Porque é que esta pergunta é importante?
Muitos procedimentos médico-dentários criam gotículas que se depositam rapidamente nas superfícies. Se instrumentos de alta velocidade, como uma broca, forem utilizados, são gerados aerossóis, que consistem em partículas minúsculas que permanecem suspensas no ar e que podem ser inaladas ou depositadas em superfícies mais distantes. Estes aerossóis contêm uma variedade de microrganismos e podem transmitir infeções tanto por contato direto como indiretamente através das superfícies contaminadas. Para prevenir a disseminação de infeções, pode ser útil reduzir o número de microrganismos presentes nesses aerossóis. O uso de soluções de bochecho antes de um procedimento médico dentário ("bochecho pré-operatório") tem sido sugerido como uma possível maneira de reduzir a quantidade de contaminação dos aerossóis. A cloro-hexidina, iodopovidona e cloreto de cetilpiridínio (CPC) são algumas das soluções de bochecho comummente utilizadas. Estas soluções têm como mecanismo de ação a morte ou inativação dos microrganismos na boca e, assim, reduzem o nível de contaminação no aerossol gerado. Este trabalho pretendia determinar se a realização de um bochecho antes de um procedimento médico-dentário reduz a contaminação dos aerossóis produzidos durante os procedimentos médico-dentários na prática clínica e ajuda a prevenir a transmissão de doenças infeciosas.
Como identificámos e avaliámos a evidência?
Pesquisámos todos os estudos que comparassem soluções de bochecho antes de procedimentos médico-dentários com placebo (tratamento falso), nenhuma intervenção ou outra solução de bochecho considerada inativa. Em seguida, comparámos os resultados e resumimos a evidência de todos os estudos. Finalmente, avaliámos a confiança na evidência. Para isso, consideraram-se fatores como a forma como os estudos foram conduzidos, o tamanho da amostra dos estudos e a consistência dos dados entre os estudos.
O que descobrimos?
Encontrámos 17 estudos que cumpriam com os critérios de inclusão. Esses estudos utilizaram cloro-hexidina, CPC, soluções de bochecho de óleos essenciais/ervas, iodopovidona e ácido bórico em comparação com não bochechar, ou bochechar com água, solução salina (água salgada) ou outra solução. Nenhum dos estudos mediu com que frequência os profissionais de saúde oral foram infetados com microrganismos. Todos os estudos incluídos mediram o nível de contaminação bacteriana em gotículas ou aerossóis na clínica dentária. Os estudos não examinaram a contaminação por vírus ou fungos.
A maioria das soluções de bochecho diminuiu a contaminação bacteriana nos aerossóis até certo ponto, mas houve uma variação considerável nos efeitos e não sabemos qual a magnitude de redução necessária para reduzir o risco de infeção.
Os estudos não forneceram nenhuma informação sobre custos, alteração nos microrganismos na boca do paciente ou efeitos colaterais, como descoloração temporária, alteração do paladar, reação alérgica ou hipersensibilidade. Os estudos não avaliaram se os pacientes ficaram satisfeitos em usar uma solução de bochecho ou se foi fácil para os médicos dentistas a sua implementação.
No geral, os resultados sugerem que o uso de um bochecho pré-operatório pode reduzir o nível de contaminação bacteriana nos aerossóis em comparação com não bochechar ou bochechar com água, mas certeza de que a evidência é confiável é baixa ou muito baixa e não sabemos como essa redução na contaminação se relaciona com o risco efetivo de infeção do profissional de saúde oral.
O que significa?
A evidência disponível é de baixo nível de confiança, podendo estudos adicionais alterar as conclusões obtidas nesta revisão. Nenhum estudo mediu o risco de infeção ou investigou a contaminação viral ou fúngica.
Quão atualizada se encontra esta revisão?
A evidência nesta revisão Cochrane encontra-se atualizada até fevereiro de 2022.
Ler o resumo científico
Os aerossóis e salpicos são gerados na consulta de medicina dentária aquando da realização de procedimentos geradores de aerossóis (PGAs), os quais utilizam peças de mão de alta velocidade. Os prestadores de cuidados de saúde oral podem estar mais vulneráveis ao risco de transmissão de doenças, como a tuberculose, sarampo, e síndrome respiratória aguda grave (SRAG), através do contacto de gotículas com as mucosas, inalação de aerossóis ou através de fómites nas mucosas, as quais transportam microrganismos. Existem estratégias de mitigação bem como de contenção da transmissão de aerossóis e salpicos que podem, por sua vez, reduzir qualquer risco de transmissão de doença. Para além do equipamento de proteção individual (EPI) e dispositivos de redução de aerossóis, como aspiração de alto débito, foi levantada a hipótese de que o uso de bochechos orais pelos pacientes antes dos procedimentos dentários poderia reduzir a carga microbiana dos aerossóis gerados durante os PGAs.
