Pergunta da revisão
Esta revisão, realizada na Cochrane Oral Health, descreve os efeitos de restaurações com materiais da cor do dente (resina composta) comparado com restaurações em amálgama (“chumbo”) quando colocada diretamente nas cavidades (buracos) em dentes permanentes na parte de trás da boca.
Contexto
Tradicionalmente, restaurações metálicas feitas de um material de cor prateada conhecidas como amálgama têm sido usadas para tratar a doença cárie dentária em dentes permanentes na parte de trás da boca de forma eficaz e barata; contudo, devido ao seu aspeto metálico e às preocupações com os possíveis efeitos nocivos do mercúrio, têm sido cada vez menos usadas, particularmente em países de alto rendimento. A Convenção de Minamata sobre Mercúrio é um acordo global que promoveu a redução mundial do uso de mercúrio (incluindo restaurações em amálgama) para reduzir o impacto do mercúrio no ambiente. Restaurações com cor de dente feitas com resina composta têm sido usadas como alternativa às restaurações em amálgama. Inicialmente eram apenas usadas nos dentes da frente, mas com o aumento da sua qualidade, têm sido usadas em dentes permanentes da parte de trás da boca.
Caraterísticas dos estudos
Pesquisámos em bases de dados científicos até dia 16 de fevereiro de 2021 e encontrámos oito estudos relevantes. Os estudos avaliaram 3.285 restaurações em compósito e 1.955 restaurações em amálgama; contudo, não é claro como muitos destes participantes receberam estas restaurações. A idade exata dos pacientes não era evidente em alguns estudos, mas os estudos incluíram crianças e adultos. Os estudos foram realizados no Reino Unido, Estados Unidos da América, Portugal, Suécia, Países Baixos, Bélgica, Alemanha e Turquia.
Participantes de seis estudos receberam restaurações em compósito e amálgama em diferentes dentes (conhecidos como desenho de boca dividida), enquanto participantes em outros dois estudos receberam ou uma restauração em compósito ou em amálgama (desenho de braços paralelos).
Resultados-chave
A análise principal centrou-se nos dois estudos de braços paralelos que trataram 921 crianças (idades dos 6 aos 12 anos) que tiveram os dentes restaurados com amálgama (1.365) ou com resina composta (1.645). Foi verificado que as restaurações em resina composta são significativamente mais pass´veis/prováveis de falhar do que restaurações em amálgama quando usadas para restaurar cavidades em dentes permanentes da parte de trás da boca. Lesões de cárie dentária depois da restauração ser colocada (conhecidas como lesões de cárie secundária) ocorreram mais frequentemente nas restaurações com resina composta comparativamente com restaurações em amálgama. Não existe evidência que indique diferenças entre a probabilidade de os materiais de restauração partirem.
Seis dos ensaios usaram um desenho de boca dividida, o que quer dizer que cada participante tinha ambos os tipos de restauração em dentes diferentes. Estes estudos eram menos fiáveis, por não explicarem totalmente como o estudo foi realizado e não estava claro quantas pessoas receberam as restaurações. Analisámos os estudos de desenho de boca dividida separadamente dos estudos de braços paralelos, e realizámos uma abordagem estatística conhecida como “análise de subgrupo”. Isto demonstrou que os resultados destes estudos eram compatíveis com os resultados dos dois estudos de braços paralelos.
Três estudos registaram efeitos nocivos. Embora tenhamos encontrado alguns possíveis efeitos negativos em cada material, esta informação não é fiável porque os autores dos estudos realizaram um número elevado de análises, e assim seriam muito provavelmente encontrados resultados falso-positivos. De forma geral, parece que os materiais poderão ser diferentes em relação ao quão seguros são, mas o nível dessa diferença poderá não ser relevante.
Em suma, descobrimos que restaurações em resina composta têm duas vezes mais probabilidade de falhar comparando com restaurações em amálgama quando usadas para restaurar dentes permanentes na parte de trás da boca. As restaurações em resina composta não parecem ter maior probabilidade de partir, mas parecem ter maior probabilidade do que as restaurações em amálgama para desenvolver lesões de cárie secundária. A evidência atual sugere que não existem diferenças relevantes na segurança da amálgama comparando com resina composta em restaurações dentárias.
