Antiagregantes plaquetários para prevenção da pré-eclâmpsia e suas complicações

Avaliamos a capacidade dos antiagregantes plaquetários (como a aspirina e o dipiridamol) prevenirem a pré-eclâmpsia na gestação e trazerem benefícios para a saúde das mães e seus bebês. Também avaliamos os possíveis efeitos colaterais desses remédios para as mães ou os bebês.

Qual é a pergunta?

A aspirina (ácido acetil salicílico ou AAS) em baixas doses ajuda a prevenir a pré-eclâmpsia e a reduzir o número de partos prematuros (antes de 37 semanas), de recém-nascidos pequenos para a idade gestacional, de mortes dos bebês e outros resultados indesejáveis?

Por que isso é importante?

A pré-eclâmpsia é uma condição que algumas mulheres apresentam durante a gravidez e que se caracteriza pelo aumento da pressão e a perda de proteína na urina. A pré-eclâmpsia pode levar a complicações graves para a mãe e seu bebê. Na realidade, a pré-eclâmpsia é uma das principais causas de adoecimento e de morte materna durante a gestação. A placenta das mulheres com pré-eclâmpsia pode não funcionar direito. Isso diminui a chegada de sangue para o feto e pode fazer com que ele cresça menos (restrição do crescimento fetal) e venha a nascer antes dos nove meses em decorrência do trabalho de parto prematuro ou da necessidade de antecipar o parto. A pré-eclâmpsia pode fazer com que as plaquetas do sangue materno fiquem mais ativas o que faz com que o sangue fique mais propenso a coagular. Os antiagregantes plaquetários, como o AAS, previnem a formação de coágulos no sangue e portanto poderiam prevenir a pré-eclâmpsia e suas complicações.

Quais evidências encontramos?

Buscamos ensaios clínicos controlados e randomizados que houvessem sido publicados até março de 2018. A revisão inclui 77 estudos envolvendo 40.249 mulheres e seus bebês. Porém, não foi possível incluir os resultados de três desses estudos (233 mulheres). Incluímos as informações sobre os resultados para as mulheres e os bebês em dois formatos diferentes: 36 estudos (34.514 mulheres) relataram “dados de participantes individuais” (DPI). Isso significa que recebemos informações sobre cada uma das participantes incluídas nesses estudos. Todos os outros estudos apresentaram “dados agregados” (DA). Isso significa que cada estudo apresentou informações sobre a média dos seus participantes. Graças aos DPI, pudemos fazer análises muito abrangentes e precisas. A combinação dos DA com os DPI fez com que a revisão incluísse todas as informações disponíveis sobre essa questão.

Nove dos estudos incluíram mais de 1000 mulheres e todos esses grandes estudos tinham um baixo risco de viés. Todos os grandes estudos, e a maioria dos estudos incluídos na revisão, testaram o uso do AAS em baixa dose de forma isolada (isto é, sem outros remédios associados). Quase todas as mulheres foram recrutadas para os estudos após a 12a semana de gestação. A maioria das mulheres tinha risco de desenvolver pré-eclâmpsia. Os estudos incluíram mulheres com pressão arterial normal, mulheres que já tinham pressão alta a muito tempo (hipertensão crônica) ou mulheres que tiveram hipertensão induzida pela gestação. Existe evidência de alta qualidade de que o uso de antiagregantes plaquetários reduz o risco de pré-eclâmpsia em 18%, ou seja, em menos de um sexto (60 estudos, 36.716 mulheres). Isso significa que 61 mulheres teriam que tomar antiagregantes plaquetários para que uma mulher se beneficiasse evitando a pré-eclâmpsia. O risco de parto prematuro foi reduzido em 9% (47 estudos, 35.212 mulheres) e o número de mortes de bebês (antes ou próximo ao momento do parto), foi reduzido em 15% (52 estudos, 35.391 mulheres). O uso dos antiagregantes plaquetários reduziu o risco de ter um bebê pequeno para a idade gestacional (50 estudos, 35.761 mães) e de gestações com desfechos adversos graves (13 estudos, 17.382 mães). Existe evidência de moderada qualidade de que o uso de aspirina é seguro pois um número apenas ligeiramente maior de mulheres que tomaram aspirina tiveram hemorragia pós-parto (perda de 500 ml de sangue ou mais após o parto). Esse resultado baseou-se em 19 estudos envolvendo 23.769 mães. Doses de AAS inferiores a 75 mg parecem ser seguras. Doses mais altas poderiam ser melhores, mas não sabemos se trariam mais efeitos adversos.

