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Terapias psicológicas para mulheres que experienciam violência por parceiro íntimo

Pergunta da revisão

A violência doméstica (abuso físico, emocional, sexual e comportamento de controlo por parte de um parceiro ou ex-parceiro) é comum em todo o mundo e causa problemas de saúde física e emocional duradouros. As terapias psicológicas (aconselhamento por pessoas formadas) podem melhorar a saúde mental das mulheres e permitir-lhes concentrar-se na elaboração de planos de segurança, no acesso a recursos para si próprias e para os seus filhos e, em última análise, escapar à violência doméstica.

Pesquisámos na literatura científica mundial, até ao final de outubro de 2019, ensaios que comparassem um grupo de mulheres sobreviventes de violência doméstica que receberam terapia psicológica com outras que não receberam, para perceber se essas terapias são seguras e eficazes.

Caraterísticas do ensaio

As mulheres foram colocadas aleatoriamente num grupo (intervenção) ou no outro (comparação). Encontrámos 33 ensaios que envolveram 5.517 mulheres, com uma idade média de 37 anos, e dois terços das quais estavam desempregadas. Metade delas eram casadas ou viviam com um parceiro e, para metade delas, a violência doméstica ocorreu nos últimos 12 meses. As terapias psicológicas foram, na sua maioria, efetuadas presencialmente, mas variaram em função da duração do tratamento (2 a 50 sessões) e do pessoal que as efetuou (assistentes sociais, enfermeiros, psicólogos, agentes comunitários de saúde, médicos de família, investigadores). Foram convidadas mulheres de centros de saúde, centros comunitários e refúgios e casas de abrigo para violência doméstica. Dezanove ensaios mediram a depressão das mulheres, dois avaliaram a auto-eficácia (se as mulheres acreditavam que eram capazes de fazer mudanças nas suas vidas) e todos mediram o abandono dos grupos. Utilizámos o número de desistências para medir os efeitos nocivos. A maioria dos ensaios fez o acompanhamento das mulheres nos seis meses seguintes ao início do ensaio.

Resultados-chave

Encontrámos evidência de que as terapias psicológicas provavelmente reduzem a depressão e podem reduzir os sintomas de ansiedade em mulheres que sofreram violência doméstica (seis a 12 meses após a terapia). As terapias psicológicas não parecem causar qualquer dano. No entanto, não sabemos ao certo se as terapias psicológicas melhoram a auto-eficácia, a saúde mental, a qualidade de vida, o apoio social, a utilização dos serviços de saúde e de violência doméstica, o planeamento da segurança ou reduzem a perturbação de stress pós-traumático e a reexposição a qualquer forma de violência doméstica.

De um modo geral, são necessários mais ensaios com resultados consistentes em períodos de seguimento semelhantes, uma vez que não foi possível combinar grande parte da investigação para obter uma imagem global. Assim, embora as mulheres vítimas de violência doméstica possam ser ajudadas por terapias psicológicas para melhorar a sua saúde emocional, o que, por sua vez, pode ajudar as suas necessidades contínuas de segurança, apoio e cura holística de traumas complexos, não sabemos ao certo se as terapias psicológicas melhoram estes aspetos das suas vidas.

Introdução

A violência por parceiro íntimo (VPI) contra as mulheres é prevalente e está fortemente associada a problemas de saúde mental. As mulheres vítimas de VPI recorrem frequentemente aos serviços de saúde por problemas de saúde mental. A Organização Mundial de Saúde recomenda que as mulheres que sofreram VPI e têm um diagnóstico de saúde mental devem receber tratamentos de saúde mental baseados em evidência. No entanto, não se sabe se as terapias psicológicas funcionam para as mulheres no contexto da VPI e se causam danos.

Objetivos

Avaliar a eficácia das terapias psicológicas para mulheres vítimas de VPI sobre os resultados primários de depressão, auto-eficácia e um indicador de danos (desistências) no seguimento de seis a 12 meses, e sobre os resultados secundários de outros sintomas de saúde mental, ansiedade, qualidade de vida, reexposição à VPI, planeamento e comportamentos de segurança, utilização de serviços de saúde e de VPI, e apoio social.

Métodos de busca

Fizemos buscas no Cochrane Common Mental Disorders Controlled Trials Register (CCMDCTR), CENTRAL, MEDLINE, Embase, CINAHL, PsycINFO e três outras bases de dados, até o final de outubro de 2019. Também pesquisámos registos de ensaios internacionais para identificar ensaios não publicados ou em curso e fizemos uma pesquisa manual em revistas selecionadas, listas de referências dos ensaios incluídos e literatura cinzenta.

Critério de seleção

Incluímos ensaios controlados aleatorizados (ECAs), quasi-ECAs, cluster-ECAs e ensaios cruzados de terapias psicológicas com mulheres com 16 anos de idade ou mais que relataram experiência recente ou ao longo da vida de VPI. Incluímos os ensaios se as mulheres também tivessem diagnósticos de saúde mental ou problemas de abuso de substâncias coexistentes, ou ambos. As terapias psicológicas incluíram um vasto leque de intervenções que visavam a cognição, a motivação e o comportamento, em comparação com os cuidados habituais, sem tratamento, com intervenções tardias ou mínimas. Classificámos as terapias psicológicas de acordo com a lista de terapias psicológicas da Cochrane Common Mental Disorders.

