vida;
- não faz qualquer diferença na readmissão ao hospital, mas estamos muito pouco confiantes quanto aos resultados;
- provavelmente aumenta o número de participantes que abandonam o estudo precocemente devido a efeitos secundários;
- tem pouco ou nenhum efeito sobre o funcionamento;
- pode aumentar o número de participantes com uma recaída;
- provavelmente aumenta o número de participantes que abandonam o estudo precocemente por qualquer motivo;
- provavelmente tem pouco ou nenhum efeito sobre o número de participantes com pelo menos um efeito secundário.
Quais são as limitações da evidência?
Estamos principalmente confiantes ou moderadamente confiantes nos nossos resultados.
Relativamente à readmissão no hospital, não estamos confiantes na evidência porque é possível que os participantes no estudo estivessem cientes do tratamento que estavam a receber. Além disso, os estudos foram efetuados em diferentes tipos de pessoas ou utilizaram diferentes formas de redução da dose.
Em relação à recaída, temos pouca confiança na evidência porque é possível que os participantes do estudo estivessem cientes do tratamento que estavam a receber. Além disso, os estudos foram efetuados em diferentes tipos de pessoas ou utilizaram diferentes formas de redução da dose.
Quão atualizada se encontra a evidência apresentada?
A evidência encontra-se atualizada até fevereiro de 2021.
Ler o resumo científico
Os medicamentos antipsicóticos são o tratamento de base para a esquizofrenia, mas estão associados a diversos efeitos secundários potencialmente relacionados com a dose, que podem reduzir a qualidade de vida dos doentes. Por este motivo, são geralmente recomendadas as doses mais baixas possíveis de antipsicóticos, mas na prática clínica são frequentemente utilizadas doses mais elevadas. Ainda não é claro se e como as doses de antipsicóticos podem ser reduzidas de forma segura, a fim de minimizar os efeitos adversos sem aumentar o risco de recaída.
Objetivos
O objetivo será avaliar a eficácia e a segurança da redução da dose de antipsicóticos em comparação com a manutenção da dose atual em pessoas com esquizofrenia.
Métodos de busca
Realizámos uma pesquisa sistemática a 10 de fevereiro de 2021 no Registo de Ensaios Clínicos do Grupo Cochrane para a Esquizofrenia, que se baseia nas bases de dados CENTRAL, MEDLINE, Embase, CINAHL, PsycINFO, PubMed, ClinicalTrials.gov, ISRCTN e WHO ICTRP. Também avaliámos as listas de referências dos estudos incluídos e revisões anteriores sobre o assunto.
Critério de seleção
Incluímos ensaios controlados aleatorizados (ECAs) que compararam qualquer redução de dose com a manutenção do tratamento em pessoas com esquizofrenia ou distúrbios relacionados que estavam estabilizadas no seu tratamento antipsicótico atual.
Coleta dos dados e análises
Dois autores reviram e selecionaram de forma independente os estudos para inclusão, extração de dados e avaliaram o risco de viés de todos os estudos incluídos. Contactámos os autores dos estudos para obter dados em falta e informações adicionais. Os nossos outcomes primários foram: alterações clinicamente importantes na qualidade de vida, re-hospitalizações e desistência devido a efeitos adversos. Os outcomes secundários foram: alterações clinicamente importantes na funcionalidade, recaídas, desistência por qualquer motivo e pelo menos um efeito adverso. Também examinámos escalas que medem os sintomas, a qualidade de vida e o funcionamento, bem como uma lista abrangente de efeitos adversos específicos. Agrupámos os resultados que tiveram a avaliação mais próximo até um ano. Avaliámos o grau de confiança na evidência usando a abordagem GRADE.
Principais resultados
Incluímos 25 ECAs, dos quais 22 estudos forneceram dados com 2.635 participantes (idade média de 38,4 anos). O tamanho médio da amostra do estudo foi de 60 participantes (variando de 18 a 466 participantes), e a duração do estudo foi de 37 semanas (variando de 12 semanas a 2 anos). Houve variações nas estratégias de redução da dose em termos de velocidade de redução (ou seja, gradual em cerca de metade dos estudos (dentro de 2 a 16 semanas) e abrupta na outra metade), e em termos de grau de redução (ou seja, redução planeada em media de 66% da dose até à retirada completa em três estudos). Avaliámos o risco de viés dos resultados predominantemente como risco ligeiro ou risco elevado.
Nenhum estudo relatou dados sobre o número de participantes com uma mudança clinicamente importante na qualidade de vida ou no funcionamento, e apenas oito estudos relataram dados sobre escalas que medem a qualidade de vida ou o funcionamento. Não houve diferença entre os grupos com a redução da dose nem com a continuação da dose nas escalas que medem a qualidade de vida (diferença média padronizada (DMP) -0,01, intervalo de confiança (IC) de 95% -0,17 a 0,15, 6 ECAs, n=719, I 2 = 0%, evidência moderada) e nas escalas que medem a funcionalidade (DMP 0,03, IC 95% -0,10 a 0,17, 6 ECAs, n=966, I 2 = 0%, evidência alta).
A redução da dose em comparação com a continuação pode aumentar o risco de re-hospitalização com base nos dados de oito estudos com tamanhos de efeito estimáveis; no entanto, o IC 95% não exclui a possibilidade de não haver diferença (rácio de risco (RR) 1,53, IC 95% 0,84 a 2,81, 8 ECAs, n=1.413, I 2 = 59% (heterogeneidade moderada), evidência de certeza muito baixa). Da mesma forma, a redução da dose aumentou o risco de recaída com base em dados de 20 estudos (RR 2,16, IC 95% 1,52 a 3,06, 20 ECAs, n=2.481, I 2 = 70% (heterogeneidade substancial), evidência de certeza baixa).
Mais participantes no grupo de redução da dose em comparação com o grupo de continuação abandonaram o estudo precocemente devido a efeitos adversos (RR 2,20, IC 95% 1,39 a 3,49, 6 ECAs com tamanhos de efeito estimáveis, n=1.079, I 2 = 0%, evidência de certeza moderada) e por qualquer motivo (RR 1,38, IC 95% 1,05 a 1,81, 12 ECAs, n = 1.551, I 2 = 48% (heterogeneidade moderada), evidência de certeza moderada).
Por fim, não houve diferença entre os grupos de redução da dose e de continuação da dose no número de participantes com pelo menos um efeito adverso, com base nos dados de quatro estudos com tamanhos de efeito estimáveis (RR 1,03, IC 95% 0,94 a 1,12, 5 ECAs, n=998 (4 ECAs, n=980 com tamanhos de efeito estimáveis), I 2 = 0%, evidência de certeza moderada).
Conclusão dos autores
Esta revisão sintetizou as últimas evidências sobre a redução das doses de antipsicóticos em indivíduos estáveis com esquizofrenia. Não houve diferença entre os grupos de redução de dose e de continuação da dose na qualidade de vida, funcionamento e número de participantes com pelo menos um efeito adverso. No entanto, com a redução da dose, verificou-se um maior risco de recaídas e desistências, e potencialmente de re-internamento. É de salientar que a maioria dos ensaios se centrou na prevenção de recaídas e não em potenciais resultados benéficos na qualidade de vida, funcionamento e efeitos adversos, e em alguns estudos houve uma redução rápida e substancial das doses. Por conseguinte, são necessários mais ECAs bem concebidos para dar respostas mais definitivas.
Traduzido por: Ângelo Luís, Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade da Beira Interior. Revisão final: Assunção Vaz-Patto, Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade da Beira Interior e Ricardo Manuel Delgado, Knowledge Translation Team, Cochrane Portugal.