O que isso significa?

O AAS em baixas doses reduz um pouco o risco de ter pré-eclâmpsia e suas complicações. Como a maioria das mulheres que participaram dos estudos incluídos nesta revisão recebeu AAS em baixas doses, a garantia da segurança do AAS pode não ser aplicável a doses mais altas ou a outros antiagregantes plaquetários. Novas pesquisas devem buscar identificar as mulheres que são mais propensas a responder ao tratamento com o AAS em baixa dose. É possível que doses mais altas de AAS sejam mais eficazes. Porém, mais estudos são necessários para avaliar a segurança e a eficácia (para as mulheres e seus bebês) de doses mais altas de AAS.

Conclusão dos autores: 

A administração de baixas doses de AAS durante a gestação está associada a benefícios pequenos a moderados, incluindo a redução do risco de ter pré-eclâmpsia (16 a menos para cada 1000 mulheres tratadas), parto prematuro (16 a menos por 1000 tratadas), nascimento de bebês pequenos para a idade gestacional (7 a menos por 1000 tratadas) e morte fetal ou neonatal (5 a menos por 1000 mulheres tratadas). No geral, a administração de antiagregantes plaquetários para 1000 mulheres resultou em 20 gestações a menos com desfechos adversos graves. A qualidade da evidência para todos esses desfechos foi alta. O AAS provavelmente aumenta um pouco o risco de hemorragia pós-parto > 500 mL. Porém, a qualidade da evidência para este desfecho foi rebaixada para moderada devido a questões relacionadas à heterogeneidade clínica nas mensurações das perdas sanguíneas. Os antiagregantes plaquetários provavelmente aumentam um pouco o risco de ter descolamento prematuro da placenta. Porém, a qualidade da evidência foi rebaixada para moderada devido ao baixo número de eventos, e, portanto, ao amplo IC 95%.

No geral, os antiagregantes plaquetários melhoram os desfechos e, nessas doses, parecem ser seguros. A identificação de mulheres que são mais propensas a responder às doses baixas de AAS melhoraria o direcionamento do tratamento. Como quase todas as mulheres desta revisão foram incluídas nos estudos após a 12a semana de gestação, não está claro se o início do tratamento antes dessa idade gestacional traria benefícios adicionais sem aumentar os efeitos adversos. Embora tenha havido alguns indícios de que doses mais altas de AAS seriam mais efetivas, mais estudos devem ser feitos para examinar essa possibilidade.

Leia o resumo na íntegra...
Introdução: 

A pré-eclâmpsia está associada a uma produção intravascular deficiente de prostaciclina, um vasodilatador, e à produção excessiva de tromboxano, um vasoconstritor e promotor da agregação plaquetária. Essas observações levaram à hipótese de que os antiagregantes plaquetários, e especialmente a aspirina em baixa dose, poderiam prevenir ou retardar o desenvolvimento da pré-eclâmpsia.

Objetivos: 

Avaliar a efetividade e a segurança do uso dos antiagregantes plaquetários, como o AAS e o dipiridamol, em mulheres com risco de desenvolver pré-eclâmpsia.

Métodos de busca: 

Para esta atualização, fizemos buscas nas seguintes bases de dados, em 30 de março de 2018: Cochrane Pregnancy and Childbirth Trials Register, ClinicalTrials.gov, WHO International Clinical Trials Registry Platform (ICTRP) e nas listas de referências dos estudos recuperados. Atualizamos a busca em setembro de 2019 e adicionamos os resultados à seção dos estudos aguardando classificação.

Critério de seleção: 

Incluímos todos os ensaios clínicos randomizados que compararam antiagregantes plaquetários versus placebo ou não usar um agente antiagregante. Incluímos os estudos publicados apenas em forma de resumo se eles apresentassem informações suficientes. Os ensaios clínicos randomizados por cluster também foram elegíveis para inclusão na revisão. Porém, nossa busca não identificou nenhum estudo desse tipo. Os estudos quasi-randomizados foram excluídos. As participantes foram gestantes com risco de desenvolver pré-eclâmpsia. As intervenções consistiram na administração de um antiagregante plaquetário (como o AAS em dose baixa ou o dipiridamol) versus placebo ou não oferecer nenhum agente antiagregante.

