A formação em realidade virtual para a cirurgia da catarata pode complementar ou substituir outros métodos de formação para os médicos internos em oftalmologia?

Mensagens-chave
Não encontrámos evidência suficiente para demonstrar que o treino em realidade virtual (RV) melhora o desempenho na cirurgia de catarata em médicos internos de oftalmologia em comparação com o treino em wetlab ou treino convencional.

O que é a formação em realidade virtual?
O treino RV utiliza tecnologia informática para simular um ambiente tridimensional interativo.

Como funciona a formação em cirurgia da catarata nos médicos internos de oftalmologia?
A maioria dos médicos internos com pós-graduação em oftalmologia nos Estados Unidos (EUA) passam por uma transição gradual, começando por realizar etapas específicas da cirurgia de catarata (substituindo a lente turva dentro do olho por uma artificial) em um wetlab (praticando em cadáveres ou tecidos artificiais) ou utilizando simuladores de RV de modo a realizar a cirurgia de catarata no bloco operatório.

Por que é que esta questão é importante?
O treino em RV está se tornar cada vez mais comum na formação de médicos internos de oftalmologia, no entanto faltam revisões abrangentes sobre o impacto do treino em RV no desempenho dos médicos internos na cirurgia de catarata.

O que pretendíamos descobrir?
O objetivo principal desta revisão foi determinar se o treino em RV melhorou o desempenho no bloco operatório (medido através do tempo cirúrgico no bloco operatório, complicações intraoperatórias [durante a operação] ou complicações pós-operatórias [após a operação]) na cirurgia de catarata de médicos internos de oftalmologia. O objetivo secundário foi identificar o impacto do treino em RV no tempo cirúrgico em cenários simulados, a avaliação por parte de médicos supervisores no bloco operatório ou em cenários de simuladores, ou nas avaliações de tarefas por parte do simulador RV.

Como é que identificámos e avaliámos a evidência?
Procurámos estudos que comparassem o treino em RV com outros métodos de treino, tais como o treino tradicional em wetlab ou a ausência de treino suplementar, numa população de médicos internos de oftalmologia.

O que descobrimos?
A RV em comparação com o treino convencional ou em wetlab não teve impacto nos tempo cirúrgicos, na taxa de complicações intraoperatórias ou na avaliação por parte dos médicos supervisores no bloco operatório. No entanto, em comparação com os médicos internos sem treino suplementar, os médicos internos com treino em RV receberam avaliações mais altas por parte dos médicos supervisores no bloco operatório. A qualidade da evidência para todos os outcomes foi muito baixa.

Qual o significado disto?
O treino em RV é uma intervenção promissora para o ensino da cirurgia de catarata, mas são necessários estudos mais rigorosos baseados em evidência para avaliar o seu impacto em outcomes importantes, tais como complicações intraoperatórias e pós-operatórias. 

Quão atualizada se encontra a evidência?
A evidência encontra-se atualizada até 14 de junho de 2021.

Conclusão dos autores: 

A investigação atual sugere que o treino em RV pode ser mais eficaz do que a ausência de treino suplementar na melhoria do desempenho dos médicos internos de oftalmologia no bloco operatório e em cenários simulados, mas a evidência é incerta. As provas que compararam a RV com a formação convencional ou em wetlab foram menos consistentes.

Leia o resumo na íntegra...
Introdução: 

A cirurgia de catarata é o procedimento cirúrgico incisional mais realizado na oftalmologia e é importante na formação médica pós-graduada em oftalmologia. Embora a maioria dos programas de formação em oftalmologia nos Estados Unidos da América (EUA) inclua formação em realidade virtual (RV) para a cirurgia da catarata, faltam revisões exaustivas que detalhem o impacto da formação em RV no desempenho dos médicos internos de oftalmologia.

Objetivos: 

Avaliar o impacto do treino em RV para a cirurgia de catarata no desempenho cirúrgico de médicos internos de oftalmologia, medido através do tempo de cirúrgico, complicações intraoperatórias, complicações pós-operatórias, avaliação por parte do médico supervisor e avaliação das tarefas pelo simulador de RV.

Métodos de busca: 

Pesquisamos o CENTRAL (que contém o Registo de Ensaios de Olhos e Visão da Cochrane), Ovid MEDLINE, Embase.com, PubMed, LILACS, ClinicalTrials.gov e a Plataforma de Registro Internacional de Ensaios Clínicos da Organização Mundial da Saúde (ICTRP). Não usámos restrições de data ou idioma na pesquisa eletrónica de ensaios. A data da última pesquisa nas bases de dados eletrónicas foi 14 de junho de 2021.

Critério de seleção: 

Incluímos ensaios controlados aleatorizados (RCTs) que compararam o treino em RV com qualquer outro método de treino, incluindo treino em simulação não-RV (por exemplo, treino em wetlab), treino didático ou nenhum treino suplementar em médicos internos de oftalmologia.

