Contexto
A osteoartrite da anca ou do joelho é uma doença incapacitante progressiva que afeta muitas pessoas em todo o mundo. Embora o paracetamol seja amplamente utilizado como opção de tratamento para esta doença, estudos recentes puseram em causa a eficácia deste medicamento para o alívio da dor.
Data de pesquisa
Esta revisão inclui todos os ensaios clínicos publicados até 3 de outubro de 2017.
Caraterísticas dos estudos
Incluímos ensaios controlados aleatorizados (em que as pessoas são colocadas aleatoriamente num de dois grupos de tratamento) que avaliaram os efeitos do paracetamol em pessoas com dores na anca ou no joelho devido a osteoartrite, em comparação com um placebo (um "comprimido de açúcar" que não contém nada que possa atuar como medicamento). Encontrámos 10 estudos com 3.541 participantes. Em média, os participantes no estudo tinham idades compreendidas entre os 55 e os 70 anos, e a maioria apresentava osteoartrite do joelho. A dose de tratamento variou entre 1,95 g/dia e 4 g/dia de paracetamol e os participantes foram acompanhados entre uma e 12 semanas em todos os estudos, exceto num, que acompanhou as pessoas durante 24 semanas. Seis ensaios foram financiados por empresas produtoras de paracetamol.
Resultados-chave
Em comparação com os comprimidos de placebo, o paracetamol resultou num benefício reduzido às 12 semanas.
Dor (menor pontuação significa menor intensidade da dor)
Melhoria em cerca de 3% (1% melhor a 5% melhor), ou 3,2 pontos (1 pontos melhor a 5,4 pontos melhor) numa escala pontuada de 0 a 100 pontos.
- As pessoas que tomaram paracetamol referiram que a sua dor melhorou em 26 pontos.
- As pessoas que tomaram o placebo relataram que a sua dor melhorou em 23 pontos.
Função física (pontuações mais baixas significam melhor função)
Melhoria em cerca de 3% (1% melhor a 5% melhor), ou 2,9 pontos (1.0 pontos melhor a 4,9 pontos melhor) numa escala pontuada de 0 a 100 pontos.
- As pessoas que tomaram paracetamol referiram que a sua função melhorou em 15 pontos.
- As pessoas que tomaram o placebo referiram que a sua função melhorou em 12 pontos.
Efeitos secundários (até 12 a 24 semanas)
Não houve mais pessoas a sofrer efeitos secundários com o paracetamol (menos 3% a mais 3%), ou seja, mais 0 pessoas em 100.
- 33 em cada 100 pessoas relataram um efeito secundário com paracetamol.
- 33 em cada 100 pessoas relataram um efeito secundário com o placebo.
Efeitos secundários graves (até 12 a 24 semanas)
Mais 1% de pessoas tiveram efeitos secundários graves com o paracetamol (menos 0% a mais 1%), ou seja, mais uma pessoa em cada 100.
- Duas em cada 100 pessoas relataram um efeito secundário grave com o paracetamol.
- Uma em cada 100 pessoas relatou um efeito secundário grave com o placebo.
Retiradas devido a acontecimentos adversos (até 12 a 24 semanas)
Mais 1% de pessoas abandonaram o tratamento com paracetamol (menos 1% a mais 3%), ou seja, mais uma pessoa em cada 100.
- Oito em cada 100 pessoas abandonaram o tratamento com paracetamol.
- Sete em cada 100 pessoas desistiram do tratamento com placebo.
Testes de função hepática anormais (até 12 a 24 semanas):
Mais 5% de pessoas apresentaram testes de função hepática anormais (o que significa que houve alguma inflamação ou dano ao fígado) com paracetamol (1% a 10% a mais), ou seja, mais cinco pessoas em cada 100.
- Sete em cada 100 pessoas tiveram um teste de função hepática anormal com paracetamol.
- Duas em cada 100 pessoas apresentaram um teste de função hepática anormal com o placebo.
Qualidade da evidência
Evidências de alta qualidade indicam que o paracetamol proporcionou apenas melhorias mínimas na dor e na função das pessoas com osteoartrite da anca ou do joelho, sem aumento do risco de eventos adversos em geral. Nenhum dos estudos mediu a qualidade de vida. Devido ao pequeno número de eventos, não temos a certeza se o uso de paracetamol aumentou o risco de efeitos secundários graves, aumentou as desistências devido a efeitos secundários e alterou a taxa de testes de função hepática anormais. No entanto, embora possa haver mais testes de função hepática anormais com o paracetamol, as implicações clínicas são desconhecidas.
Ler o resumo científico
O paracetamol (acetaminofeno) é amplamente recomendado como analgésico de primeira linha para a osteoartrite da anca ou do joelho. No entanto, esta recomendação tem sido objeto de controvérsia, uma vez que estudos recentes revelaram efeitos reduzidos do paracetamol quando comparado com placebo. No entanto, os estudos anteriores não procederam a uma revisão e avaliação sistemática da literatura para investigar os efeitos deste medicamento em locais específicos da osteoartrite, ou seja, na anca ou no joelho, nem na dose utilizada.
Objetivos
Avaliar os benefícios e os danos do paracetamol em comparação com o placebo no tratamento da osteoartrite da anca ou do joelho.
