Terapia celular usando diferentes fontes e diferentes regimes de tratamento para pacientes com ICMI sem opções

Introdução

A isquemia crítica dos membros inferiores (ICMI) caracteriza-se por dores graves nas pernas durante a marcha e em repouso, bem como feridas difíceis de cicatrizar que podem levar à incapacidade e até mesmo à morte. O tratamento padrão é a ´revascularização”, um procedimento que visa melhorar o fluxo sanguíneo para o membro afetado. Porém, 25% a 40% das pessoas com ICMI não podem fazer revascularização ou fizeram esse tratamento mas não tiveram resultados satisfatórios. Portanto, para estes pacientes, a amputação é a única opção para aliviar a dor e impedir que a infecção da ferida se espalhe. Esses pacientes são comumente chamados de pacientes com ICMI "sem opção".

A terapia celular é cada vez mais reconhecida como um novo tratamento promissor para a ICMI. A maioria dos dados sobre esse tipo de terapia veio de estudos que usaram células próprias dos pacientes, conhecidas como "células autólogas". Todavia, os dados atuais sobre a eficácia das células autólogas são insuficientes pois as informações disponíveis sobre as fontes utilizadas para obter estas células (medula óssea, sangue periférico), as doses de células utilizadas (alta ou baixa) e o método de administração celular (injeção de células nos músculos ou nos vasos sanguíneos) são limitadas. Nesta revisão, avaliamos a eficácia e segurança da terapia com células autólogas derivadas de diferentes fontes e usando diferentes regimes de tratamento para pacientes com ICMI "sem opção".

Características do estudo e resultados principais

Avaliamos os achados de sete estudos clínicos randomizados controlados (ECRs) envolvendo 359 pacientes com ICMI identificados através das nossas buscas. A busca incluiu todos estudos publicados até 16 de maio de 2018.

Avaliamos duas fontes principais de tratamento com células tronco, as, "células mononucleares da medula óssea (BM-MNCs)" e as "células tronco do sangue periférico mobilizado (mPBSCs)". Dados limitados sugerem que BM-MNCs ou mPBSCs resultaram em taxas semelhantes de amputação dos membros e de morte dos pacientes. Além disso, as duas fontes celulares pareceram produzir números semelhantes de pacientes com dor em repouso, cicatrização de úlceras e parâmetros de fluxo sanguíneo dos membros inferiores semelhantes medidos pelo índice tornozelo-braço (ITB). Porém, os dados de um ECR mostram que a administração de mPBSC resultou em melhora da tensão transcutânea de oxigênio (TcO₂) quando comparado com o BM-MNC. Os dados de outro ECR não mostraram diferenças claras nas taxas de amputação entre os pacientes que recebem altas doses versus baixas doses celulares, e nenhuma diferença nos desfechos clínicos dos pacientes que receberam doses celulares por via intramuscular versus intra-articular. Os autores do estudo não relataram efeitos adversos significativos no curto prazo atribuídos ao implante de células autólogas.

Qualidade da evidência

A qualidade da evidência para todos os resultados variou, mas foi principalmente baixa a muito baixa. Os motivos para rebaixar a qualidade da evidência foram as limitações no desenho do estudo e a falta de dados para vários resultados importantes. No geral, não há evidência de alta qualidade suficiente para avaliar os efeitos de usar uma determinada fonte ou regime de terapia celular para pessoas com ICMI. São necessários estudos maiores e com seguimento mais longo para avaliar os benefícios no longo prazo e a segurança de vários produtos baseados em células para pacientes com ICMI.

Conclusão dos autores: 

Existe vidência de qualidade baixa e muito baixa sugerindo que não há diferenças claras entre as diferentes fontes de células tronco e diferentes regimes de tratamento de implante de células autólogas para desfechos como mortalidade por todas as causas, taxa de amputação, cicatrização de úlceras, e dor em repouso de pacientes com ICMI "sem opção". As metanálises não mostraram uma diferença clara para os desfechos clínicos entre a administração das células via IM ou IA. Devido à ausência de evidência de alta qualidade, ainda falta confirmar qual é a eficácia e a segurança no longo prazo do uso de células autólogas derivadas de diferentes fontes, preparadas com diferentes protocolos, administradas em diferentes doses e vias, para o tratamento de doentes com ICMI "sem opção".