Coleta dos dados e análises: 

Utilizámos a metodologia padrão da Cochrane. Os outcomes primários foram tempos cirúrgicos e complicações intraoperatórias. Os outcomes secundários foram tempos cirúrgicos em ambientes de simulação, avaliação das tarefas pelo simulador de RV e avaliação por parte do médico supervisor, quer em bloco operatório ou em ambiente simulado.

Principais resultados: 

Incluímos seis RCTs com um total de 151 médicos internos em oftalmologia, variando de 12 a 60 participantes em cada estudo. Os estudos incluídos variaram amplamente em termos de localização geográfica: dois nos EUA, e um estudo em cada um dos seguintes locais: China, Alemanha, Índia e Marrocos. Três estudos compararam treino em RV da cirurgia de catarata via facoemulsificação no simulador Eyesi (VRmagic, Mannheim, Alemanha) com treino em wetlab, e dois estudos compararam o treino em RV com nenhum treino suplementar. Um estudo comparou os médicos internos que receberam treino em RV com aqueles que receberam treino convencional para a cirurgia de catarata via cirurgia manual de pequena incisão no simulador HelpMeSee (HelpMeSee, Nova York, EUA). A indústria apoiou financeiramente dois estudos. Todos os estudos apresentaram pelo menos três domínios avaliados como sendo de alto risco ou risco incerto de viés. Não realizámos uma meta-análise devido a dados insuficientes (ou seja, falta de medidas de precisão ou estudos relatando apenas valores-P). Toda a evidência foi de muito baixo grau de certeza, o que significa que quaisquer estimativas foram pouco fiáveis.

A evidência dos benefícios do treino em RV para os médicos internos foi incerta em relação aos outcomes primários. Os médicos internos com treino RV, em comparação com aqueles sem treino suplementar, apresentaram tempos cirúrgicos mais curtos (diferença média [DM] -17 minutos, intervalo de confiança [IC] a 95% de -21,62 a -12,38; 1 estudo, n = 12; evidência de muito baixa certeza). Os resultados de tempo de cirúrgico foram inconsistentes ao comparar o treino RV e o treino em wetlab: um estudo constatou que o treino RV, em comparação com o treino em wetlab, estava associado a tempos de cirurgia mais longos (P = 0,038); um outro relatou que os dois grupos de treino tiveram tempos de cirurgia semelhantes (P = 0,14). Um estudo reportou que os médicos internos treinados através de RV, em comparação com aqueles sem treino suplementar, tiveram menos complicações intraoperatórias (P < 0,001); em outro estudo, os médicos internos treinados com RV e com treino convencional tiveram taxas de complicações intraoperatórias semelhantes (DM -8,31, IC a 95% de -22,78 a 6,16; 1 estudo, n = 19; evidência de muito baixa certeza).

Quanto aos outcomes secundários, o treino em RV poderá ter um impacto semelhante no desempenho dos médicos internos quando comparado com o treino em wetlab, e um impacto maior em comparação com a ausência de treino suplementar, mas a evidência é muito incerta. Um estudo reportou que os médicos internos com treino em RV, em comparação com aqueles sem treino suplementar, tiveram um tempo de cirurgia significativamente reduzido em cenários simulados (P = 0,0013). Outro estudo reportou que os médicos internos com treino RV, em comparação com aqueles com treino wetlab, tiveram tempos de cirúrgicos mais curtos em cenários de RV (DM -1,40 minutos, IC a 95% de -1,96 a -0,84; 1 estudo, n = 60) e tempos semelhantes em cenários de wetlab (DM 0,16 minutos, IC a 95% de -0,50 a 0,82; 1 estudo, n = 60). Este estudo também constatou que os médicos internos com treino em RV obtiveram classificações mais altas no simulador de RV (DM 5,17, IC a 95% de 0,61 a 9,73; 1 estudo, n = 60). Os resultados para as avaliações por parte de médicos supervisores no bloco operatório foram inconsistentes: um estudo relatou que médicos internos com treino RV e em wetlab receberam avaliações de médicos supervisores semelhantes para cirurgia de catarata (P = 0,608); outro estudo relatou que os médicos internos com treino RV, em comparação com aqueles sem treino suplementar, tinham menor probabilidade de receber avaliações baixas por parte dos médicos supervisores na realização da capsulorhexis (RR 0,29, IC a 95% de 0,15 a 0,57). Em cenários de wetlab, os médicos internos com treino RV receberam avaliações semelhantes por parte dos médicos supervisores em comparação com os com treino em wetlab (DM -1,50, IC a 95% de -6,77 a 3,77; n = 60) e avaliações mais superiores por parte dos médicos supervisores em comparação com os médicos internos sem treino suplementar (P < 0,0001). No entanto, os resultados para todos os outcomes secundários devem ser interpretados com cautela devido à evidência de muito baixa certeza. 

Notas de tradução: 

Traduzido por: Afonso Lima-Cabrita, Serviço de Oftalmologia, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte. Revisão final: Ricardo Manuel Delgado, Knowledge Translation Team, Cochrane Portugal

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