Métodos de busca
Pesquisámos no Cochrane Central Register of Controlled Trials, MEDLINE, Embase, AMED, CINAHL, Web of Science, LILACS e International Pharmaceutical Abstracts até 3 de outubro de 2017, e no ClinicalTrials.gov e no portal International Clinical Trials Registry Platform (ICTRP) da Organização Mundial de Saúde em 20 de outubro de 2017.
Critério de seleção
Incluímos ensaios controlados aleatorizados que compararam o paracetamol com placebo em adultos com osteoartrite da anca ou do joelho. Os principais resultados foram a dor, a função, a qualidade de vida, os acontecimentos adversos e as desistências devido a acontecimentos adversos, acontecimentos adversos graves e testes de função hepática anormais.
Coleta dos dados e análises
Dois autores de revisão utilizaram os métodos padrão da Cochrane para recolher dados e avaliar o risco de viés e a qualidade da evidência. Para efeitos de agrupamento, convertemos as pontuações da dor e da função física (Western Ontario and McMaster Universities Osteoarthritis Index function) para uma escala comum de 0 (sem dor ou incapacidade) a 100 (pior dor ou incapacidade possível).
Principais resultados
Identificámos 10 ensaios controlados aleatorizados com placebo que envolveram 3.541 participantes com osteoartrite da anca ou do joelho. A dose de paracetamol variou de 1,95 g/dia a 4 g/dia, e a maioria dos estudos acompanhou os participantes por apenas três meses. A maioria dos ensaios não relatou claramente os métodos de aleatorização e ocultação e tinha um risco pouco claro de viés de seleção. Os ensaios tinham um baixo risco de viés de desempenho, deteção e comunicação.
No seguimento de 3 semanas a 3 meses, houve evidência de alta qualidade de que o paracetamol não proporcionou melhorias clinicamente importantes na dor e na função física. A redução média da dor foi de 23 pontos (escala de 0 a 100, pontuações mais baixas indicam menos dor) com placebo e 3,23 pontos melhor (5,43 melhor a 1,02 melhor) com paracetamol, uma redução absoluta de 3% (1% melhor a 5% melhor, diferença clínica mínima importante 9%) e redução relativa de 5% (2% melhor a 8% melhor) (sete ensaios, 2.355 participantes). A função física melhorou em 12 pontos numa escala de 0 a 100 (pontuações mais baixas indicam melhor função) com placebo e foi 2,9 pontos melhor (0,95 melhor a 4,89 melhor) com paracetamol, uma melhoria absoluta de 3% (1% melhor a 5% melhor, diferença clínica mínima importante 10%) e melhoria relativa de 5% (2% melhor a 9% melhor) (7 ensaios, 2.354 participantes).
A evidência de alta qualidade proveniente de oito estudos indicou que a incidência de eventos adversos foi semelhante entre os grupos: 515/1586 (325 por 1.000) no grupo do placebo versus 537/1.666 (328 por 1.000, intervalo de 299 a 360) no grupo do paracetamol (rácio de risco (RR) 1,01, intervalo de confiança (IC) de 95% 0,92 a 1,11). Houve menos certeza (evidência de qualidade moderada) em relação ao risco de eventos adversos graves, desistências devido a eventos adversos e taxa de testes de função hepática anormais, devido a ICs amplos ou taxas de eventos pequenas, indicando imprecisão. Dezassete de 1.480 (11 por 1.000) pessoas tratadas com placebo e 28/1.729 (16 por 1.000, intervalo de 8 a 29) pessoas tratadas com paracetamol sofreram acontecimentos adversos graves (RR 1,36, 95% CI 0,73 a 2,53; 6 ensaios). A incidência de desistências devido a eventos adversos foi de 65/1.000 participantes com placebo e 77/1.000 (intervalo de 59 a 100) participantes com paracetamol (RR 1,19, IC 95% 0,91 a 1,55; 7 estudos). A função hepática anormal ocorreu em 18/1.000 participantes tratados com placebo e em 70/1.000 participantes tratados com paracetamol (RR 3,79, 95% CI 1,94 a 7,39), mas a importância clínica deste efeito foi incerta. Nenhum dos ensaios relatou a qualidade de vida.
As análises de subgrupo indicaram que os efeitos do paracetamol na dor e na função não diferiram de acordo com a dose de paracetamol (3,0 g/dia ou menos versus 3,9 g/dia ou mais).
Conclusão dos autores
Com base em evidência de alta qualidade, esta revisão confirma que o paracetamol proporciona apenas melhorias mínimas na dor e na função das pessoas com osteoartrite da anca ou do joelho, sem aumento do risco de eventos adversos em geral. A análise de subgrupos indica que os efeitos na dor e na função não diferem consoante a dose de paracetamol. Devido ao pequeno número de eventos, não temos a certeza se o uso de paracetamol aumenta o risco de eventos adversos graves, desistências devido a eventos adversos e taxa de testes de função hepática anormais.
As guidelines clínicas atuais recomendam consistentemente o paracetamol como medicação analgésica de primeira linha para a osteoartrite da anca ou do joelho, dada a sua baixa frequência absoluta de danos substanciais. No entanto, os nossos resultados apelam à reconsideração destas recomendações.
Tradução e revisão final por: Ricardo Manuel Delgado, Knowledge Translation Team, Cochrane Portugal.