Certeza na evidência
Avaliámos a evidência disponível como sendo de baixa certeza, o que significa que os resultados poderão alterar em pesquisas futuras. Como o aspeto das restaurações em amálgama e resina composta são diferentes, não seria possível evitar que os envolvidos no estudo não tivessem conhecimento de que tratamento teria sido realizado, e assim existe um grande risco de viés em todos os estudos incluídos. Além disso, os resultados eram imprecisos e por vezes inconsistentes, então não é possível ter a certeza de que a evidência é fiável.
Implicações da evidência
De forma geral, a evidência sugere que restaurações em amálgama são eficazes, resistentes e seguras, enquanto as restaurações em resina composta têm maior probabilidade de falharem e desenvolverem lesões de cárie secundária. Contudo, os estudos nesta revisão já são datados, e os materiais de resina composta têm melhorado significativamente após a data de realização destes estudos. A decisão de que material a usar quando os dentes permanentes na parte de trás da boca precisam de ser deve ser discutida entre os pacientes e médicos dentistas. Por outro lado, a nível mundial os governos estão a empreender esforços para reduzir o uso da amálgama dentária (de acordo com a Convenção de Minamata sobre o Mercúrio), e por isso cada país terá a sua própria regulamentação e orientação que terão que ser consideradas neste processo de decisão.
Ler o resumo científico
Tradicionalmente, a amálgama tem sido usada em restaurações de cavidades nos dentes posteriores, e continua a ser o material de eleição em alguns países de baixo e médio rendimento devido à sua eficácia e baixo custo. No entanto, existem preocupações relativamente ao seu uso, devido às consequências da libertação de mercúrio no corpo do paciente e ao impacto ambiental do seu processamento. Os materiais em resina composta são uma alternativa estética à amálgama, e as suas propriedades mecânicas têm melhorado para as tornar indicadas para a restauração de dentes posteriores. Contudo, os materiais em resina composta podem apresentar potencial toxidade para a saúde humana e para o ambiente.
O Programa Ambiental das Nações Unidas realizou a Convenção de Minamata sobre o Mercúrio. Um tratado internacional que tem como objetivo “proteger a [sic] saúde humana e o ambiente de emissões antropogénicas e libertação de mercúrio e de compostos de mercúrio”. Este entrou em vigor em agosto de 2017 e, em fevereiro de 2021, foi ratificado por 127 governos. A ratificação envolve o compromisso da adoção de pelo menos duas das nove medidas que visam a redução gradual do uso de mercúrio, incluindo a utilização de amálgama em medicina dentária. Tendo em conta isto, foi atualizada a revisão originalmente publicada em 2014, expandindo o espetro da revisão através da pesquisa adicional de resultados relativos a efeitos nocivos. Esta revisão sintetiza os resultados de estudos que avaliam a eficácia a longo termo e a segurança da amálgama versus as restaurações em resina composta, e avalia o nível de certeza dessa evidência.
Objetivos
Examinar os efeitos (ex.: eficácia e segurança) de restaurações diretas em resina composta comparativamente com restaurações em amálgama em dentes posteriores permanentes.
Métodos de busca
Um especialista efetuou uma busca em cinco bases de dados bibliográficas até dia 16 de fevereiro de 2021 e usou métodos adicionais de pesquisa para identificar estudos publicados, não publicados e em curso.
Critério de seleção
Para avaliar a eficácia, incluímos ensaios controlados aleatorizados (ECAs) que comparassem restaurações em resina composta com restaurações em amálgama em dentes permanentes posteriores que foram avaliadas para os seguintes desfechos: falha da restauração ou sobrevivência num período de seguimento não inferior a 3 anos.
Para avaliar a segurança, estudos não aleatorizados para além dos ECAs que comparassem diretamente materiais de restauração de resina composta e amálgama e medissem a toxicidade, presença de reações de hipersensibilidade, alergia ou dano.
Coleta dos dados e análises
Utilizámos procedimento metodológico padrão da Cochrane.
