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Arandos para prevenir infeções do trato urinário

Qual é o problema?

Os arandos (sob a forma de sumo de arando, comprimidos ou cápsulas) são utilizados há muitos anos para prevenir infeções do trato urinário (ITU). Os arandos contêm proantocianidinas (PACs), substâncias que podem impedir a fixação de bactérias nas paredes da bexiga. Esta característica pode ajudar a prevenir infeções e a reduzir a necessidade de trabalhadores se ausentarem para comparecerem a consultas médicas. No entanto, não existe, atualmente, um regime estabelecido para a dose de PACs a utilizar nem uma regulamentação formal das autoridades de saúde para os produtos à base de arando. Em particular, a dose recomendada pode não estar incluída na embalagem.

O que fizemos?

Analisámos os resultados de ensaios controlados aleatorizados (ECAs) que compararam a ocorrência de ITU em pessoas que tomaram um produto à base de arandos com as que tomaram um placebo ou não realizaram tratamento. Também analisámos os resultados de ECAs que compararam um produto à base de arando com outros tratamentos, tais como antibióticos ou probióticos.

O que descobrimos?

Foram identificados 50 ECAs que envolveram um total de 8.857 pessoas. 45 ECAs comparam o uso de arandos com um placebo ou nenhum tratamento. A ingestão de arandos sob a forma de sumo, comprimidos ou cápsulas reduziu o número de ITU em mulheres com infeções recorrentes, em crianças com ITU e em pessoas suscetíveis a ITU após uma intervenção, tal como radioterapia da bexiga. Contudo, as ITU não aparentaram ter reduzido em idosos institucionalizados, adultos com disfunção neuromuscular da bexiga e esvaziamento incompleto da bexiga, ou em mulheres grávidas. Poucas pessoas relataram quaisquer efeitos secundários, sendo o mais frequente a dor de barriga. Não encontrámos informação suficiente para determinar se os produtos à base de arando são mais ou menos eficazes do que os antibióticos ou probióticos na prevenção de novas ITU.

Conclusões

Os produtos à base de arando podem ajudar a prevenir ITU que causam sintomas em mulheres com ITU frequentes, em crianças com ITU e em pessoas que foram submetidas a uma intervenção da bexiga. No entanto, é necessária uma investigação mais aprofundada com ECAs bem desenhados e registados prospetivamente para clarificar quem, com ITU, beneficiaria dos produtos à base de arando.

Introdução

A fruta cranberry tem sido amplamente usada há várias décadas para a prevenção e tratamento de infecções do trato urinário (ITU). Esta é a terceira atualização de nossa revisão, publicada pela primeira vez em 1998 e atualizada em 2004 e 2008.

Objetivos

Avaliar a efetividade de produtos de cranberry na prevenção de ITU em populações suscetíveis.

Métodos de busca

Realizamos uma busca no MEDLINE, EMBASE, no Cochrane Central Register of Controlled Trials (CENTRAL na Cochrane Library) e na Internet. Contatamos as empresas envolvidas com a promoção e distribuição de concentrados de cranberry e avaliamos as listas de referências de artigos de revisão e dos estudos relevantes.

Data da busca: Julho de 2012.

Critério de seleção

Selecionamos todos os ensaios clínicos randomizados (ECR) ou quasi-randomizados que avaliaram o uso de produtos derivados de cranberry para a prevenção de UTI.

Coleta dos dados e análises

Dois autores avaliaram e extraíram os dados de forma independente. Foram coletadas informações sobre os métodos, os participantes, as intervenções e os desfechos (incidência de UTI sintomáticas, resultados positivos das culturas, efeitos colaterais, e aderência à terapia). Os riscos relativos (RR) foram calculados quando isso era apropriado; nos outros casos, foi feita uma síntese narrativa dos estudos. A qualidade dos estudos foi avaliada utilizando-se o instrumento de avaliação de risco de viés da Cochrane.

