Benefícios e danos dos antibióticos para a prevenção secundária de doenças coronarianas

Introdução

A doença coronariana, também conhecida como doença cardiovascular, é a principal causa de morte em todo o mundo, com aproximadamente 7,4 milhões de mortes a cada ano. A doença coronariana é causada pela diminuição do suprimento de sangue para o coração. A gravidade da doença varia desde a dor no peito durante a realização de exercícios até um ataque cardíaco. Os antibióticos podem ajudar os pacientes com doenças coronarianas e reduzir o risco de ataques cardíacos, derrames, dores no peito, procedimentos de revascularização e morte. Entretanto, um ensaio clínico randomizado e vários estudos observacionais sugeriram que os antibióticos aumentaram o risco de eventos cardiovasculares e de morte.

Pergunta da revisão

O objetivo desta revisão sistemática da Cochrane foi avaliar os benefícios e os danos dos antibióticos em pacientes adultos com doença coronariana.

Avaliamos principalmente os benefícios e danos ocorridos no seguimento de maior tempo descrito nos estudos e, em segundo lugar, no seguimento de 24±6 meses.

Características dos estudos

Pesquisamos vários bancos de dados científicos desde seu início até dezembro de 2019 e encontramos 38 estudos em que pessoas com doença coronariana foram alocadas aleatoriamente para receber antibióticos versus placebo ou nenhuma intervenção. Os 38 estudos incluíram 26.638 adultos com uma idade média de 61,6 anos. 23 dos 38 ensaios clínicos relataram dados sobre 26.078 participantes que poderiam ser analisados. A grande maioria dos dados foi obtida de estudos que avaliaram os efeitos dos antibióticos macrolídeos (28 estudos; 22.059 participantes) e antibióticos do tipo quinolonas (dois estudos; 4.162 participantes), enquanto que dados insuficientes foram fornecidos pelos estudos que avaliaram os efeitos dos antibióticos tetraciclinas (oito estudos; 417 participantes). Três estudos apresentavam baixo risco de viés e os demais estudos apresentavam alto risco de viés

Principais resultados e conclusão

Os pacientes que receberam antibióticos (antibióticos macrolídeos ou antibióticos quinolonas), em comparação com os pacientes que receberam placebo ou nenhuma intervenção, pareciam ter um risco ligeiramente maior de morte por todas as causas, de morte por uma causa cardíaca e de ter um AVC durante o período de seguimento de maior tempo descritos nos estudos. Além disso, também foi observado um risco ligeiramente maior quando avaliado morte por todas as causas, morte por uma causa cardíaca e morte súbita por uma causa cardíaca em 24±6 meses de seguimento. Nenhum dos estudos relatou suficientemente o número de participantes com eventos adversos graves. Não foram fornecidos dados sobre a qualidade de vida.

A realização de futuros ensaios clínicos sobre a segurança dos antibióticos macrolídeos ou dos antibióticos quinolonas para a prevenção secundária em pacientes adultos com doença coronariana não parecem ser ética.

Conclusão dos autores: 

Nossa presente revisão indica que os antibióticos (macrolídeos ou quinolonas) para prevenção secundária de doenças coronarianas parecem ser prejudiciais quando avaliado o risco de mortalidade por todas as causas, de mortalidade cardiovascular e de AVC no seguimento máximo, além da mortalidade por todas as causas, mortalidade cardiovascular e morte súbita cardíaca aos 24±6 meses de seguimento. Assim, as evidências atuais não apoiam o uso clínico de macrolídeos e quinolonas para a prevenção secundária de doenças coronarianas.

A realização de ensaios clínicos futuros sobre a segurança dos macrolídeos ou quinolonas para a prevenção secundária em pacientes com doenças coronarianas parece não ser ético. Em geral, os ensaios clínicos randomizados avaliando os efeitos dos antibióticos, especialmente macrolídeos e quinolonas, precisam de seguimentos mais longo para que os eventos adversos que ocorrem tardiamente também possam ser avaliados.

Leia o resumo na íntegra...
Introdução: 

A doença cardíaca coronariana é a principal causa de mortalidade em todo o mundo, com aproximadamente 7,4 milhões de mortes a cada ano. Pessoas com doença coronariana estabelecida têm um alto risco de eventos cardiovasculares subsequentes, incluindo infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral (AVC) e morte cardiovascular. Os antibióticos poderiam prevenir tais desfechos devido a seus efeitos antibacterianos, anti-inflamatórios e antioxidativos. Entretanto, um ensaio clínico randomizado e vários estudos observacionais tem sugerido que os antibióticos podem aumentar o risco de eventos cardiovasculares e a mortalidade. Além disso, várias Revisões não-Cochrane, que atualmente estão desatualizadas, têm avaliado os efeitos dos antibióticos em doenças coronarianas e demonstraram resultados conflitantes. Nenhuma revisão sistemática anterior utilizando a metodologia Cochrane avaliou os efeitos dos antibióticos em doenças coronarianas.

Objetivos: 

Avaliamos os benefícios e danos dos antibióticos em comparação com placebo ou nenhuma intervenção para a prevenção secundária de doenças coronarianas.

Métodos de busca: 

Pesquisamos nas bases de dados CENTRAL, MEDLINE, Embase, LILACS, SCI-EXPANDED e BIOSIS em dezembro de 2019 a fim de identificar estudos relevantes. Adicionalmente, pesquisamos no TRIP, no Google Scholar e em nove registros de estudos em dezembro de 2019. Também contatamos 11 industrias farmacêuticas e pesquisamos as listas de referência dos estudos incluídos, revisões sistemáticas anteriores e outros tipos de revisões.

