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A galantamina ajuda as pessoas com demência devida à doença de Alzheimer e as pessoas com défice cognitivo ligeiro?

Mensagens-chave

Em pessoas com demência devida à doença de Alzheimer, a galantamina (nas doses recomendadas de 16 mg a 24 mg por dia) retarda o declínio da memória e a capacidade de realizar atividades de autocuidado 6 meses e 2 anos após o tratamento.

Nas pessoas com défice cognitivo ligeiro, não há diferença na melhoria da memória ou na capacidade de realizar atividades de autocuidado quando se compara a galantamina com um placebo (medicamento inativo ou "simulado").

A galantamina causou um maior número de efeitos indesejáveis (náuseas, vómitos, diarreia), mas não fez qualquer diferença na morte por qualquer causa quando comparada com o placebo.

Contexto

A doença de Alzheimer é a forma mais comum de demência entre os idosos, causando problemas de memória, pensamento e comportamento. A doença agrava-se com o tempo, ao ponto de afetar a capacidade da pessoa para realizar as tarefas do dia a dia. Para as pessoas com défice cognitivo ligeiro, os sintomas que afetam o pensamento e a memória são ligeiros e, normalmente, não são suficientemente graves para interferir com a vida e as atividades diárias.

Atualmente, não existe cura para a doença de Alzheimer, mas existem medicamentos que podem ajudar a controlar os sintomas. A galantamina é um dos três medicamentos inibidores da colinesterase aprovados pela Food and Drug Administration (FDA) americana para tratar os sintomas da doença de Alzheimer. A galantamina atua aumentando os níveis de uma substância química no cérebro, a acetilcolina, que transmite sinais, o que pode ajudar a aliviar os sintomas da doença de Alzheimer.

Não existem medicamentos atualmente aprovados pelos organismos reguladores como tratamentos para o défice cognitivo ligeiro.

O que pretendíamos descobrir?

Pretendemos saber se a galantamina é eficaz e útil para melhorar os sintomas da doença de Alzheimer e do défice cognitivo ligeiro, em termos de memória, capacidade de realizar os seus próprios cuidados e comportamento. Também queríamos saber se a galantamina causa algum efeito indesejável.

O que fizemos?

Procurámos estudos que comparassem a galantamina administrada por via oral com um placebo (que não contém quaisquer ingredientes ativos, mas é administrado da mesma forma que o medicamento ativo) em pessoas com demência devida à doença de Alzheimer ou com défice cognitivo ligeiro. Escolhemos estudos em que as pessoas foram atribuídas aleatoriamente (como um lançamento de uma moeda) para receber galantamina ou placebo durante pelo menos 4 semanas. Comparámos e resumimos os resultados dos estudos, classificando a nossa confiança na evidência com base em fatores como os métodos e a dimensão dos estudos.

O que descobrimos?

Encontrámos 21 estudos que envolveram 10.990 pessoas com demência devido à doença de Alzheimer ou com défice cognitivo ligeiro. A sua idade média era de 74 anos. A duração do tratamento variou entre 8 semanas e 2 anos. A maioria dos estudos incluiu pessoas com demência devida a doença de Alzheimer ligeira ou moderada; um estudo envolveu pessoas com doença de Alzheimer grave. Três estudos incluíram pessoas com défice cognitivo ligeiro. As empresas farmacêuticas (Janssen / Johnson & Johnson) patrocinaram 16 dos 21 estudos incluídos.

Após 6 meses de tratamento, os participantes com doença de Alzheimer ligeira a moderada que receberam galantamina apresentaram melhor memória, capacidade de realizar atividades de autocuidado e comportamento do que os que receberam placebo. É importante salientar que as melhorias de memória que observámos foram consideradas clinicamente significativas de acordo com os padrões estabelecidos por especialistas. Este mesmo grupo de participantes teve provavelmente uma melhoria global superior à dos que receberam placebo.

Nas pessoas com défice cognitivo ligeiro, a galantamina, em comparação com o placebo, pode fazer pouca ou nenhuma diferença na melhoria da memória ou na capacidade de realizar atividades de autocuidado. No entanto, os participantes que receberam galantamina tiveram provavelmente um menor risco de progressão para demência após 2 anos de tratamento.

Em comparação com os que tomaram placebo, as pessoas que tomaram galantamina tiveram três vezes mais probabilidades de sofrer efeitos secundários gastrointestinais (náuseas, vómitos, diarreia). O número de mortes foi baixo, e não houve evidência de que a galantamina tenha causado mais mortes do que o placebo.