Principais resultados

Esta revisão atualizada incluiu um total de 24 estudos (seis estudos tipo cross-over, 11 estudos de grupo paralelo com dois braços; cinco com três braços e dois estudos com desenho fatorial) com 4.473 participantes no total. Dez estudos foram incluídos na atualização de 2008, e 14 estudos foram acrescentados nesta última atualização. Treze estudos (2.380 participantes) avaliaram somente o suco/concentrado de cranberry; nove estudos (1.032 participantes) avaliaram somente pastilhas/cápsulas de cranberry; um estudo comparou suco e pastilhas de cranberry; e um estudo comparou cápsulas e pastilhas de cranberry. Os braços de comparação/controle eram placebo, nenhum tratamento, água, hipurato de metenamina, antibióticos ou lactobacilos. Onze estudos não foram incluídos na metanálise porque o desenho era do tipo cross-over e os dados não foram descritos separadamente para a primeira fase, ou porque faltaram dados relevantes. Os dados incluídos na metanálise mostraram que, em comparação com o placebo, água ou nenhum tratamento, os produtos de cranberry não reduziram significativamente a ocorrência geral de UTI sintomática (RR 0,86, 95% CI 0,71 – 1,04) ou para quaisquer dos subgrupos estudados: mulheres com UTI recorrente (RR 0,74, 95% CI 0,42 – 1,31); pessoas idosas (RR 0,75, 95% CI 0,39 – 1,44); mulheres grávidas (RR 1,04, 95% CI 0,97 – 1,17); crianças com UTI recorrente (RR 0,48, 95% CI 0,19 – 1,22); pacientes de câncer (RR 1,15, 95% CI 0,75 – 1,77); ou pessoas com bexiga neurogênica ou lesão medular (RR 0,95, 95% CI, 0,75 – 1,20). A heterogeneidade geral foi moderada (I² = 55%). A efetividade da cranberry não foi significantemente diferente dos antibióticos para mulheres (RR 1,31, 95% CI, 0,85 -2,02) e crianças (RR 0,69, 95% CI 0,32 – 1,51). Também não houve diferença significativa na ocorrência de efeitos adversos gastrointestinais nos participantes que usaram produtos de cranberry comparados com aqueles que usaram placebo/nenhum tratamento (RR de 0,83, 95% CI de 0,31-2,27). Muitos estudos relataram baixa taxa de aderência e altas taxas de abandono/desistência do tratamento, que foram atribuídas ao sabor/aceitabilidade dos produtos, especialmente do suco de cranberry. A maioria dos estudos com pastilhas ou cápsulas de cranberry não informou qual era a concentração do princípio ativo presente, portanto é possível que esses produtos não tivessem uma concentração suficiente da substância para serem eficazes.

Conclusão dos autores

Antes da atual atualização, parecia existir alguma evidência de que o suco de cranberry poderia diminuir o número de ITU sintomáticas ao longo de um período de 12 meses, especialmente para mulheres com ITU recorrente. A adição de 14 novos estudos à revisão mostrou que o suco de cranberry é menos eficaz do que se pensava originalmente. Apesar de alguns estudos menores terem demonstrado um benefício pequeno para mulheres com ITU de repetição, isso não ficou evidente quando os resultados de um grande estudo foram incluídos. De acordo com os achados de três pequenos estudos, produtos de cranberry não foram significativamente melhores do que antibióticos na prevenção de infecções do trato urinário. Devido ao grande número de desistências/exclusão de participantes (atribuído principalmente à falta de aceitação dos produtos de cranberry, principalmente sucos por longos períodos), e às evidências mostrando pouco benefício para a prevenção de ITU, neste momento o suco de cranberry não pode ser recomendado para a prevenção de ITU. Outras formas do produto (por exemplo, pós) ainda precisam ser analisadas através de métodos laboratoriais consagrados para verificar sua potência e se contêm quantidades suficientes do princípio "ativo", para então serem testadas em futuros estudos clínicos ou recomendadas para uso.

Notas de tradução

Traduzido por: Pedro Peixoto, Unidade de Saúde Familiar Eça de Queirós, ACES Grande Porto IV. Revisão final: Ricardo Manuel Delgado, Knowledge Translation Team, Cochrane Portugal.

Citation
Williams G, Stothart CI, Hahn D, Stephens JH, Craig JC, Hodson EM. Cranberries for preventing urinary tract infections. Cochrane Database of Systematic Reviews 2023, Issue 11. Art. No.: CD001321. DOI: 10.1002/14651858.CD001321.pub7.