Principais resultados
Na atualização desta revisão incluímos oito estudos no total, em que todos eram ECAs. Dois estudos usaram desenho de braços paralelos, e seis usaram uma metodologia de boca dividida. Todos os estudos incluídos foram avaliados como sendo de alto risco de viés devido à falta de ocultação e problemas relacionados com a unidade de análise. Identificámos um novo ensaio desde a versão anterior desta revisão (2014), além de oito artigos adicionais que avaliaram a segurança, todos relacionados com os dois estudos de braços paralelos que já estavam incluídos na versão anterior desta revisão.
Na meta-análise primária, combinámos dados dos dois ensaios de braços paralelos, os quais incluíam 1.645 restaurações em compósito e 1.365 restaurações em amálgama em 921 crianças. Foi obtida evidência de baixa certeza em relação às restaurações em resina composta apresentarem quase o dobro do risco de falha comparando com as restaurações em amálgama (risco relativo (RR) 1,89, intervalo de confiança (IC) de 95% 1,52 a 2,35; p < 0,001), e estavam em risco muito maior de cárie secundária (RR 2,14, IC 95% 1,67 a 2,74; p < 0,001). Foi obtida evidência de baixa certeza em relação às restaurações em resina composta não apresentarem um risco muito maior de fratura da restauração (RR 0,87, IC 95% 0,46 a 1.64; p = 0,66).
Seis ensaios usaram uma metodologia de boca dividida. Estes foram considerados separadamente, pois sua confiabilidade foi comprometida devido à má apresentação dos dados, erros na unidade de análise e variabilidade nos métodos e resultados. A análise de subgrupos mostrou que os achados foram consistentes com os resultados dos estudos de braços paralelos.
Três ensaios investigaram a possibilidade de efeitos nocivos de restaurações nos dentes. Níveis aumentados de mercúrio na urina foram registados em crianças com restaurações em amálgama em dois ensaios, mas os níveis eram menores do que o definido como tóxico. Algumas diferenças entre os grupos de amálgama e de resina composta foram observadas em medições da função renal, neuropsicológica e psicológica, desenvolvimento físico, e sensibilidade pós-operatória; contudo, não foram encontrados efeitos nocivos consistentes ou clinicamente importantes. Consideramos que as grandes quantidades de comparações realizadas, muito provavelmente, fizeram surgir falso-positivos. Não existia evidência da diferença entre os grupos da amálgama e resina composta relativamente a sintomas neurológicos, função imune, e a excreção urinária de porfirina. A evidência é de muito baixa certeza, com a maioria dos efeitos nocivos a serem registados apenas num ensaio.
Conclusão dos autores
Evidência de baixa certeza sugere que restaurações em resina composta poderão ter quase o dobro da taxa de falha das restaurações em amálgama. O risco de fratura da restauração não aparenta ser maior nas restaurações em resina composta, mas existe um risco muito maior de desenvolvimento de lesões de cárie secundárias. Evidência de muito baixa certeza sugere que poderá não haver diferenças clinicamente relevantes no perfil de segurança da amálgama comparando com a resina composta em restaurações dentárias.
Esta revisão suporta a utilidade de restaurações em amálgama, e os resultados poderão ser particularmente úteis em partes do mundo onde a amálgama ainda é o material de eleição para restaurar dentes posteriores com cáries proximais. É de mencionar, no entanto, que os materiais de resina composta passaram por importantes melhorias desde que os ensaios nos quais se basearam as análises primárias desta revisão foram realizados. A redução gradual global do uso da amálgama dentária via Convenção de Minamata sobre Mercúrio é uma consideração importante quando escolhemos entre materiais de amálgama ou de resina composta. A escolha do material dentário irá depender de um processo de escolha entre o médico dentista e paciente no contexto clínico, e das normas e diretivas locais.
Traduzido por: Carlota Duarte de Mendonça, Bruno Rosa, Joana Faria Marques, João Silveira e António Mata, Centro de Estudos de Medicina Dentária Baseada na Evidência, Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa. Revisão final: Ricardo Manuel Delgado, Knowledge Translation Team, Cochrane Portugal.