Pergunta da revisão
Pretendemos atualizar a análise sobre se mais oxigénio suplementar é melhor do que menos oxigénio suplementar para adultos internados na unidade de cuidados intensivos (UCI).
Contexto
Os adultos internados na UCI estão gravemente doentes e têm um risco elevado de morrer. A suplementação de oxigénio, ou oxigenoterapia, é fornecida à maioria dos doentes adultos na UCI. Condições graves podem resultar em falta de oxigénio no sangue, o que coloca os doentes em risco de níveis baixos de oxigénio nos tecidos e de falência dos órgãos. O uso de sedativos e de medicamentos fortes para o alívio da dor também pode deprimir a ventilação e levar à queda nos níveis de oxigénio. O oxigénio suplementar foi geralmente administrado livremente, resultando possivelmente em níveis de oxigénio demasiado elevados. Apesar da falta de evidência robusta da sua eficácia, a administração de oxigénio suplementar tem sido amplamente recomendada nas diretrizes internacionais de prática clínica. No entanto, as orientações mais recentes desaconselham níveis elevados de oxigénio, uma vez que alguns ensaios, mas não todos, indicaram uma ligação entre esta prática e um maior risco de morte. Os potenciais benefícios do oxigénio suplementar devem ser ponderados em relação aos efeitos potencialmente adversos de uma administração excessiva.
Caraterísticas do ensaio
Identificámos 19 ensaios controlados aleatorizados (ECAs) em que os participantes foram distribuídos aleatoriamente para um nível mais elevado ou para um nível mais baixo de oxigénio, envolvendo 10.385 participantes até novembro de 2022. Dezassete dos ensaios clínicos (10.248 participantes) apresentaram resultados sobre o número de mortes, eventos adversos graves (EAGs), qualidade de vida e risco de lesões pulmonares, enfarte do miocárdio ou AVC em qualquer momento após a oxigenoterapia na UCI. A ocorrência de lesão pulmonar foi medida como o número de participantes que desenvolveram síndrome de dificuldade respiratória aguda ou pneumonia. Quatro estudos incluíram apenas participantes com doenças médicas; 2 incluíram apenas pacientes cirúrgicos. Dois ensaios avaliaram adultos com traumatismo crânio-encefálico; 2 ensaios avaliaram adultos ressuscitados de paragem cardíaca fora do hospital; e 1 ensaio avaliou adultos com AVC. Em 11 ensaios clínicos, todos os participantes receberam ventilação mecânica invasiva através de um tubo inserido na traqueia; 6 ensaios clínicos envolveram adultos que foram ventilados mecanicamente e outros adultos que não foram. Dois ensaios envolveram adultos com respiração espontânea que receberam oxigénio. Em todos os ensaios a utilização de mais oxigénio foi comparada com menos oxigénio, mas os níveis reais de oxigénio diferiram muito entre os ensaios identificados.
A oxigenoterapia foi administrada durante diferentes períodos de tempo, variando desde uma hora até à totalidade do internamento nos cuidados intensivos (até 90 dias).
Resultados-chave
Após esta atualização da revisão, continuamos incertos quanto aos efeitos de níveis mais elevados versus níveis mais baixos de oxigénio, uma vez que as nossas conclusões se baseiam em evidência com grau de certeza baixo ou muito baixo.
Não encontrámos evidência de um efeito benéfico de níveis de oxigénio mais elevados em comparação com níveis mais baixos em doentes adultos internados em UCI, nem no risco de morte (16 estudos; 9.408 participantes), nem no risco de EAGs (17 estudos, 9.466 participantes), nem na qualidade de vida (2 estudos, 1.649 participantes), nem no risco de lesões pulmonares (8 estudos; 2.048 participantes), nem no risco de ataque enfarte do miocárdio (4 estudos, 5.002 participantes), nem no risco de AVC (5 estudos, 6.110 participantes). Encontrámos uma potencial redução do risco de desenvolver nova sépsis ("infeção do sangue") durante o internamento na UCI com níveis mais elevados de oxigénio (3 ensaios clínicos, 752 participantes).
Quais são as limitações desta evidência?
O número de participantes incluídos nos ensaios era demasiado pequeno para permitir uma avaliação clara sobre a dimensão do efeito das intervenções nos resultados examinados nesta revisão. Os estudos variaram em diversos aspetos como: o tipo e a gravidade das doenças dos participantes, os cuidados clínicos associados, os alvos de oxigenoterapia e o período de tempo de administração de oxigénio.
Ler o resumo científico
A oxigenioterapia é a principal intervenção para a hipoxemia. A grande maioria dos adultos internados na UTI recebe oxigenioterapia. A prática de administrar oxigênio tem sido liberal, o que pode resultar em hiperoxemia. Alguns estudos, mas não todos, relataram uma possível associação entre hiperoxemia e aumento do risco de morte. Não se sabe qual é o alvo ideal para o oxigênio suplementar oferecido para os adultos internados na UTI. Apesar da ausência de evidência robusta de efetividade, a administração de oxigênio é amplamente recomendada nas diretrizes internacionais de prática clínica. O benefício potencial do oxigênio suplementar deve ser pesado contra os efeitos potencialmente nocivos da hiperoxemia.
Objetivos
Avaliar os benefícios e danos de usar fração de oxigênio inspirado ou alvos de oxigenação arterial maiores versus menores para adultos internados na UTI.
Métodos de busca
Fizemos buscas por ensaios clínicos randomizados nas seguintes bases de dados: CENTRAL, MEDLINE, Embase, Science Citation Index Expanded, BIOSIS Previews, CINAHL, e LILACS. Buscamos por estudos não publicados ou em andamento em plataformas de registro de ensaios clínicos. Também revisamos as listas de referências dos estudos incluídos. As buscas foram realizadas em dezembro de 2018.
