Questão da revisão
Os tratamentos farmacológicos, a estimulação cerebral não invasiva (são colocados elétrodos no couro cabeludo e é aplicada uma corrente elétrica finamente controlada para alterar a atividade cerebral), os tratamentos psicológicos ou os tratamentos combinados reduzem a proporção de pessoas com depressão ou a extensão dos sintomas depressivos após o AVC?
Contexto
A depressão é comum após o AVC, mas muitas vezes não é detetada ou é tratada de forma inadequada.
Data de pesquisa
Identificámos estudos através de pesquisas realizadas em 8 de fevereiro de 2022. Esta é uma revisão sistemática viva. Procuramos por nova evidência a cada dois meses e atualizamos a revisão quando identificamos nova evidência relevantes. Consulte o Banco de Dados Cochrane de Revisões Sistemáticas para saber a situação atual desta revisão.
Caraterísticas dos estudos
Incluímos ensaios clínicos que relataram o uso de intervenções farmacológicas, de estimulação cerebral não invasiva, psicológicas e combinadas para tratar a depressão após o AVC. Descrevemos os principais resultados como o número de pessoas que cumprem os critérios para depressão (pontuação acima de um limiar de pontuação predefinido) e resposta inadequada (pontuação abaixo de 50% do limiar de pontuação predefinido). A idade média dos participantes variava entre 54 e 78 anos. Os estudos eram provenientes da Ásia (39), Europa (12), América (6), América do Sul (1) e Austrália (3).
Resultados-chave
Incluímos 65 estudos (72 comparações) envolvendo 5.831 participantes. Os tratamentos farmacológicos resultaram num menor número de pessoas que preenchiam os critérios do estudo para a depressão no final do tratamento e com uma resposta inadequada ao tratamento. A estimulação cerebral não invasiva não reduziu o número de pessoas que preenchiam os critérios do estudo para depressão no final do tratamento e com resposta inadequada ao tratamento. A terapia psicológica reduziu o número de pessoas que preenchiam os critérios do estudo para depressão no final do tratamento. A combinação do tratamento farmacológico e da estimulação cerebral não invasiva resultou num menor número de pessoas que preenchiam os critérios do estudo para a depressão, mas não afetou as pessoas com uma resposta inadequada ao tratamento. Mais pessoas no grupo de tratamento farmacológico relataram efeitos secundários no sistema nervoso central (por exemplo, confusão, sedação, tremor; em cinco ensaios) e gastrointestinais (por exemplo, obstipação, diarreia; em quatro ensaios) do que nos grupos de placebo. Não foram fornecidas informações sobre os efeitos secundários de outros tratamentos.
Grau de certeza na evidência
As estimativas dos efeitos do tratamento foram imprecisas devido ao pequeno número de participantes na maioria dos estudos e ao recrutamento de pessoas com caraterísticas de base muito diferentes. Classificámos o grau de certeza da evidência como baixo a muito baixo devido a estas e outras limitações no desenho do estudo.
Conclusão
Os medicamentos antidepressivos podem beneficiar as pessoas com sintomas depressivos persistentes após o AVC, mas é necessário ter cuidado na sua utilização, uma vez que pouco se sabe sobre os seus efeitos na recuperação global do AVC. A estimulação cerebral não invasiva pode não ser benéfica, enquanto as terapias psicológicas e combinadas podem constituir uma opção de tratamento. A investigação futura deve incluir um grupo mais alargado de pessoas com AVC.
Ler o resumo científico
A depressão é uma morbilidade importante associada ao AVC que tem impacto na recuperação, todavia frequentemente não é detetada ou é tratada inadequadamente.
Objetivos
Avaliar os benefícios e os malefícios da intervenção farmacológica, da estimulação cerebral não invasiva, da terapia psicológica ou de combinações destas para tratar a depressão após o AVC.
Métodos de busca
Esta é uma revisão sistemática viva. Procuramos por nova evidência a cada dois meses e atualizamos a revisão quando identificamos nova evidência relevantes. Consulte o Banco de Dados Cochrane de Revisões Sistemáticas para saber a situação atual desta revisão.
Pesquisámos os registos especializados da Cochrane Stroke, e da Cochrane Depression Anxiety and Neurosis, CENTRAL, MEDLINE, Embase, cinco outras bases de dados, dois registos de ensaios clínicos, listas de referências e atas de conferências (fevereiro de 2022). Contactámos os autores dos estudos.
Critério de seleção
Ensaios controlados aleatorizados (ECAs) que comparam: 1) intervenções farmacológicas com placebo; 2) estimulação cerebral não-invasiva com estimulação factícia (sham) ou cuidados habituais; 3) terapia psicológica com cuidados habituais ou controlo da atenção; 4) intervenção farmacológica e terapia psicológica com intervenção farmacológica e cuidados habituais ou controlo da atenção; 5) intervenção farmacológica e estimulação cerebral não-invasiva com intervenção farmacológica e estimulação factícia ou cuidados habituais; 6) estimulação cerebral não-invasiva e terapia psicológica versus estimulação cerebral simulada ou cuidados habituais e terapia psicológica; 7) intervenção farmacológica e terapia psicológica com placebo e terapia psicológica; 8) intervenção farmacológica e estimulação cerebral não-invasiva com placebo e estimulação cerebral não-invasiva; e 9) estimulação cerebral não-invasiva e terapia psicológica versus estimulação cerebral não-invasiva e cuidados habituais ou controlo da atenção, com a intenção de tratar a depressão após o AVC.