Quais são as limitações da evidência?

Muitas pessoas nos estudos (entre 17% e 40%) deixaram de tomar a medicação que lhes foi atribuída precocemente, mais nos grupos da galantamina do que nos grupos do placebo. Esta é uma limitação que pode favorecer a galantamina.

Quão atualizada se encontra esta evidência?

Esta revisão atualiza a nossa revisão anterior de 2006. A evidência encontra-se atualizada até dezembro de 2022.

Introdução

A demência conduz a um declínio cognitivo progressivo e representa um encargo significativo para a saúde e para a sociedade. A sua prevalência está a aumentar, sendo a doença de Alzheimer a principal causa. Não existe cura para a doença de Alzheimer, mas existem intervenções farmacológicas aprovadas pela regulamentação, como a galantamina, para alívio sintomático. Esta revisão atualiza a versão de 2006.

Objetivos

Avaliar os efeitos clínicos, incluindo os efeitos adversos, da galantamina em pessoas com doença de Alzheimer provável ou possível ou com défice cognitivo ligeiro, e investigar potenciais moderadores do efeito.

Métodos de busca

Fizemos uma pesquisa sistemática no Cochrane Dementia and Cognitive Improvement Group's Specialised Register em 14 de dezembro de 2022 utilizando o termo "galantamine". O Registo contém registos de ensaios clínicos identificados a partir das principais bases de dados eletrónicas (incluindo CENTRAL, MEDLINE e Embase), registos de ensaios, fontes de literatura cinzenta e atas de conferências. Pesquisámos manualmente as listas de referências e recolhemos informações de documentos da US Food and Drug Administration e de relatórios de ensaios não publicados. Não aplicamos nenhuma restrição quanto ao idioma.

Critério de seleção

Incluímos ensaios controlados aleatorizados de grupos paralelos, com dupla ocultação, que compararam a galantamina oral com placebo, com uma duração de tratamento superior a quatro semanas, em pessoas com demência devida à doença de Alzheimer ou com défice cognitivo ligeiro.

Coleta dos dados e análises

Trabalhando de forma independente, dois autores da revisão selecionaram os estudos para inclusão, avaliaram a sua qualidade e extraíram os dados. Os resultados de interesse incluíram a função cognitiva, a alteração da função global, as atividades da vida diária, a incapacidade funcional, a função comportamental e os eventos adversos. Utilizámos um modelo de efeito fixo para a síntese meta-analítica e apresentámos os resultados como odds ratios (OR) de Peto ou diferenças médias ponderadas (MD) com intervalos de confiança de 95%. Utilizámos a ferramenta de risco de viés original da Cochrane (RoB 1) para avaliar o risco de viés dos estudos incluídos.

Principais resultados

Incluímos 21 estudos que no total englobam 10.990 participantes. A idade média dos participantes era de 74 anos e 37% eram do sexo masculino. A duração dos estudos variou entre oito semanas e dois anos, sendo 24 semanas a duração mais comum. Um estudo recentemente incluído avaliou os efeitos da galantamina ao fim de dois anos, e outro estudo recentemente incluído envolveu participantes com doença de Alzheimer grave.

Dezanove estudos com 10.497 participantes contribuíram com dados para a meta-análise. Todos os estudos tinham risco de viés baixo a incerto para a randomização, ocultação de alocação e ocultação. Quatro estudos tinham alto risco de viés devido ao atrito e dois devido ao relato seletivo dos resultados.

Galantamina para a demência devida à doença de Alzheimer

Resumimos apenas os resultados relativos à galantamina administrada na dose de 8 a 12 mg duas vezes por dia (galantamina total 16 mg a 24 mg/dia), avaliados aos seis meses. Ver a revisão completa para resultados de outros regimes de dosagem e pontos de tempo de avaliação.

