Porque é que esta questão é importante?
O lúpus eritematoso sistémico (LES; ou "lúpus") é uma doença em que o sistema imunitário (de defesa) do organismo ataca por engano os tecidos saudáveis em muitas partes do corpo. Trata-se de uma doença crónica (que dura mais de seis semanas e que, normalmente, se prolonga por toda a vida). Frequentemente, o LES provoca dores nas articulações e nos músculos, bem como cansaço extremo. Os sintomas podem melhorar temporariamente ou agravar-se subitamente (crises).
Não existe cura para o LES. No entanto, os tratamentos podem melhorar os sintomas. A inflamação causada pelo lúpus pode afetar as articulações, a pele, os rins, as células sanguíneas, o cérebro, o coração e os pulmões. A maioria das pessoas é tratada com glicocorticoides (medicamentos anti-inflamatórios; também designados por "esteroides/prednisolona/medrol/solumedrol") nalgum momento da evolução da doença. Estes medicamentos reduzem o inchaço e a dor associados à inflamação, mas podem ter efeitos adversos (indesejáveis) graves, como lesões renais. É por este motivo que é importante estudar outras opções de tratamento, como o belimumab.
Belimumab é uma proteína humana (anticorpo) que é administrada por injeção para diminuir a inflamação. Nas pessoas com LES, o belimumab impede o desenvolvimento e a sobrevivência das células que atacam os tecidos saudáveis do organismo (células B). O objetivo do belimumab é reduzir o número de células B, de modo a melhorar os sintomas.
Para saber mais sobre os benefícios e riscos do belimumab, analisámos a evidência dos estudos de investigação. Em particular, queríamos saber como é que o belimumab afeta:
- intensidade da doença;
- qualidade de vida relacionada com a doença;
- utilização de glicocorticoides; e
- efeitos adversos, incluindo: efeitos graves (por exemplo, doenças que afetam os rins ou o sistema nervoso), infeções graves (uma vez que os medicamentos anti-inflamatórios reduzem a capacidade do organismo para combater infeções), eventos adversos que levaram as pessoas a abandonar os estudos, e morte.
Como é que identificámos e avaliámos a evidência?
Em primeiro lugar, procurámos na literatura médica estudos que comparassem o belimumab com um tratamento placebo ou outro tratamento para o LES. Posteriormente, comparámos os resultados e resumimos a evidência de todos os estudos. Por fim, classificámos a nossa confiança na evidência encontrada, baseada em fatores como metodologia e tamanho da amostra e a consistência dos resultados entre os diferentes estudos.
O que encontrámos?
Encontrámos seis estudos que envolveram um total de 2.917 pessoas (maioritariamente mulheres) com idades compreendidas entre os 22 e os 80 anos. As pessoas foram seguidas durante um mínimo de 84 dias e um máximo de 76 semanas. Todos os estudos compararam o belimumab com um placebo.
Intensidade da doença
O belimumab é melhor do que o placebo na redução da intensidade do LES (4 estudos, 2.666 pessoas). O LES tornou-se menos intenso em 52% das pessoas tratadas com belimumab, em comparação com 39% das pessoas tratadas com placebo.
Qualidade de vida relacionada com a doença
A evidência sugere que existe provavelmente pouca ou nenhuma diferença entre o belimumab e o placebo no que respeita às alterações na qualidade de vida relacionada com a saúde (2 estudos, 801 pessoas). As escalas de qualidade de vida reportadas pelas pessoas tratadas com belimumab foram, em média, apenas 1,6 pontos mais elevadas do que as das pessoas tratadas com placebo (escala: 0 a 100, pontuações mais elevadas = melhor qualidade de vida).
Necessidade de glicocorticoides (medicamentos anti-inflamatórios)
É mais provável que o belimumab reduza a quantidade de glicocorticoides necessários do que o placebo. As doses de glicocorticoides foram reduzidas em pelo menos 50% em 30% das pessoas tratadas com belimumab, em comparação com 19% das pessoas tratadas com placebo (2 estudos, 537 pessoas).
Eventos adversos graves
A evidência sugere que pode haver pouca ou nenhuma diferença no número de eventos adversos graves atribuíveis ao belimumab ou ao placebo (5 estudos, 2890 pessoas). Temos pouca confiança nesta conclusão, uma vez que se baseia num número relativamente pequeno de acontecimentos adversos e que os estudos apresentaram resultados contraditórios.
Infeção grave
A evidência sugere que pode haver pouca ou nenhuma diferença no número de eventos adversos graves atribuíveis ao belimumab ou ao placebo (4 estudos, 2.185 pessoas). Estamos apenas moderadamente confiantes quanto a esta conclusão, porque se baseia num pequeno número de infeções.
Eventos adversos que levaram as pessoas a abandonar os estudos
A evidência sugere que existe provavelmente pouca ou nenhuma diferença entre o belimumab e o placebo no número de eventos adversos que levaram as pessoas a abandonar os estudos (5 estudos, 2.890 pessoas). Estamos apenas moderadamente confiantes quanto a esta conclusão, porque se baseia num pequeno número de eventos adversos .
Morte
Foram registadas poucas mortes (menos de 1%) em associação com belimumab ou placebo. Isto sugere que pode haver pouca ou nenhuma diferença no número de mortes entre os dois tratamentos, embora, devido ao facto de a morte ocorrer raramente, seja difícil ter confiança nesta conclusão.
O que significa isto?
