Porque é que é importante reduzir a malária nas pessoas?
A malária tem um impacto muito elevado na saúde pública, sobretudo nas populações de África e da Ásia. Há muitos anos que se estudam estratégias para reduzir a malária. A maioria das estratégias centra-se na redução do número de mosquitos imaturos (larvas e pupas) para evitar que se transformem em mosquitos adultos, uma vez que é o mosquito fêmea adulto que pode propagar a malária através da picada de pessoas.
Quais são as alterações permanentes e temporárias no ambiente dos mosquitos imaturos?
Os ambientes aquáticos onde vivem os mosquitos imaturos podem ser perturbados através de alterações permanentes (modificação) e temporárias (manipulação). Exemplos de alterações permanentes incluem a construção de canais de drenagem, o nivelamento do terreno e o enchimento de valas. Exemplos de alterações temporárias incluem a alteração do fluxo de água em cursos de água, a drenagem de canais, o corte de relva, o sombreamento de plantas que utilizam água. Estas intervenções podem ser utilizadas isoladamente ou em conjunto com outros tratamentos padrão, como a aplicação regular de insecticidas nas massas de água (larvicida).
O que pretendíamos descobrir?
Queríamos descobrir que mudanças permanentes e temporárias no ambiente dos mosquitos imaturos reduzem a malária nas pessoas (resultados clínicos) e a quantidade de mosquitos imaturos e adultos (resultados entomológicos).
O que fizemos?
Procurámos estudos que analisaram alterações permanentes e temporárias no ambiente dos mosquitos imaturos, em comparação com nenhuma intervenção ou uma alteração permanente ou temporária diferente. Comparámos e resumimos os resultados dos estudos e classificámos a nossa confiança na evidência, com base em fatores como os métodos de estudo.
O que descobrimos?
A revisão incluiu 16 estudos que utilizaram uma série de diferentes desenhos de estudos aleatorizados e não aleatorizados. Onze estudos foram realizados em África e cinco na Ásia. Apenas alguns estudos relataram resultados clínicos, com a maioria a centrar-se no número de mosquitos imaturos, ou mosquitos adultos, ou ambos (resultados entomológicos). Verificámos que existe alguma evidência que apoia a utilização de alterações permanentes (modificação) e temporárias (manipulação) nos ambientes aquáticos para reduzir o número de mosquitos imaturos em ambientes específicos. No entanto, quando se analisam os resultados clínicos, 1. o efeito da manipulação do habitat na prevalência do parasita da malária e na incidência clínica da malária não é claro; 2. a prevalência do parasita da malária pode ser reduzida quando se utiliza a manipulação do habitat com larvicida; 3. a combinação da manipulação e modificação com larvicida provavelmente faz pouca ou nenhuma diferença na prevalência do parasita da malária e nos níveis de hemoglobina.
Quais são as limitações da evidência?
A revisão incluiu um vasto leque de diferentes alterações ao ambiente aquático dos mosquitos imaturos, tendo algumas delas sido combinadas com tratamentos de água (larvicida), o que significa que muito poucos estudos analisaram a mesma intervenção. Muitos dos estudos incluídos tinham problemas relacionados com a forma como foram conduzidos.
Quão atualizada se encontra esta evidência?
Esta revisão atualiza uma revisão Cochrane de 2013. A evidência encontra-se atualizada até 30 de novembro de 2021.
Ler o resumo científico
Em muitos lugares do mundo, especialmente na África subsaariana, a malária é uma importante causa de morbidade e mortalidade. A cobertura das camas com redes tratadas com inseticidas de longa duração (LLINs em inglês) e a pulverização residual dos interiores das casas (IRS em inglês) são intervenções focadas nos vetores adultos da malária. Essas intervenções são componentes essenciais dos programas de controle da malária. Porém, também é possível reduzir o número de mosquitos com o manejo dos criadouros de larvas (LSM em inglês). Essa intervenção tem como alvo as larvas do mosquito que estão crescendo nos habitats aquáticos. Esse manejo envolve reduzir, de forma permanente ou temporária, a disponibilidade dos habitats larvais. Isso é feito modificando e manipulando o habitat, ou adicionando à água parada substâncias que matam ou inibem o desenvolvimento das larvas (larvicidas).
Objetivos
Avaliar a efetividade do manejo de criadouros de larvas de mosquito (LSM) para a prevenção da malária.