Coleta dos dados e análises
Dois autores de revisão, independentemente, selecionaram os estudos, avaliaram o risco de viés e extraíram os dados dos estudos incluídos. Calculamos a diferença média (MD) ou diferença média padronizada (SMD) para dados contínuos, e o risco relativo (RR) para dados dicotómicos, com intervalos de confiança (IC) de 95%. Avaliámos a heterogeneidade utilizando a estatística I² e o grau de certeza da evidência de acordo com o GRADE.
Principais resultados
Incluímos 65 estudos (72 comparações) com 5.831 participantes. Os dados estavam disponíveis para: 1) 20 comparações; 2) nove comparações; 3) 25 comparações; 4) três comparações; 5) 14 comparações; e 6) uma comparação. Não encontrámos ensaios para as comparações 7 a 9.
Comparação 1: Intervenções farmacológicas
Existe evidência de qualidade muito baixa proveniente de oito ensaios clínicos que sugere que as intervenções farmacológicas diminuem o número de pessoas que cumprem os critérios do estudo para depressão (RR 0,70, IC 95% 0,55 a 0,88; P = 0,002; 8 ECAs; 1.025 participantes) no final do tratamento e evidência de qualidade muito baixa proveniente de seis ensaios clínicos que sugere que as intervenções farmacológicas diminuem o número de pessoas com resposta inadequada ao tratamento (RR 0,47, IC 95% 0,32 a 0,70; P = 0,0002; 6 ECAs; 511 participantes) em comparação com o placebo. Foram registados mais eventos adversos relacionados com o sistema nervoso central (SNC) (RR 1,55, IC 95% 1,12 a 2,15; P = 0,008; 5 ECAs; 488 participantes; grau de certeza muito baixo) e com o sistema gastrointestinal (RR 1,62, IC 95% 1,19 a 2,19; P = 0,002; 4 ECAs; 473 participantes; grau de certeza muito baixo) no grupo de intervenção farmacológica do que no grupo placebo.
Comparação 2: Estimulação cerebral não invasiva
Existe evidência de qualidade muito baixa, proveniente de dois ensaios clínicos, de que a estimulação cerebral não invasiva tem pouco ou nenhum efeito sobre o número de pessoas que preenchem os critérios do estudo para depressão (RR 0,67, IC 95% 0,39 a 1,14; P = 0,14; 2 ECAs; 130 participantes) e sobre o número de pessoas com resposta inadequada ao tratamento (RR 0,84, IC 95% 0,52, 1,37; P = 0,49; 2 ECAs; 130 participantes) em comparação com a estimulação simulada. A estimulação cerebral não invasiva não resultou em mortes.
Comparação 3: Terapia psicológica
Existe evidência de qualidade muito baixa proveniente de seis ensaios clínicos que sugere que a terapia psicológica reduziu o número de pessoas que preenchiam os critérios do estudo para depressão no final do tratamento (RR 0,77, IC 95% 0,62 a 0,95; P = 0,01; 521 participantes) em comparação com os cuidados habituais/controlo de atenção. Nenhum estudo de terapia psicológica relatou o resultado resposta inadequada ao tratamento. Não foram encontradas diferenças no número de mortes ou eventos adversos no grupo de terapia psicológica em comparação com o grupo de controlo de cuidados habituais/atenção.
Comparação 4: Intervenções farmacológicas com terapia psicológica
Nenhum ensaio desta combinação apresentou os resultados primários. A terapia combinada não resultou em nenhuma morte.
Comparação 5: Intervenções farmacológicas com estimulação cerebral não invasiva
A estimulação cerebral não-invasiva com intervenção farmacológica reduziu o número de pessoas que preenchiam os critérios do estudo para depressão no final do tratamento (RR 0,77, IC 95% 0,64 a 0,91; P = 0,002; 3 ECAs; 392 participantes; grau de certeza da evidência baixo), mas não o número de pessoas com resposta inadequada ao tratamento (RR 0,95, IC 95% 0,69 a 1,30; P = 0,75; 3 ECAs; 392 participantes; grau de certeza da evidência muito baixo) em comparação com a terapia farmacológica isolada. Existe evidência de qualidade muito baixa, proveniente de cinco ensaios clínicos, que não há diferença no número de mortes entre esta terapia combinada (RR 1,06, IC 95% 0,27 a 4,16; P = 0,93; 487 participantes) em comparação com a terapia farmacológica e a estimulação simulada ou cuidados habituais.
Comparação 6: Estimulação cerebral não invasiva com terapia psicológica
Nenhum ensaio desta combinação apresentou os resultados primários.
Conclusão dos autores
Os dados de muito baixo grau de certeza da evidência sugerem que as terapias farmacológicas, psicológicas e combinadas podem reduzir a prevalência da depressão, enquanto a estimulação cerebral não invasiva teve pouco ou nenhum efeito na prevalência da depressão. A intervenção farmacológica foi associada a eventos adversos relacionados com o SNC e o trato gastrointestinal. É necessária mais investigação antes de se poderem fazer recomendações sobre a utilização de rotina destes tratamentos.
Tradução e revisão final por: Ricardo Manuel Delgado, Knowledge Translation Team, Cochrane Portugal.