Quando comparado com o placebo:
- o belimumab tem maior probabilidade de reduzir a atividade da doença de LES e de reduzir a quantidade de glicocorticoides necessários;
- o belimumab provavelmente faz pouca ou nenhuma diferença em relação a: melhoria da qualidade de vida relacionada com a saúde; número de acontecimentos adversos graves; e mortes; e
- o belimumab pode fazer pouca ou nenhuma diferença no número de infeções graves e no número de eventos adversos que levam as pessoas a abandonar os estudos.
Quão atualizada se encontra esta revisão?
A evidência nesta Revisão Cochrane encontra-se atualizada até setembro de 2019.
Ler o resumo científico
O belimumab, o primeiro medicamento biológico aprovado para o tratamento do lúpus eritematoso sistémico (LES), demonstrou reduzir os níveis de auto-anticorpos em pessoas com LES e ajudar a controlar a atividade da doença.
Objetivos
Avaliar os benefícios e os malefícios do belimumab (isolado ou em combinação) no lúpus eritematoso sistémico.
Métodos de busca
Um especialista em informação efetuou as pesquisas na CENTRAL, MEDLINE, Embase, CINAHL, Web of Science, Plataforma Internacional de Registo de Ensaios Clínicos da Organização Mundial de Saúde (OMS) e clinicaltrials.gov desde o início até 25 de setembro de 2019. Não havia restrições linguísticas ou de data.
Critério de seleção
Incluímos ensaios controlados aleatorizados (ECAs) ou ensaios clínicos controlados (ECCs) de belimumab (isolado ou em combinação) em comparação com placebo/tratamento controlo (fármacos imunossupressores, como azatioprina, ciclosporina, micofenolato mofetil ou outro biológico), em adultos com LES.
Coleta dos dados e análises
Utilizámos os procedimentos metodológicos padrão previstos pela Cochrane.
Principais resultados
Seis ECAs (2.917 participantes) foram qualificados para análises quantitativas. Todos os estudos incluídos eram multicêntricos, internacionais ou baseados nos EUA. A faixa etária dos participantes incluídos foi de 22 a 80 anos; a maioria eram mulheres; e a duração do estudo variou de 84 dias a 76 semanas. O risco de viés foi geralmente baixo, exceto para o viés de atrito, que foi elevado em 67% dos estudos.
Em comparação com o placebo, mais participantes sob belimumab 10 mg/kg (dose aprovada pela Food and Drug Administration (FDA)) mostraram pelo menos uma melhoria (redução) de 4 pontos na pontuação do Índice de Atividade da Doença do Lúpus Eritematoso Sistémico (SELENA-SLEDAI), um índice validado de atividade da doença do LES: (razão de risco (RR) 1,33, intervalo de confiança (IC) de 95% 1,22 a 1,45; 829/1.589 no grupo belimumab e 424/1.077 no grupo placebo; I 2 = 0%; 4 ECAs; evidência de elevado grau de certeza).
A mudança na qualidade de vida relacionada à saúde (HRQOL), avaliada pela melhoria na escala de Short Form-36 Physical Component Summary (no intervalo de 0 a 100), mostrou que provavelmente houve pouca ou nenhuma diferença entre os grupos (diferença média de 1,6 pontos, IC 95% 0,30 a 2,90; 401 no grupo belimumab e 400 no placebo; I 2 = 0%; 2 ECAs; evidência de moderado grau de certeza). O grupo belimumab 10 mg/kg apresentou uma melhoria superior na dose de glicocorticoides, com uma maior proporção de participantes a reduzir a dose em pelo menos 50% em comparação com o placebo (RR 1,59, IC 95% 1,17 a 2,15; 81/269 no grupo belimumab e 52/268 no placebo;I 2 = 0%; 2 ECAs; evidência de elevado grau de certeza).
A proporção de participantes que sofreram dano pode não diferir significativamente entre os grupos belimumab 10 mg/kg e placebo: um ou mais eventos adversos graves (RR 0,87, 95% CI: 0,68 a 1,11; 238/1.700 no grupo belimumab e 199/1.190 no grupo placebo; I 2 = 48%; 5 ECAs; evidência de baixo grau de certeza; ); uma ou mais infeções graves (RR 1,01, IC 95%: 0,66 a 1,54; 44/1.230 no grupo belimumab e 40/955 no grupo placebo; I 2 = 0%; 4 RCs; evidência de moderada certeza); e desistências devido a eventos adversos (RR 0,82, IC 95%: 0,63 a 1,07; 113/1.700 no grupo belimumab e 94/1.190 no grupo placebo; I 2 = 0%; 5 ECAs; evidência de moderada certeza). A mortalidade foi rara e pode não diferir entre belimumab 10 mg/kg e placebo (OR de Peto 1,15, IC 95% 0,41 a 3,25; 9/1.714 no grupo belimumab e 6/1.203 no grupo placebo; I 2 = 4%; 6 ECAs; evidência de baixa certeza).
Conclusão dos autores
Os seis estudos que forneceram evidência sobre os benefícios e malefícios do belimumab foram ensaios clínicos aleatorizados bem desenhados e de alta qualidade. Na dose aprovada pela FDA de 10 mg/kg, com base em dados de certeza moderada a elevada, o belimumab foi provavelmente associado a um benefício de eficácia clinicamente significativo em comparação com o placebo em participantes com LES às 52 semanas. As evidências relacionadas com os efeitos adversos são inconclusivas e, na sua maioria, de certeza moderada a baixa. São necessários mais dados sobre a eficácia a longo prazo do belimumab.
Traduzido por: Inês Sopa, Serviço de Reumatologia, Unidade Local de Saúde de Santa Maria. Revisão final: Ricardo Manuel Delgado, Knowledge Translation Team, Cochrane Portugal.