Acetil-L-carnitina para o tratamento da neuropatia diabética

Objetivo desta revisão

O objetivo desta revisão foi avaliar os efeitos da acetil-L-carnitina (ALC) na neuropatia periférica diabética (NPD) em pessoas com diabetes. Estávamos particularmente interessados em saber se a ALC poderia aliviar a dor, e também quais seriam seus possíveis efeitos adversos.

Principais achados

Temos dúvidas se a ALC reduz a dor da NDP, pois as evidências são escassas e de qualidade (certeza) muito baixa. Os eventos adversos com o uso da ALC podem não ser mais frequentes do que com o uso de placebo. Porém, esta evidência também é muito incerta.

O que foi estudado nesta revisão?

O diabetes é uma doença em que a quantidade de açúcar no sangue fica excessivamente alta. Os danos às fibras nervosas resultantes do diabetes são chamados neuropatia diabética periférica (NDP). A NDP é uma complicação frequente e grave do diabetes. Ela afeta cerca de 50% das pessoas que têm diabetes há vários anos. No geral, 16% a 24% das pessoas com diabetes sofrem de dor crônica devido a lesões nos nervos. A NDP afeta principalmente os pés, as pernas e as mãos.

São necessários tratamentos para restaurar a função dos nervos e aliviar os sintomas da NDP. Os autores desta revisão procuraram evidência proveniente de ensaios clínicos randomizados (ECRs) sobre os efeitos da ALC para pessoas com NDP. A evidência proveniente de ECRs é geralmente mais confiável do que a evidência proveniente de outros tipos de estudo.

Principais resultados da revisão

Encontramos quatro estudos relevantes, que envolveram 906 adultos com diabetes. Três estudos compararam a ALC contra um placebo (um composto inativo, “de mentira”). Um estudo comparou a ALC versus metilcobalamina (uma forma da vitamina B12).

A qualidade (certeza) da evidência proveniente dos estudos variou de baixa a muito baixa. Isso significa que não podemos ter certeza quanto aos resultados. As principais razões para rebaixar a qualidade foram porque os estudos nem sempre relataram seus resultados de forma clara ou completa, ou eles tinham sérias limitações, e os resultados careciam de precisão.

Em pessoas com danos nos nervos devido ao diabetes, é incerto se o uso da ALC reduz a dor após 12 meses de terapia, em comparação com o uso de um placebo. Os ECRs tinham pouca ou nenhuma informação sobre os efeitos da ALC no comprometimento funcional, ou nos testes e sintomas sensoriais. Mesmo quando os ECRs tinham dados, a qualidade da evidência era baixa demais para se poder tirar conclusões confiáveis. O estudo que comparou a ALC versus metilcobalamina não avaliou a dor. A deficiência funcional e os sintomas podem melhorar de forma semelhante com a ALC e a metilcobalamina.

A frequência de efeitos colaterais pode não ser maior com o uso da ALC do que com o uso do placebo. A evidência sobre eventos adversos no estudo que comparou ALC versus metilcobalamina é muito incerta.

Dois dos quatro estudos foram financiados por um fabricante da ALC e os outros dois estudos tiveram pelo menos um co-autor que foi consultor de um fabricante de ALC.

Conclusão dos autores: 

Estamos muito incertos se a ALC, comparada com o placebo, reduz a dor após 6 a 12 meses de tratamento em pessoas com NDP. Isso se deve a existência de pouca evidência, de baixa qualidade. Há poucos dados ou há dados de qualidade muito baixa sobre os efeitos da intervenção na deficiência funcional e nos sintomas sensoriais. A evidência sobre eventos adversos é incerta demais para se fazer qualquer julgamento sobre segurança.

Leia o resumo na íntegra...
Introdução: 

A neuropatia diabética periférica (NDP) é uma complicação comum e grave que afeta 50% das pessoas com diabetes. A NDP dolorosa acomete16% a 24% das pessoas com diabetes. Ainda não existe uma estratégia completa e abrangente para a prevenção e o tratamento da NDP, seja ela dolorosa ou não.

A pesquisa sobre o tratamento da NDP tem sido caracterizada por uma série de ensaios clínicos fracassados, com poucos avanços dignos de nota. São necessárias estratégias que apoiem a regeneração do nervo periférico e restaurem a função neurológica em pessoas com NDP dolorosa ou indolor. O aminoácido acetil L-carnitina (ALC) desempenha um papel na transferência de ácidos graxos de cadeia longa para dentro da mitocôndria para a oxidação β. A suplementação com ALC também induz efeitos neuroprotetores e neurotróficos no sistema nervoso periférico. Portanto, a suplementação com ALC afeta vários mecanismos relevantes para a reparação e regeneração nervosa, e poderia ter um potencial terapêutico clínico. É necessário fazer uma revisão sistemática da evidência proveniente dos ensaios clínicos.

Objetivos: 

Avaliar os efeitos da ALC para o tratamento da NDP.

Métodos de busca: 

Em 2 de julho de 2018, fizemos buscas nas seguintes bases de dados: Cochrane Neuromuscular Specialised Register, CENTRAL, MEDLINE, Embase, LILACS, ClinicalTrials.gov e World Health Organization International Clinical Trials Registry Platform. Também revisamos listas de referências, pesquisamos citações e contatamos autores de estudos para identificar estudos adicionais.

