Aquecimento corporal de pacientes submetidos a cirurgia para evitar complicações e aumentar o conforto no pós-operatório.

Questão revisada

Nós examinamos os efeitos do aquecimento corporal por transferência de calor através da superfície da pele, para evitar complicações causadas por diminuição acidental da temperatura corporal (hipotermia) em adultos submetidos a cirurgia.

Histórico

Sedativos e anestésicos interferem com as respostas reguladoras da temperatura, podendo causar hipotermia indesejada durante a cirurgia e no pós-operatório imediato. Longos períodos de exposição de grandes áreas da superfície da pele a temperaturas baixas na sala de cirurgia também podem contribuir para este efeito. A hipotermia pode tornar o processo de recuperação desconfortável para os pacientes, uma vez que acordam com tremores e calafrios, que são uma resposta involuntária ao frio para aumentar a produção de calor corporal. A hipotermia também pode estar relacionada a eventos indesejáveis tais como infecções e complicações da ferida, complicações cardíacas e circulatórias, assim como aumento do sangramento e da necessidade de transfusão sanguínea.

Para evitar a hipotermia acidental, vários tipos de sistemas de aquecimento ativo são usados, com o objetivo de transferir calor ao corpo do paciente através da pele, seja imediatamente antes, durante a cirurgia ou ambos.

Características do estudo

A revisão incluiu 67 estudos controlados e randomizados (5438 pacientes), Os estudos incluíram pacientes de todas as idades e de ambos os gêneros, submetidos a todos os tipos de cirurgia. As evidências foram de estudos disponíveis até outubro de 2015 Quarenta e cinco estudos compararam um sistema de aquecimento com uma intervenção controle. 18 compararam diferentes tipos de sistemas de aquecimento e 10 compararam diferentes modalidades do mesmo sistema de aquecimento. Aquecimento com ar forçado foi o sistema mais estudado.

Resultados

O aquecimento ativo teve alguns benefícios clínicos no paciente. Ele diminuiu o risco de complicações cardíacas e circulatórias mais graves em um estudo, onde os pacientes apresentavam doenças cardiovasculares importantes, mas a evidência ainda é inconclusiva. Aquecimento ativo diminuiu a taxa de infecção e complicações da ferida cirúrgica. Esse efeito foi mostrado em dois grandes estudos com pacientes submetidos a cirurgias abdominais; aquecimento com ar forçado foi aplicado exclusivamente antes da cirurgia em um estudo, enquanto nos outros ele foi aplicado durante a cirurgia. Pacientes que recebem aquecimento ativo têm cerca de um terço do risco de calafrios e tremores no pós-operatório quando comparados com aqueles que receberam o tratamento controle (29 estudos, 1922 pacientes). Conforto térmico foi aumentado nos pacientes quando comparados com a intervenção controle (10 estudo envolvendo 700 pacientes). Por outro lado, o aquecimento promoveu pouca ou nenhuma diferença no risco de morte, perda sanguínea ou necessidade de hemotransfusão. Não encontramos diferença no número de ataques cardíacos não fatais, na ansiedade ou na dor, comparados com pacientes dos grupos controle.

Os estudos avaliados não nos permitiram identificar qual é o melhor sistema de aquecimento. No entanto, houve a indicação de um estudo com baixo risco de viés, de que os resultados foram melhores quando o aquecimento sistêmico foi iniciado no período pré-operatório dos paciente submetidos a cirurgias abdominais de grande porte. Obtivemos pouca informação dos estudos quanto aos relatos de efeitos adversos. Em alguns casos os estudos relataram que não houve eventos adversos.

