Progressão lenta do volume de leite para prevenção da enterocolite necrotizante em recém-nascidos de muito baixo peso à nascença

Pergunta de revisão

A limitação da progressão diária do volume de leite, nas primeiras semanas após o nascimento, em bebés com muito baixo peso, reduz o risco de problemas intestinais graves?

Contexto

Recém-nascidos muito prematuros (que nascem antes das 32 semanas de gravidez) ou de muito baixo peso ao nascer (MBPN; menos de 1500g) têm risco de desenvolver uma patologia intestinal grave, chamada enterocolite necrotizante (na qual partes do intestino ficam inflamadas e morrem). Pensa-se que uma forma de prevenir esta condição pode ser limitar o volume de leite que os recém-nascidos recebem a cada dia durante as primeiras semanas após o nascimento.

Caraterísticas do estudo

Procurámos ensaios aleatorizados e controlados (um tipo de estudo em que os participantes são alocados aleatoriamente para um de dois ou mais grupos de tratamento) comparando a progressão lenta versus rápida do volume de leite atribuído a recém-nascidos muito prematuros ou com muito baixo peso à nascença. Incluímos 14 ensaios envolvendo um total de 4033 recém-nascidos (2804 participaram numa grande ensaio). A pesquisa está atualizada até outubro de 2020.

Resultados principais

A análise combinada dos ensaios incluídos demonstrou que a progressão lenta do volume de alimentação entérica provavelmente não afeta o risco de enterocolite necrotizante ou morte (evidência de qualidade moderada).

Conclusões e qualidade da evidência

A progressão lenta do volume de alimentação entérica provavelmente não reduz o risco de enterocolite necrotizante ou morte antes da alta hospitalar em recém-nascidos muito prematuros ou de muito baixo peso à nascença.

Conclusão dos autores: 

Os dados disponíveis indicam que a progressão lenta dos volumes de alimentação entérica (incrementos diários até 24 mL/kg) em comparação com a progressão rápida provavelmente não reduz o risco de NEC, morte, ou intolerância alimentar em recém-nascidos muito prematuros ou com MBPN. A progressão lenta dos volumes de alimentação entérica pode aumentar ligeiramente o risco de infeção invasiva.

Leia o resumo na íntegra...
Introdução: 

A alimentação entérica precoce é um fator de risco potencialmente modificável para a enterocolite necrotizante (NEC) em recém-nascidos muito prematuros ou de muito baixo peso à nascença (MBPN). Estudos observacionais sugerem que regimes alimentares conservadores, incluindo progressão lenta dos volumes de alimentação entérica, reduzem o risco de NEC. Contudo, não é claro se o avanço lento da alimentação pode atrasar o estabelecimento da alimentação entérica total, e se pode estar associado a morbilidades infeciosas secundárias a uma exposição prolongada à nutrição parentérica.

Objetivos: 

Determinar os efeitos da progressão lenta do volume da alimentação entérica no risco de NEC, mortalidade, e outras morbilidades em recém-nascidos muito prematuros ou com MBPN.

Métodos de busca: 

A pesquisa foi realizada em: CENTRAL (2020, Número 10), Ovid MEDLINE (1946 a Outubro de 2020), Embase via Ovid (1974 a Outubro de 2020), Maternity and Infant Care database (MIDIRS) (1971 a Outubro de 2020), CINAHL (1982 a Outubro de 2020), bases de dados de ensaios clínicos e listas de referências de artigos recuperados para ensaios clínicos elegíveis.

Critério de seleção: 

Incluímos ensaios aleatorizados ou quase-aleatorizados, controlados, que avaliaram os efeitos de regimes de progressão lenta (até 24 mL/kg/d) versus regimes de progressão rápida dos volumes de alimentação entérica sobre o risco de NEC em recém-nascidos muito prematuros ou de MBPN.

Coleta dos dados e análises: 

Dois autores de revisão avaliaram separadamente o risco de enviesamento do ensaio, os dados extraídos e sintetizaram o efeito estimado utilizando o rácio de risco (RR), a diferença de risco (RD), e a diferença média. Utilizámos a abordagem GRADE para avaliar a qualidade da evidência. Os resultados de interesse foram presença de NEC, mortalidade por todas as causas, intolerância alimentar, e infeção invasiva.

Principais resultados: 

Incluímos 14 ensaios envolvendo um total de 4033 recém-nascidos (2804 participaram numa grande ensaio). Nenhum dos ensaios ocultou pais, prestadores de cuidados, ou investigadores. O risco de enviesamento era, de resto, baixo. A maioria dos participantes dos ensaios incluídos eram recém-nascidos muito prematuros estáveis ou com MBPN de peso apropriado para a idade gestacional. Cerca de um terço de todos os recém-nascidos eram extremamente prematuros ou de extremo baixo peso ao nascer (EBPN), e cerca de um quinto eram pequenos para a idade gestacional, com restrições de crescimento, ou comprometidos como indicado pela ausência ou inversão da velocidade de fluxo diastólico final na artéria umbilical fetal. Os ensaios tipicamente definiram progressão lenta como aumentos diários de 15 a 24 mL/kg, e progressão rápida como incrementos diários de 30 a 40 mL/kg.

As metanálises demonstraram que a progressão lenta dos volumes de alimentação entérica provavelmente tem pouco ou nenhum efeito sobre o risco de NEC (RR 1.06, intervalo de confiança 95% (CI) 0.83 a 1.37; RD 0.00, 95% CI -0.01 a 0.02; 14 ensaios, 4026 recém-nascidos; evidência de qualidade moderada) ou sobre a mortalidade (por todas as causas) antes da alta hospitalar (RR 1.13, 95% CI 0.91 a 1.39; RD 0.01, 95% CI -0.01 a 0.02; 13 ensaios, 3860 recém-nascidos; evidência de qualidade moderada). As metanálises sugeriram que a progressão lenta pode aumentar ligeiramente a intolerância alimentar (RR 1.18, 95% CI 0.95 a 1.46; RD 0.05, 95% CI -0.02 a 0.12; 9 ensaios, 719 recém-nascidos; evidência de baixa qualidade) e pode aumentar ligeiramente o risco de infeção invasiva (RR 1.14, 95% CI 0.99 a 1.31; RD 0.02, 95% CI -0.00 a 0.05; 11 ensaios, 3583 recém-nascidos; evidência de baixa qualidade).

Notas de tradução: 

Traduzido por: Mariana Morgado, Pediatric Surgery Fellow, The Royal Children's Hospital in Melbourne, com o apoio da Cochrane Portugal. Revisão final: Ricardo Manuel Delgado, Cochrane Portugal.

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