Coleta dos dados e análises: 

Dois autores de revisão, trabalhando de forma independente, selecionaram os estudos e fizeram a extração dos dados. Para os desfechos binários, calculamos o risco relativo (RR) e seu intervalo de confiança (IC) de 95%, em uma análise por intenção de tratar. Para esta atualização, incorporamos dados de participantes individuais (DPI) provenientes dos ensaios clínicos nos quais estes estavam disponíveis. Também incluímos dados agregados (DA) quando os DPI não estavam disponíveis. Com isso, pudemos fazer análises confiáveis de subgrupos e adicionamos dois novos desfechos-chave. Avaliamos o risco de viés dos estudos incluídos e criamos uma tabela “Resumo dos achados” usando o GRADE.

Principais resultados: 

A revisão atual inclui 77 ensaios clínicos (40.249 mulheres e seus bebês). Porém, três estudos (envolvendo 233 mulheres) não tinham dados que pudessem ser incluídos nas metanálises. Nove dos estudos eram grandes (> 1000 mulheres recrutadas), representando 80% das mulheres recrutadas. Embora os estudos tenham sido realizados em muitos países, os nove grandes estudos envolveram apenas mulheres de países de renda alta e/ou média-alta. Trinta e seis estudos traziam DPI (34.514 mulheres), incluindo oito dos nove grandes estudos. Todos os grandes estudos, e a maioria dos estudos incluídos na revisão, testaram o uso do AAS em baixa dose de forma isolada (isto é, sem outros remédios associados). As doses, nos grandes estudos, foram de 50 mg (1 estudo, 1106 mulheres), 60 mg (5 estudos, 22.322 mulheres), 75 mg (1 estudo, 3697 mulheres), 100 mg (1 estudo, 3294 mulheres) e 150 mg (1 estudo, 1776 mulheres). A maioria dos estudos tinha ou baixo risco de viés ou um risco de viés incerto. Todos os grandes estudos tinham baixo risco de viés.

Antiagregantes plaquetários versus placebo/nenhum tratamento

O uso de antiagregantes plaquetários reduziu o risco de pré-eclâmpsia com proteinúria em 18% (36.716 mulheres, 60 estudos, RR 0,82, IC 95% 0,77 a 0,88; evidência de alta qualidade). O número necessário para tratar (NNT) foi 61 (IC 95% 45 a 92). Houve uma pequena redução (9%) no RR de parto prematuro abaixo de 37 semanas (35.212 mulheres, 47 estudos; RR 0,91, IC 95% 0,87 a 0,95, evidência de alta qualidade), NNT de 61 (IC 95% 42 a 114), e uma redução de 14% nas mortes fetais, mortes neonatais ou mortes anteriores à alta hospitalar (35.391 bebês, 52 estudos; RR 0,85, IC 95% 0,76 a 0,95; evidência de alta qualidade), com NNT de 197 (IC 95% 115 a 681). Os antiagregantes plaquetários reduziram discretamente o risco de ter um bebê pequeno para a idade gestacional (35.761 bebês, 50 estudos; RR 0,84, IC 95% 0,76 a 0,92; evidência de alta qualidade), NNT de 146 (IC 95% 90 a 386), e de gestações com desfechos adversos graves (um desfecho composto que inclui morte materna, morte neonatal, pré-eclâmpsia, pequeno para a idade gestacional e parto prematuro) (RR 0,90, IC 95% 0,85 a 0,96; 17.382 mulheres; 13 estudos, evidência de alta qualidade), NNT de 54 (IC 95% 34 a 132). Os antiagregantes plaquetários provavelmente aumentam um pouco o risco de hemorragia pós-parto > 500 mL (23.769 mulheres, 19 estudos; RR 1,06, IC 95% 1,00 a 1,12; evidência de moderada qualidade devido à heterogeneidade clínica). O uso dos antiagregantes plaquetários provavelmente aumenta discretamente o risco de descolamento prematuro da placenta, embora, para esse desfecho, a qualidade da evidência tenha sido rebaixada devido ao amplo intervalo de confiança, o qual inclui a possibilidade de nenhum efeito (30.775 mulheres; 29 estudos; RR 1,21, IC 95% 0,95 a 1,54; evidência de moderada qualidade).

Os dados de dois grandes estudos que avaliaram crianças com 18 meses de idade (incluindo resultados de mais de 5000 crianças) não identificaram diferenças claras no desenvolvimento infantil entre os dois grupos.

Notas de tradução: 

Tradução do Centro Afiliado Paraíba, Cochrane Brasil (Amanda de Assunção Santiago Fernandes e David Cesarino de Sousa). Contato: tradutores@centrocochranedobrasil.org.br

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