Qualidade de evidência

A qualidade de evidência foi baixa para infecções do sítio cirúrgico e complicações cardiovasculares. Isto se deve ao pequeno número de estudos e aos poucos relatos desses desfechos, embora houvesse baixo risco de viés. Os tipos de cirurgias foram diferentes entre os pacientes, com diferentes complexidades e durações, tipo de anestesia, idade e gravidade do estado de saúde. Os estudos não tiveram longa duração, o que dificultou a detecção de efeitos clínicos. Esses desfechos também são fortemente influenciados por outros componentes que interferem no manejo da cirurgia e que não foram avaliados nesta revisão. Enquanto alguns estudos aplicaram uma única intervenção, outros estudos usaram duas ou mais intervenções combinadas e/ou incluíram outros métodos de aquecimento passivo. O grupo controle nem sempre consistiu de um "puro controle" sem aquecimento ativo. Em alguns pacientes foi aplicada alguma intervenção como parte do cuidado usual. Todas essas razões podem explicar a diversidade que foi observada para alguns desfechos entre os estudos. A temperatura do grupo controle pode ter sido mais rigorosamente controlada, já que existe ampla preocupação com o risco de hipotermia.

Conclusão dos autores: 

O aquecimento com ar forçado parece ter efeitos benéficos em termos de diminuição de infecção da ferida cirúrgica e de complicações, ao menos nos casos de cirurgias abdominais, quando comparados com a não aplicação de sistemas de aquecimento. Há um efeito benéfico também na redução de complicações cardiovasculares importantes em pacientes com doenças cardiovasculares, embora as evidências sejam limitadas a um único estudo. O aquecimento também proporciona maior conforto aos pacientes, embora tenhamos encontrado dados bastante heterogêneos entre os estudos. Embora os efeitos no sangramento sejam estatisticamente significativos, essa diferença não se traduziu em diminuição significativa nas hemotransfusões. Novamente encontramos dados bastante heterogêneos entre os estudos, no que se refere a este desfecho. A relevância clínica da diminuição do sangramento é portanto questionável. A evidência para outros tipos de AASC é deficiente, embora haja alguma evidência de efeito benéfico na mesma direção dos tremores e arrepios com sistemas de aquecimento baseados em eletricidade ou resistência. Algumas evidências sugerem que a extensão do período de aquecimento ao pré-operatório poderia ser mais benéfica do que limitá-lo apenas à duração da cirurgia. Não há nada que sugira que os sistemas de AASC ofereçam risco significativo aos pacientes.

A dificuldade em se observarem efeitos benéficos clinicamente relevantes com AASC em outros desfechos além da temperatura pode ser explicada pelo fato de que muitos estudos aplicaram métodos concomitantes, que rotineiramente contribuem para evitar a hipotermia, sejam com sistemas de aquecimento passivo ou ativo. Tais métodos são baseados em outros mecanismo fisiológicos (por exemplo irrigação com fluido ou gases aquecidos), assim como o controle rigoroso da temperatura no contexto do estudo, comparado com a prática usual. Esses métodos podem ter tido um efeito benéfico nos participantes do grupo controle, levando ao subdimensionamento dos benefícios do AASC.

Leia o resumo na íntegra...
Introdução: 

Hipotermia perioperatória acidental é um fenômeno que pode ocorrer como resultado da supressão dos mecanismos centrais de regulação da temperatura pelos anestésicos e pela exposição prolongada de grandes superfícies da pele a baixas temperaturas no centro cirúrgico. Hipotermia perioperatória acidental tem sido associada a complicações tais como infecção no sítio cirúrgico e atraso na cicatrização da ferida operatória, aumento do sangramento e eventos cardiovasculares. Uma das técnicas mais frequentemente usadas para evitar a hipotemia perioperatória acidental é o sistema de aquecimento ativo da superfície corporal (SAASC), que gera calor mecanicamente (aquecimento do ar, água ou géis) e o transfere para o paciente através do contato com a pele.

Objetivos: 

Para avaliar a eficácia dos sistemas de aquecimento ativo da superfície corporal no pré ou no intraoperatório, ou em ambos, em prevenir complicações decorrentes da hipotermia acidental durante cirurgia em adultos.

Métodos de busca: 

Nós procuramos no Registro Central de Estudos Controlados da Cochrane (CENTRAL; 9 publicações, 2015); MEDLINE (PubMed) (1964 a outubro de 2015), EMBASE (Ovid) (1980 a outubro de 2015), e CINAHL (Ovid) (1982 a outubro de 2015).