Existe evidência de alta certeza de que, em comparação com o placebo, a galantamina melhora: a função cognitiva, avaliada com a Escala de Avaliação da Doença de Alzheimer - Subescala Cognitiva (ADAS-cog) (MD -2,86, 95% CI -3,29 a -2,43; 6 estudos, 3049 participantes; efeito mínimo clinicamente importante (MCID) = 2.6- a 4 pontos); incapacidade funcional, avaliada com a escala Disability Assessment for Dementia (DAD) (MD 2,12, IC 95% 0,75 a 3,49; 3 estudos, 1.275 participantes); e função comportamental, avaliada com o Neuropsychiatric Inventory (NPI) (MD -1,63, IC 95% -3,07 a -0,20; 2 estudos, 1.043 participantes) aos seis meses. A galantamina pode melhorar a função global aos seis meses, conforme avaliado com o Clinician's Interview-Based Impression of Change plus Caregiver Input (CIBIC-plus) (OR 1,58, IC 95% 1,36 a 1,84; 6 estudos, 3.002 participantes; grau de certeza da evidência baixo). Os participantes que receberam galantamina tiveram maior probabilidade do que os participantes tratados com placebo de interromper o tratamento prematuramente (22,7% versus 17,2%) (OR 1,41, IC 95% 1,19 a 1,68; 6 estudos, 3.336 participantes; evidência de alta qualidade) e de sentir náuseas (20,9% versus 8,4%) (OR 2,89, IC 95% 2,40 a 3,49; 7 estudos, 3.616 participantes; evidência de alta qualidade) durante os estudos. A galantamina reduziu as taxas de mortalidade aos seis meses: 1,3% dos participantes nos grupos de galantamina morreram em comparação com 2,3% nos grupos de placebo (OR 0,56, IC 95% 0,33 a 0,96; 6 estudos, 3.493 participantes; evidência de alta qualidade).

Galantamina no tratamento do défice cognitivo ligeiro

Resumimos os resultados, avaliados ao fim de dois anos, de dois estudos que administraram galantamina aos participantes na dose de 8 a 12 mg duas vezes por dia (galantamina total 16 mg a 24 mg/dia). Em comparação com o placebo, a galantamina pode não melhorar a função cognitiva, avaliada com o ADAS-cog expandido para o défice cognitivo ligeiro (MD -0,21, IC 95% -0,78 a 0,37; 2 estudos, 1.901 participantes; grau de certeza da evidência) ou as atividades da vida diária, avaliadas com a escala Alzheimer's Disease Cooperative Study - Activities of Daily Living para o défice cognitivo ligeiro (MD 0,30, IC 95% -0,26 a 0,86; 2 estudos, 1.901 participantes; grau de certeza da evidência baixo). Os participantes que receberam galantamina foram provavelmente mais propensos a interromper prematuramente o tratamento do que os participantes tratados com placebo (40,7% versus 28,6%) (OR 1,71, IC 95% 1,42 a 2,05; 2 estudos, 2.057 participantes) e a sentir náuseas (29,4% versus 10,7%) (OR 3,49, IC 95% 2,75 a 4,44; 2 estudos, 2.057 participantes), ambos com grau de certeza moderado da evidência. A galantamina pode não reduzir a taxa de mortalidade aos 24 meses em comparação com o placebo (0,5% versus 0,1%) (OR 5,03, IC 95% 0,87 a 29,10; 2 estudos, 2.057 participantes; evidência de baixa qualidade).

Os resultados da análise de subgrupos e da meta-regressão sugerem que um desequilíbrio nas taxas de descontinuação entre os grupos da galantamina e do placebo, juntamente com a utilização da abordagem da "última observação transportada" para a avaliação dos resultados, pode potencialmente enviesar os resultados cognitivos a favor da galantamina.

Conclusão dos autores

Em comparação com o placebo, a galantamina (quando administrada numa dose total de 16 mg a 24 mg/dia) atrasa o declínio da função cognitiva, da capacidade funcional e do comportamento aos seis meses em pessoas com demência devida à doença de Alzheimer. É provável que a galantamina também abrande o declínio da função global aos seis meses. As alterações observadas na cognição, avaliadas com a escala ADAS-cog, foram clinicamente significativas. Os acontecimentos adversos relacionados com o sistema gastrointestinal são as principais preocupações associadas à utilização da galantamina em pessoas com demência, o que pode limitar a sua tolerabilidade. Embora as taxas de mortalidade tenham sido geralmente baixas, os participantes nos grupos de galantamina tiveram um risco reduzido de morte em comparação com os participantes nos grupos de placebo. Não existe evidência que apoie a utilização de galantamina em pessoas com défice cognitivo ligeiro.

Notas de tradução

Tradução e revisão final por: Ricardo Manuel Delgado, Knowledge Translation Team, Cochrane Portugal.

Citation
Lim AW, Schneider L, Loy C. Galantamine for dementia due to Alzheimer's disease and mild cognitive impairment. Cochrane Database of Systematic Reviews 2024, Issue 11. Art. No.: CD001747. DOI: 10.1002/14651858.CD001747.pub4.

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