Critério de seleção: 

Incluímos ensaios clínicos randomizados controlados (ECR) e quasi-randomizados de ALC versus placebo, outra terapia, ou nenhuma intervenção no tratamento da NDP. Os participantes poderiam ser de ambos os sexos, de qualquer idade, e ter diabetes mellitus tipo 1 ou tipo 2, de qualquer gravidade, com NDP dolorosa ou indolor. Aceitamos qualquer definição de critérios mínimos para a NDP, de acordo com o Consenso de Toronto. Não houve restrição de idiomas.

O desfecho primário foi dor medida como a proporção de participantes com redução de pelo menos 30% (moderada) ou 50% (substancial) da dor em relação à avaliação feita no início do estudo, ou dor medida como escore em uma escala visual analógica (EVA) ou escala Likert.

Coleta dos dados e análises: 

Seguimos a metodologia padrão da Cochrane.

Principais resultados: 

Incluímos quatro estudos com 907 participantes. Esses estudos foram descritos em três publicações. Três ECRs compararam ALC versus placebo (675 participantes). A dose de ALC foi 2000 mg/dia em um dos estudos, 1500 mg/dia no outro e 3000 mg/dia no terceiro estudo. O quarto ECR comparou ALC 1500 mg/dia versus metilcobalamina 1,5 mg/dia (232 participantes). O risco de viés foi alto nos dois ECRs que compararam diferentes doses de ALC e baixo nos outros dois ECRs.

Nenhum dos ECRs mediu a proporção de participantes com alívio da dor pelo menos moderado (30%) ou substancial (50%). A ALC reduziu a dor mais do que o placebo, medida em uma EVA de 0 a 100 mm (escore mais alto indica mais dor): DM -9,16, IC 95% -16,76 a -1,57, três estudos, 540 participantes, P = 0,02, I² = 56%, metanálise de efeitos randômicos, evidência de qualidade muito baixa. O escore de dor (EVA) no grupo que recebeu até 1500 mg/dia de ALC foi pouco diferente do grupo placebo: DM -0,05, IC 95% -10,00 a 9,89, dois estudos, 159 participantes, P = 0,99, I² = 0%. Porém, em doses maiores que 1500 mg/dia, a ALC reduziu a dor mais que o placebo: DM -14,93, IC 95% -19,16 a -10,70, três estudos, 381 participantes, P < 0,00001, I² = 0%. Esta análise de subgrupos deve ser vista com cautela, pois a evidência é ainda menos certa do que na análise geral, que já era de qualidade muito baixa.

Dois estudos controlados que compararam ALC versus placebo relataram que a percepção da vibração melhorou após 12 meses. Essa evidência é de qualidade muito baixa devido à inconsistência e ao alto risco de viés dos estudos, pois seus autores não forneceram nenhum dado numérico. Nenhum dos estudos que comparou a intervenção versus placebo avaliou deficiência funcional e escores de incapacidade. Nenhum estudo utilizou escalas validadas para a avaliação dos sintomas. Um estudo realizou testes sensoriais, mas a evidência é muito incerta.

O quarto ECR comparou ALC versus metilcobalamina mas não avaliou os efeitos sobre a dor. Houve uma redução na nota média de deficiência e incapacidade funcional na avaliação feita com 24 semanas comparada com a avaliação feita no início do estudo. Essa avaliação foi feita usando o Neuropathy Disability Score (NDS; escala de zero para 10). Porém, não houve diferença importante entre o grupo ALC (escore médio 1,66 ± 1,90) e o grupo metilcobalamina (escore médio 1,35 ± 1,65) (P = 0,23; evidência de baixa qualidade).

Um estudo controlado relatou que seis dos 147 participantes do grupo ALC > 1500 mg/dia (4,1%) e dois dos 147 participantes do grupo placebo (1,4%) interromperam o tratamento devido a eventos adversos (dor de cabeça, parestesia facial e distúrbios gastrointestinais) (P = 0,17). Os outros dois estudos não relataram desistências devido a eventos adversos, e mais dor, parestesia e hiperestesia no grupo placebo do que no grupo ALC 3000 mg/dia. Porém, esses estudos não apresentaram dados numéricos. A qualidade geral da evidência para eventos adversos para a comparação ALC versus placebo foi baixa.

O quarto estudo relatou que 34/117 participantes (29,1%) do grupo ALC tiveram eventos adversos versus 33/115 (28,7%) no grupo metilcobalamina (P = 0,95). Nove participantes interromperam o tratamento devido a eventos adversos (ALC: 4 participantes, metilcobalamina: 5 participantes); os sintomas mais frequentes foram gastrointestinais. A qualidade da evidência para eventos adversos para ALC versus metilcobalamina foi baixa.

Dois estudos foram financiados pelo fabricante da ALC e os outros dois estudos tiveram pelo menos um co-autor que foi consultor de um fabricante da ALC.

Notas de tradução: 

Tradução do Cochrane Brazil (Maria Regina Torloni). Contato: tradutores@centrocochranedobrasil.org.br

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