Objetivos
Avaliar os efeitos das soluções de bochechos pré-operatórios usados em ambiente clínico na minimização da incidência de infeção nos prestadores de cuidados de saúde oral e redução ou neutralização da contaminação nos próprios aerossóis.
Métodos de busca
Foram utilizados protocolos-padrão exaustivos de pesquisa da Cochrane. A data da última busca foi 4 de fevereiro de 2022.
Critério de seleção
Incluímos ensaios controlados aleatorizados e excluímos estudos laboratoriais. Os pacientes recrutados nos estudos eram pacientes de medicina dentária submetidos a PGAs. Os estudos comparavam o uso de qualquer solução de bochecho pré-operatório utilizado para a redução de aerossóis contaminados versus placebo, a não utilização de solução de bochecho ou a utilização de uma solução de bochecho diferente. O desfecho primário considerado foi a incidência de infeção nos prestadores de cuidados de saúde oral, e os desfechos secundários incluíam a redução do nível de contaminação do ambiente clínico dentário, custo, alterações na microbiota oral, efeitos adversos, e aceitação e confiança na intervenção.
Coleta dos dados e análises
Dois autores revisores procederam à seleção dos estudos obtidos pela pesquisa, extraíram os dados dos estudos incluídos, avaliaram o risco de viés dos estudos, bem como determinaram a certeza na evidência disponível. Utilizámos a diferença de médias (DMs) e intervalos de confiança (IC) de 95% como estimativa de efeito para os desfechos contínuos e a meta-análise com modelo de efeitos aleatórios para combinação dos dados.
Principais resultados
Incluímos 17 estudos com um total de 830 participantes com idades entre os 18 e os 70 anos. Avaliámos 3 ensaios como tendo alto risco de viés, 2 com baixo risco de viés e 12 com risco indeterminado de viés.
Nenhum dos estudos mediu o nosso desfecho primário de incidência de infeção nos prestadores de cuidados de saúde oral.
O desfecho primário os estudos foi a redução do nível de contaminação bacteriana medida por unidades formadoras de colónias (UFCs) a distâncias inferiores a 2 m (com o objetivo de capturar partículas de maiores dimensões) e iguais ou superiores a 2 m (para capturar núcleos de partículas de aerossóis provenientes da cavidade oral dos participantes). Não está claro qual a dimensão do efeito de redução de UFC que representa um valor clinicamente significativo.
Existe evidência de baixa ou muito baixa certeza de que a cloro-hexidina (CHX) pode reduzir a contaminação bacteriana, medida por UFCs, comparativamente à não realização de bochecho pré-operatório ou bochecho com água. Os resultas são semelhantes quando se compara o bochecho com cloreto de cetilpiridínio (CPC) com a não realização de bochecho pré-operatório, ou quando se compara bochecho com CPC, óleos essenciais/soluções de bochecho à base de ervas ou ácido bórico com água. Existe evidência de muito baixa confiança de que soluções de bochecho aquecidas possam provocar uma maior redução de UFCs comparativamente a soluções de bochecho à temperatura ambiente. Existe evidência de baixa certeza de que a CHX pode reduzir as UFCs em maior quantidade comparativamente às soluções de bochecho com óleos essenciais/ervas. A evidência para outras comparações diretas é limitada e inconsistente.
Os estudos não providenciaram informação relativamente aos custos, alterações na microflora oral dos pacientes, ou efeitos adversos, nomeadamente pigmentação temporária, alterações de paladar, reações alérgicas, ou hipersensibilidade. Os estudos não avaliaram o nível de aceitação da intervenção pelos pacientes ou a viabilidade da implementação da intervenção pelos médicos dentistas.
Conclusão dos autores
Nenhum dos estudos incluídos avaliou a incidência de infeção entre os prestadores de cuidados de saúde oral. Os estudos mediram apenas a redução do nível de contaminação bacteriana nos aerossóis. Nenhum dos estudos avaliou a contaminação viral ou fúngica. Apenas existe certeza baixa e muito baixa nestes resultados. Não foi possível retirar conclusões sobre a relevância dos bochechos pré-operatórios na redução do risco de infeção ou a possível superioridade de uma solução de bochecho sobre outra para esta finalidade. São necessários estudos que meçam o efeito das soluções de bochecho no risco de doenças infeciosas entre os profissionais de saúde oral e em aerossóis contaminados a distâncias maiores, com a mensuração padronizada de resultados.
Traduzido por: Carlota Duarte de Mendonça, Bruno Rosa, Joana Faria Marques, João Silveira e António Mata, Centro de Estudos de Medicina Dentária Baseada na Evidência, Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa. Revisão final: Ricardo Manuel Delgado, Knowledge Translation Team, Cochrane Portugal.