Métodos de busca
Realizamos buscas nas bases de dados Cochrane Infectious Diseases Group Specialized Register; Cochrane Central Register of Controlled Trials (CENTRAL); MEDLINE; EMBASE; CABS Abstracts; e LILACS até 24 de outubro de 2012. Realizamos buscas manuais no Tropical Diseases Bulletin de 1900 até 2010, nos arquivos da Organização Mundial da Saúde (até 11 de fevereiro de 2011), e na base de dados de literatura da Armed Forces Pest Management Board (até 2 de março de 2011). Também entramos em contato com especialistas da área para identificar artigos relevantes.
Critério de seleção
Incluímos ensaios clínicos randomizados (ECRs) tipo cluster, estudos controlados antes e depois com pelo menos um ano de dados basais, e ECRs cross-over que compararam usar LSM versus não usar LSM para o controle da malária. Excluímos estudos que avaliaram o controle biológico dos mosquitos anofelinos com peixes larvívoros.
Coleta dos dados e análises
Pelo menos dois autores avaliaram cada estudo quanto a sua elegibilidade. Extraímos os dados e pelo menos dois autores, trabalhando de forma independente avaliaram o risco de viés dos estudos incluídos. Discutimos todas as divergências com um terceiro autor. Usamos o software Review Manager 5 para analisar os dados.
Principais resultados
Incluímos um total de 13 estudos: 4 ECRs clusters, 8 estudos controlados antes e depois, e 1 ECR cross-over. Os estudos incluídos avaliaram modificação do habitat (um estudo), modificação do habitat com larvicidas (dois estudos), manipulação do habitat (um estudo), manipulação do habitat mais larvicidas (dois estudos), ou o uso isolado de larvicidas (sete estudos) em muitos habitats e países.
Incidência de malária
Segundo 2 ECRs cluster realizados no Sri Lanka, o uso de larvicidas em minas abandonadas, riachos, valas de irrigação e arrozais reduziu a incidência de malária em cerca de três quartos em comparação com o controle: RR 0,26 , IC 95% 0,22 a 0,31, 20.124 participantes, 2 estudos, evidência de qualidade moderada). Três estudos controlados antes e depois (realizados em áreas urbanas e rurais da Índia e em área rural do Quênia), tiveram resultados inconsistentes (98.233 participantes, 3 estudos, evidência de qualidade muito baixa). Segundo um estudo realizado em área urbana da Índia, a remoção de recipientes domésticos contendo água, juntamente com a aplicação semanal de larvicidas em canais e poças de água parada, reduziu a incidência de malária em três quartos. Um estudo realizado em área rural da Índia e um estudo realizado em área rural do Quênia, tinham uma maior incidência inicial de malária nas áreas de intervenção do que nos controles. Porém, a construção de uma barragem na Índia, e o uso de larvicidas em córregos e pântanos no Quênia, reduziu a incidência da malária para níveis semelhantes aos das áreas de controle. Em outro ECR cross-over realizado nas planícies inundadas do rio Gâmbia, onde os habitats das larvas eram extensos e mal-delimitados, a aplicação de larvicidas por equipes terrestres não produziu uma redução estatisticamente significativa na incidência de malária (1 estudo, 2039 participantes).
Prevalência do parasita
Em um ECR cluster conduzido no Sri Lanka, o uso de larvicidas reduziu a prevalência de parasitas em quase 90%: RR 0,11; IC 95% 0,05 a 0,22, 2963 participantes, 1 estudo, evidência de qualidade moderada. Segundo 5 estudos controlados antes e depois realizados na Grécia, Índia, Filipinas e Tanzânia, o LSM reduziu em cerca de dois terços a prevalência do parasita: RR 0,32; IC 95% 0,19 a 0,55, 8041 participantes,5 estudos, evidência de qualidade moderada. As intervenções nestes cinco estudos incluíram a construção de barragens para reduzir os habitats das larvas, a vazão dos córregos, a remoção de recipientes domésticos com água e a aplicação de larvicidas. Segundo um ECR cross-over realizado nas planícies inundadas do rio Gâmbia, a aplicação de larvicidas por equipes terrestres não reduziu significativamente a prevalência do parasita (2039 participantes, um estudo).
Conclusão dos autores
Na África e na Ásia, o manejo dos criadouros das larvas é mais uma opção para reduzir a morbidade por malária, além da cobertura das camas com redes impregnadas com inseticidas de longa duração e da pulverização residual dos interiores das casas. Isso é válido para áreas urbanas e rurais onde é possível atingir uma proporção suficiente dos habitats das larvas. Mais pesquisas são necessárias para avaliar se o LSM é adequado ou viável nas regiões da África rural onde os habitats das larvas são mais extensos.
Tradução e revisão final por: Ricardo Manuel Delgado, Knowledge Translation Team, Cochrane Portugal.