Critério de seleção
Incluímos ensaios clínicos randomizados (ECRs) que compararam fração maior versus fração menor de oxigênio inspirado ou alvos de oxigenação arterial maior versus menor para adultos internados na UTI. Não houve restrições de idiomas ou por tipo ou status de publicação.
Incluímos na revisão ECRs com uma diferença entre os grupos intervenção e controle de, no mínimo: 1) 1 kPa na pressão parcial de oxigênio arterial (PaO2); 2) 10% na fração inspirada de oxigênio (FiO2); ou 3) 2% na saturação de oxigênio arterial de hemoglobina/saturação de oxigênio periférica não-invasiva (SaO2/SpO2).
Excluímos os ensaios clínicos que randomizaram participantes para hipoxemia (FiO2 abaixo de 0,21, SaO2/SpO2 abaixo de 80% e PaO2 abaixo de 6 kPa) e para oxigênio hiperbárico.
Coleta dos dados e análises
Três autores da revisão, trabalhando de forma independente em pares, selecionaram as referências recuperadas nas buscas bibliográficas e extraíram os dados. Os desfechos primários foram a mortalidade por todas as causas, a proporção de participantes com um ou mais eventos adversos graves e a qualidade de vida. Nenhum dos ECRs avaliou a proporção de participantes com um ou mais eventos adversos graves de acordo com os critérios da Conferência Internacional sobre Harmonização de Boas Práticas Clínicas (ICH-GCP). No entanto, a maioria dos estudos relatou vários eventos adversos graves. Portanto, incluímos a proporção de participantes com um evento adverso grave em cada estudo nas análises do efeito de usar fração inspirada de oxigênio ou alvos de oxigenação maior versus menor. Os desfechos secundários foram lesão pulmonar, infarto agudo do miocárdio, acidente vascular encefálico e sepse.
Nenhum dos estudos avaliou lesão pulmonar como desfecho composto. Porém alguns estudos avaliaram síndrome da angústia respiratória aguda (SDRA) e pneumonia. Fizemos uma análise do efeito de usar fração inspirada de oxigênio ou alvos maiores versus menores usando a maior proporção relatada de participantes com SDRA ou pneumonia em cada estudo. Avaliamos o risco de viés de cada estudo para identificar o risco de erros sistemáticos. Usamos o GRADE para avaliar a qualidade (certeza) geral da evidência.
Principais resultados
Incluímos 10 ECRs (1458 participantes), sete dos quais relataram desfechos relevantes para esta revisão (1285 participantes). Todos os estudos tinham, no geral, um alto risco de viés. Dois estudos tinham baixo risco de viés para todos os domínios exceto para o cegamento de participantes e profissionais.
O uso de fração inspirada de oxigênio ou alvos de oxigenação arterial mais altos, em comparação à fração ou alvos mais baixos, aumenta a mortalidade avaliada cerca de três meses após: risco relativo (RR) 1,18, intervalo de confiança (IC) de 95% 1,01 a 1,37, I2 = 0%, 4 estudos, 1135 participantes, evidência de qualidade muito baixa. O uso de fração inspirada de oxigênio ou alvos de oxigenação arterial mais altos, em comparação à fração ou alvos mais baixos, aumenta o risco de eventos adversos graves avaliados cerca de três meses após: maior proporção estimada de eventos adversos específicos em cada estudo RR 1,13, IC 95% 1,04 a 1,23, I2 = 0%, 1234 participantes, 6 estudos, evidência de qualidade muito baixa. Estes achados devem ser interpretados com cautela uma vez que se baseiam em evidência de qualidade muito baixa.
Nenhum dos estudos incluídos avaliou qualidade de vida em qualquer momento.
Não há evidência de diferença entre o uso de maior fração inspirada de oxigênio ou alvos de oxigenação arterial mais altos, em comparação à menor fração ou alvos, na lesão pulmonar avaliada cerca de três meses após: estimativa da maior proporção relatada de lesão pulmonar RR 1,03, IC 95% 0,78 a 1,36, I2 = 0%, 5 estudos,1167 participantes, evidência de qualidade muito baixa.
Nenhum dos estudos incluídos avaliou infarto agudo do miocárdio ou acidente vascular encefálico e apenas um ensaio clínico avaliou o risco de sepse.
Conclusão dos autores
Há muita incerteza acerca dos efeitos do uso de maior fração inspirada de oxigênio ou alvos de oxigenação arterial mais altos, em comparação à fração ou alvos mais baixos, para adultos internados na UTI sobre mortalidade por todas as causas, eventos adversos graves e lesões pulmonares avaliados cerca de três meses depois. Isso se deve ao fato da qualidade da evidência ser muito baixa. Os resultados desta revisão indicam que o uso de maior fração inspirada de oxigênio ou alvos de oxigenação arterial mais altos, em comparação à fração ou alvos mais baixos, pode aumentar a mortalidade. Nenhum dos estudos relatou a proporção de participantes com um ou mais eventos adversos graves de acordo com os critérios ICH-GCP. Porém os estudos relataram um aumento no número de eventos adversos graves com o uso de maior fração inspirada de oxigênio ou alvos de oxigenação arterial mais altos. Os efeitos sobre a qualidade de vida, infarto agudo do miocárdio, acidente vascular encefálico e sepse são desconhecidos devido à falta de dados.
Traduzido por: Beatriz Leal, Serviço de Anestesiologia, Instituto Português de Oncologia de Lisboa, com o apoio da Cochrane Portugal. Revisão final: Ricardo Manuel Delgado, Knowledge Translation Team, Cochrane Portugal.