Critério de seleção: 

Ensaios clínicos randomizados avaliando os efeitos dos antibióticos versus placebo ou nenhuma intervenção para a prevenção secundária de doenças coronarianas em participantes adultos (≥18 anos). Os estudos foram incluídos independentemente do cenário clínico, cegamento, status da publicação, ano de publicação, idioma e relato de nossos desfechos clínicos.

Coleta dos dados e análises: 

Três autores de revisão extraíram dados de forma independente. Nossos desfechos primários foram mortalidade por todas as causas, evento adverso grave de acordo com a Conferência Internacional sobre Harmonização - Boas Práticas Clínicas (ICH-GCP) e qualidade de vida. Nossos desfechos secundários foram mortalidade cardiovascular, infarto do miocárdio, AVC e morte súbita cardíaca. Nosso seguimento de interesse primário foi o seguimento de maior tempo reportado. Além disso, extraímos os dados dos desfechos com 24±6 meses de seguimento. Avaliamos os riscos de erros sistemáticos utilizando a ferramenta Cochrane "Risk of bias". Calculamos os riscos relativos (RRs) com intervalos de confiança (ICs) de 95% para os desfechos dicotômicos. Calculamos a redução do risco absoluto (RRA) ou o aumento do risco absoluto (ARA) e o número necessário para tratar para um desfecho benéfico adicional (NNTB) ou para um desfecho prejudicial adicional (NNTH) se o resultado do desfecho apresentar um efeito benéfico ou prejudicial, respectivamente. A certeza do corpo de evidências foi avaliada pela abordagem GRADE.

Principais resultados: 

Incluímos 38 ensaios clínicos que randomizaram um total de 26.638 participantes (idade média de 61,6 anos), com 23/38 estudos reportando dados sobre 26.078 participantes que poderiam ser inseridos na metanálise Três estudos apresentavam baixo risco de viés e os 35 estudos restantes apresentavam alto risco de viés. Os estudos que avaliaram os efeitos dos macrolídeos (28 estudos; 22.059 participantes) e quinolonas (dois estudos; 4.162 participantes) contribuíram com a grande maioria dos dados.

Metanálises realizadas com dados extraídos do maior seguimento reportado, demonstraram que antibióticos versus placebo ou nenhuma intervenção parecia aumentar o risco de mortalidade por todas as causas (RR 1,06; IC 95% 0,99 a 1,13; P = 0,07; I2 = 0%; ARA 0,48%; NNTH 208; 25.774 participantes; 20 estudos; alta certeza da evidência), de AVC (RR 1.14; IC 95% 1,00 a 1,29; P = 0,04; I2 = 0%; ARA 0,73%; NNTH 138; 14.774 participantes; 9 estudos; alta certeza da evidência) e, também, provavelmente, o de mortalidade cardiovascular (RR 1,11; IC 95% 0,98 a 1,25; P = 0,11; I2= 0%; 4.674 participantes; 2 estudos; certeza moderada da evidência). Pouca ou nenhuma diferença foi observada quando avaliado o risco de infarto do miocárdio (RR 0,95; IC 95% 0,88 a 1,03; P = 0,23; I2 = 0%; 25.523 participantes; 17 estudos; alta certeza da evidência). Nenhuma evidência de diferença foi observada quando avaliado a morte súbita cardíaca (RR 1,08; IC 95% 0,90 a 1,31; P = 0,41; I2 = 0%; 4.520 participantes; 2 estudos; moderada certeza da evidência).

As metanálises com 24±6 meses de seguimento demonstraram que os antibióticos versus placebo ou nenhuma intervenção aumentaram o risco de mortalidade por todas as causas (RR 1,25; IC 95% 1,06 a 1,48; P = 0,007; I2 = 0%; ARA 1,26%; NNTH 79 (IC 95% 335 a 42); 9.517 participantes; 6 estudos; alta certeza da evidência), de mortalidade cardiovascular (RR 1,50; IC 95% 1,17 a 1,91; P = 0,001; I2 = 0%; ARA 1,12%; NNTH 89 (IC 95% 261 a 49); 9.044 participantes; 5 estudos; alta certeza da evidência) e, também, provavelmente, o de morte súbita cardíaca (RR 1,77; IC 95% 1,28 a 2,44; P = 0,0005; I2= 0%; ARA 1,9%; NNTH 53 (IC 95% 145 a 28); 4.520 participantes; 2 ensaios; moderada certeza da evidência). Nenhuma evidência de diferença foi observada ao avaliar o risco de infarto do miocárdio (RR 0,95; IC 95% 0,82 a 1,11; P = 0,53; I2 = 43%; 9.457 participantes; 5 ensaios; certeza moderada da evidência) e de AVC (RR 1,17; IC 95% 0,90 a 1,52; P = 0,24; I2 = 0%; 9.457 participantes; 5 ensaios; certeza elevada da evidência).

As metanálises de estudos com baixo risco de viés divergiram das análises gerais quando avaliada a mortalidade cardiovascular no maior seguimento reportado. Para todos os outros desfechos, as metanálises de estudos com baixo risco de viés não divergiram das análises gerais.

Nenhum dos estudos avaliou especificamente evento adverso grave de acordo com o ICH-GCP.

Não foram encontrados dados sobre a qualidade de vida.

Notas de tradução: 

Tradução do Cochrane Brasil (André Islabão e Aline Rocha). Contato: tradutores.cochrane.br@gmail.com.

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