Futuros ECRs com maior número de participantes são necessários para determinar a eficácia da terapia baseada em células para pacientes com ICMI, juntamente com a fonte celular ideal, fenótipo, dose e via de implantação. É necessário um acompanhamento mais longo para confirmar a durabilidade do potencial angiogênico e a segurança da terapia celular no longo prazo.

Leia o resumo na íntegra...
Introdução: 

A revascularização é a terapia padrão-ouro para pacientes com isquemia crítica dos membros inferiores (ICMI). Porém, mais de 30% dos pacientes não têm condições de fazer esse tratamento ou não têm sucesso com a revascularização e precisam amputar o membro. Esses são denominados pacientes com ICMI "sem opção". Estudos preliminares relataram resultados encorajadores da terapia com células autólogas para o tratamento desses pacientes com ICMI "sem opção". Porém, há dados limitados provenientes de estudos que compararam a potência angiogênica e os efeitos clínicos de células autólogas derivadas de diferentes fontes. Também há poucos dados sobre as doses e vias de administração celulares.

Objetivos: 

Comparar a eficácia e a segurança das células autólogas derivadas de diferentes fontes, preparadas com diversos protocolos, administradas em diferentes doses e vias para o tratamento de pacientes com ICMI "sem opção".

Métodos de busca: 

Em 16 de maio de 2018, o Especialista em Informações do grupo Cochrane Vascular fez buscas nas seguintes bases de dados: Cochrane Vascular Specialised Register, Cochrane Central Register of Controlled Trials (CENTRAL), MEDLINE Ovid, Embase Ovid, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), Allied and Complementary Medicine Database (AMED) e plataformas de registros de ensaios clínicos. Os autores da revisão fizeram buscas no PubMed até fevereiro de 2017.

Critério de seleção: 

Incluímos ensaios clínicos randomizados controlados (ECRs) envolvendo pacientes com ICMI "sem opção" que compararam uma fonte ou regime particular de terapia baseada em células autólogas versus outra fonte ou regime de terapia baseada em células autólogas.

Coleta dos dados e análises: 

Três autores de revisão, trabalhando de forma independente, avaliaram a elegibilidade e a qualidade metodológica dos estudos. Extraímos os dados dos desfechos de cada estudo e os combinamos em metanálises. Calculamos as estimativas de efeitos utilizando a razão de risco (RR) com intervalo de confiança (IC) de 95% ou a diferença média (DM) com IC 95%.

Principais resultados: 

Incluímos sete ECRs com um total de 359 participantes. Estes estudos compararam células mononucleares da medula óssea (BM-MNCs) versus células-tronco do sangue periférico mobilizado (mPBSCs), BM-MNCs versus células-tronco mesenquimais da medula óssea (BM-MSCs), alta dose de células versus baixa dose de células, e implante celular intramuscular (IM) versus intra-arterial (IA). Não identificamos outras comparações nesses estudos. A maioria dos estudos tinha baixo risco de viés na geração da sequência de randomização, dados de desfecho incompletos e relato seletivo de desfecho, alto risco de viés para o cegamento dos pacientes e profissionais, e risco de viés incerto para ocultação da alocação e cegamento dos avaliadores de desfecho. No geral, a qualidade da evidência foi baixa a muito baixa. Os motivos para rebaixar a qualidade foram o risco de viés dos estudos, a imprecisão, e dados indiretos dos desfechos.

Três ECRs (100 participantes) relataram a ocorrência de nove óbitos durante o período de acompanhamento do estudo. Esses estudos não relataram óbitos por grupo de tratamento.