Critério de seleção: 

Nós incluímos estudos controlados e randomizados (RCTs) que compararam um sistema de AASC destinado a manter a normotermia perioperatória com um grupo controle ou com qualquer outro sistema de AASC. Estudos a serem escolhidos tinham que incluir desfechos clínicos relevantes além do controle isolado da temperatura.

Coleta dos dados e análises: 

Vários autores, por pares, selecionaram referências e determinaram a eligibilidade, extraíram informações e avaliaram o risco de viés. Nós resolvemos os pontos discordantes com discussões e consenso, com a colaboração de um terceiro autor.

Principais resultados: 

Nós incluímos 67 estudos com 5438 participantes que forneceram 79 comparações. Quarenta e cinco RCTs compararam AASC versus controle, enquanto 18 compararam dois tipos diferentes de AASC. 10 compararam duas técnicas diferentes para administrar o mesmo tipo de AASC. Aquecimento com ar forçado (AAF) foi a intervenção mais estudada.

Estudos variaram amplamente quanto à aplicação das intervenções aplicadas isoladamente ou em combinação com outros métodos de aquecimento ativo ou passivo para manutenção da normotermia. O tipo de participantes e de intervenções cirúrgicas, assim como o manejo anestésico, intervenções simultâneas e o momento de avaliação dos desfechos também variaram amplamente. O risco de viés dos estudos incluídos foi amplamente incerto devido a limitações dos relatos. A maioria dos estudos não foi encoberta devido à natureza das intervenções e ao fato de que a temperatura era normalmente o principal desfecho. No entanto, como a medida dos desfechos pode ter sido conduzida de maneira encoberta, nós quantificamos o risco de detecção e performance de viés como alto.

A comparação do AASC versus o controle mostrou redução na taxa de infecção da ferida operatória (taxa de risco (TR) 0,36, 95% intervalo de confiança (IC) 0,20 a 0,66; 3 RCTs, 589 participantes, baixa qualidade de evidência). Apenas um estudo com baixo risco de viés observou um efeito benéfico com aquecimento com ar forçado nas principais complicações cardiovasculares (TR 0,22, 95% IC 0,05 a 1,00; 1 RCT com 12 eventos, 300 participantes, baixa qualidade de evidência) em pacientes com risco cardiovascular elevado. Não encontramos efeitos benéficos na mortalidade. AASC também diminuiu o sangramento durante a cirurgia, mas a magnitude desse efeito parece ser irrelevante (MD -46,17Ml, 95% IC -82,74 a -9,59; I2 = 78%; 20 estudos, 1372 participantes). A mesma conclusão se aplica ao total de líquidos infundidos durante a cirurgia (MD - 144.49 Ml, 95% IC -221.57 a -67.40; I2 = 73%; 24 estudos, 1491 participantes). Esses efeitos não se traduziram em uma diminuição significativa do número de participantes sendo transfundidos ou na quantidade média de hemotransfusões. AASC foi associado com uma redução no tremor (TR 0,39, 95% IC 0,28 a 0,54; 29 estudos, 1922 participantes) e em conforto térmico (média de diferenças padronizadas (MDP) 0,76, 95% IC 0,29 a 1,24; I2 = 77%, 4 estudos, 364 participantes).

Para a comparação entre diferentes tipos de sistema de AASC e de modos diferentes de administração de um tipo particular de AASC, não encontramos evidência de superioridade para nenhum dos sistemas em termos de desfechos clínicos, exceto na extensão do período de aquecimento com início no pré-operatório, em pacientes submetidos a cirurgias abdominais de grande porte (um estudo com baixo risco de viés).

Os dados sobre efeitos adversos são limitados (os mais relevantes estão relacionados a queimaduras). Enquanto alguns estudos incluíram o relato de não terem sido observados efeitos adversos, a maioria deles não faz nenhuma referência a isto. Não há nada no entanto que sugira que o AASC ofereça risco significativo para os pacientes.

Notas de tradução: 

Tradução da Unidade de Medicina Baseada em Evidências da Unesp, Brazil (Deise Martins Rosa) Contato: portuguese.ebm.unit@gmail.com Translation notes: CD009016

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