Coleta dos dados e análises

Dois autores de revisão extraíram os dados e efetuaram a avaliação do "risco de enviesamento". Os efeitos do tratamento foram comparados entre as intervenções experimentais e as intervenções de comparação a curto prazo (até seis meses após a linha de base), a médio prazo (seis a menos de 12 meses, ponto de tempo do resultado primário) e a longo prazo (12 meses e mais). Utilizámos a diferença média padronizada (DMP) para os resultados contínuos e o odds ratio (OR) para os resultados dicotómicos, e utilizámos a meta-análise de efeitos aleatórios, devido à elevada heterogeneidade entre os ensaios.

Principais resultados

Incluímos 33 ensaios psicológicos que envolveram 5.517 mulheres distribuídas aleatoriamente entre intervenções experimentais (2.798 mulheres, 51%) e intervenções de comparação (2.719 mulheres, 49%). As terapias psicológicas incluíram 11 terapias integrativas, nove terapias humanistas, seis terapias cognitivo-comportamentais, quatro terapias cognitivo-comportamentais de terceira vaga e três outras intervenções de orientação psicológica. Não houve ensaios classificados como terapias psicodinâmicas. A maioria dos ensaios foi realizada em países de alto rendimento (19 nos EUA, três no Irão, dois na Austrália e na Grécia e um na China, Índia, Quénia, Nigéria, Paquistão, Espanha e Reino Unido), em mulheres recrutadas em estabelecimentos de saúde, na comunidade, em abrigos ou refúgios, ou numa combinação de todos ou de cada um destes. As terapias psicológicas foram maioritariamente realizadas presencialmente (28 ensaios), mas variaram de acordo com a duração do tratamento (duas a 50 sessões) e com a equipa que realizou as terapias (assistentes sociais, enfermeiros, psicólogos, agentes comunitários de saúde, médicos de família, investigadores). A dimensão média da amostra era de 82 mulheres (14 a 479), com uma idade média de 37 anos, e 66% estavam desempregadas. Metade das mulheres era casada ou vivia com um parceiro e pouco mais de metade das participantes tinha sofrido VPI nos últimos 12 meses (17 ensaios), 6% nos últimos dois anos (dois ensaios) e 42% durante a sua vida (14 ensaios).

Enquanto 20 estudos (61%) descreveram estratégias fiáveis de amostragem aleatória de baixo risco, apenas 12 estudos (36%) descreveram procedimentos fiáveis para ocultar a atribuição do estatuto de participante.

Embora 19 estudos tenham medido a depressão das mulheres, apenas quatro estudos mediram a depressão como um resultado contínuo no seguimento a médio prazo. Estes estudos mostraram um provável efeito benéfico das terapias psicológicas na redução da depressão (DMP -0,24, IC 95% -0,47 a -0,01; quatro estudos, 600 mulheres; grau de certeza moderado da evidência). No entanto, para a auto-eficácia, pode não haver evidência de uma diferença entre os grupos (DMP -0,12, IC 95% -0,33 a 0,09; um estudo com dados de seguimento a médio prazo, 346 mulheres; evidência de baixa certeza). Além disso, pode não haver diferença entre o número de mulheres que abandonaram os grupos de intervenção experimental ou de comparação, um indicador de ausência de danos (OR 1,04, IC 95% 0,75 a 1,44; cinco estudos com dados de seguimento a médio prazo, 840 mulheres; evidência de baixa certeza). Embora nenhum estudo tenha relatado eventos adversos decorrentes de terapias psicológicas ou da participação no estudo, apenas um estudo mediu os resultados de danos usando uma escala validada.

Para os desfechos secundários, os estudos mediram a ansiedade apenas no seguimento de curto prazo, mostrando que as terapias psicológicas podem reduzir os sintomas de ansiedade (DMP -0,96, IC 95% -1,29 a -0,63; quatro estudos, 158 mulheres; evidência de baixa qualidade). Porém, no seguimento de médio prazo, existe evidência de baixa certeza da evidência de que pode não haver diferença entre os grupos para os desfechos planejamento de segurança (DMP 0,04, IC 95% -0,18 a 0,25; um estudo, 337 mulheres), transtorno de estresse pós-traumático (DMP -0,24, IC 95% -0,54 a 0,06; quatro estudos, 484 mulheres) ou reexposição a qualquer forma de VPI (DMP 0,03, IC 95% -0,14 a 0,2; dois estudos, 547 mulheres).

Conclusão dos autores

Existe evidência de que, para as mulheres vítimas de VPI, as terapias psicológicas provavelmente reduzem a depressão e podem reduzir a ansiedade. No entanto, não sabemos ao certo se as terapias psicológicas melhoram outros resultados (auto-eficácia, perturbação de stress pós-traumático, reexposição à VPI, planeamento de segurança) e os dados sobre os danos são limitados. Assim, embora as terapias psicológicas melhorem provavelmente a saúde emocional, não é claro se as necessidades contínuas das mulheres em termos de segurança, apoio e cura holística de traumas complexos são atendidas por esta abordagem. São necessárias mais intervenções centradas em abordagens ao trauma e ensaios mais rigorosos (com resultados consistentes em pontos de tempo de seguimento semelhantes), uma vez que não conseguimos sintetizar grande parte da investigação.

Notas de tradução

Tradução e revisão final por: Ricardo Manuel Delgado, Knowledge Translation Team, Cochrane Portugal.

Citation
Hameed M, O'Doherty L, Gilchrist G, Tirado-Muñoz J, Taft A, Chondros P, Feder G, Tan M, Hegarty K. Psychological therapies for women who experience intimate partner violence. Cochrane Database of Systematic Reviews 2020, Issue 7. Art. No.: CD013017. DOI: 10.1002/14651858.CD013017.pub2.

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