Os resultados não mostram diferença clara na taxa de amputação entre as vias IM e IA (RR 0,80, IC 95% 0,54 a 1,18, três ECRs, 95 participantes, evidência de baixa qualidade). Os dados provenientes de estudos isolados não mostram diferença clara nas taxas de amputação entre grupos tratados com BM-MNC versus mPBSC (RR 1,54, IC 95% 0,45 a 5,24, 150 participantes, evidência de baixa qualidade) e entre alta versus baixa dose de células (RR 3,21, IC 95% 0,87 a 11,90, 16 participantes, evidência de qualidade muito baixa). O estudo que comparou BM-MNCs versus BM-MSCs relatou que não houve nenhum caso de amputação.

Dados provenientes de estudos isolados com evidência de baixa qualidade mostram números semelhantes de participantes com úlceras que cicatrizaram entre BM-MNCs versus mPBSCs (RR 0,89, IC 95% 0,44 a 1,83, 49 participantes) e entre a administração IM versus AI (RR 1,13, IC 95% 0,73 a 1,76, 41 participantes). Por outro lado, parece haver maior número de participantes com úlceras cicatrizadas no grupo BM-MSC do que no grupo BM-MNC (RR 2,00, IC 95% 1,02 a 3,92, um ECR, 22 participantes, evidência de qualidade moderada). Os estudos que compararam doses celulares altas versus baixas não avaliaram cicatrização das úlceras.

Dados provenientes de estudos isolados mostram números semelhantes de participantes com redução da dor em repouso nos grupos tratados com BM-MNCs versus mPBSCs (RR 0,99, IC 95% 0,93 a 1,06, 104 participantes; evidência de qualidade moderada) e entre a administração IM versus AI (RR 1,22, IC 95% 0,91 a 1,64, 32 participantes, evidência de baixa qualidade). Um estudo relatou que não houve diferença clara nos escores de dor em repouso entre os grupos BM-MNC versus BM-MSC (MD 0,00, IC 95% -0,61 a 0,61, 37 participantes, evidência de qualidade moderada). Os estudos que compararam doses celulares altas versus baixas não avaliaram dor em repouso.

Dados provenientes de estudos isolados não mostram diferença clara no número de participantes com índice tornozelo-braço aumentado (aumento do ITB > 0,1 em relação ao valor pré-tratamento), entre os grupos BM-MNCs versus mPBSCs (RR 1,00, IC 95% 0,71 a 1,40, 104 participantes, evidência de qualidade moderada), e entre as vias IM versus IA (RR 0,93, IC 95% 0,43 a 2,00, 35 participantes, evidência de qualidade muito baixa). Por outro lado, os escores de ITB foram mais altos no grupo BM-MSC do que no BM-MNC (MD 0,05, IC 95% 0,01 a 0,09, um ECR, 37 participantes, evidência de baixa qualidade). O ITB não foi avaliado na comparação de dose celular alta versus baixa.

O número de participantes com melhora da tensão transcutânea de oxigênio (TcO₂) foi semelhante com as vias IM versus AI (RR 1,22; IC 95% 0,86 a 1,72, dois ECRs, 62 participantes, evidência de qualidade muito baixa). Os dados provenientes de um único estudo (evidência de baixa qualidade) mostram uma leitura maior da TcO₂ nos grupos BM-MSC versus BM-MNC (MD 8.00, IC 95% 3.46 a 12.54, 37 participantes) e nos grupos tratados com mPBSC- versus BM-MNC (MD 1.70, IC 95% 0.41 a 2.99, 150 participantes). A TcO₂ não foi avaliada na comparação entre dose celular alta versus baixa.

Os autores do estudo não relataram efeitos adversos significativos no curto prazo atribuídos ao implante de células autólogas.

Notas de tradução: 

Tradução do Centro Afiliado Paraíba, Cochrane Brazil (Lucas Ribeiro de Moraes Freitas e Maria Regina Torloni). Contato: tradutores@centrocochranedobrasil.org.br.

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