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Tratamento da epilepsia em mulheres grávidas: repercussões sobre a saúde física da criança

Contexto

Para a maioria das mulheres com epilepsia, continuar a medicação durante a gravidez é essencial para sua saúde. Nos últimos 40 anos, pesquisas mostraram que crianças expostas a medicamentos anticonvulsivantes no útero podem ter um risco maior de desenvolver malformações ou anomalias congênitas.

Pergunta da pesquisa

Esta revisão teve como objetivo entender se a exposição a medicamentos anticonvulsivantes durante a gravidez está relacionada a um risco aumentado de a criança nascer com uma malformação congênita estrutural grave (também conhecida como anomalia congênita).

Características dos estudos

A revisão incluiu 49 estudos publicados, abrangendo mais de 25.000 gestações em que medicamentos antiepiléticos foram utilizados. Comparamos os filhos de mulheres com epilepsia que estavam tomando um único medicamento anticonvulsivante com os filhos de mulheres sem epilepsia ou de mulheres que tinham epilepsia, mas que não estavam sendo tratadas com medicamentos anticonvulsivantes. Também fizemos comparações entre crianças expostas a diferentes medicamentos anticonvulsivantes no útero. As evidências apresentadas nesta revisão estão atualizadas até fevereiro de 2022.

Resultados

A quantidade de dados disponíveis dos estudos revisados variou muito dependendo do tipo de medicamento anticonvulsivante utilizado, o que pode explicar alguns achados.

A taxa de malformações em crianças nascidas de mulheres sem epilepsia ficou entre 2,1% e 3,3% e, para crianças nascidas de mulheres com epilepsia não tratada, essa taxa foi de 3,0% e 3,2%. Portanto, consideramos que o risco de nascer com uma malformação, em geral, está entre 2% e 3%. No geral, os dados não mostraram uma taxa maior de malformação em bebês expostos à lamotrigina (2,7% a 3,5%) ou ao levetiracetam (2,6% a 2,8%). No entanto, em um estudo bem conduzido, doses mais altas de lamotrigina foram associadas a um risco aumentado de malformações. Havia menos dados disponíveis sobre a exposição ao oxcarbazepina, mas, com base na experiência atual, não há um aumento significativo de malformações em bebês expostos (2,8% para 4,8%).

Crianças expostas ao valproato de sódio apresentaram maior risco de ter uma malformação, com 9,7% a 9,8% das crianças expostas apresentando uma ou mais malformações. Especificamente, os riscos eram maiores para malformações da coluna vertebral, esqueléticas, cardíacas e faciais. O nível de risco foi associado à dose de valproato utilizada; doses mais altas de valproato foram associadas a maiores taxas de malformações. O risco associado à exposição ao valproato foi maior do que o observado para outros antiepiléticos, incluindo aqueles com risco já elevado (por exemplo, topiramato ou fenobarbital).

Crianças expostas ao fenobarbital tiveram uma taxa maior de malformação, com 6,3% a 8,8% das crianças nascendo com malformação. Esse risco foi maior do que o de certos grupos não expostos a medicamentos anticonvulsivantes e de crianças nascidas expostas a outros medicamentos anticonvulsivantes. Entretanto, o risco foi menor do que aquele associado ao valproato. Crianças expostas ao fenobarbital apresentaram, principalmente, risco de malformações cardíacas.

Crianças expostas à fenitoína tiveram uma taxa maior de malformação, com 5,4% a 6,8% das crianças nascendo com malformação. Esse risco foi maior do que o observado em crianças não expostas e naquelas expostas a outros determinados medicamentos anticonvulsivantes. No entanto, os dados eram muito escassos para entender quais tipos específicos de malformação tinham maior probabilidade de ocorrer após a exposição intrauterina à fenitoína.

Crianças expostas à carbamazepina tiveram uma taxa aumentada de malformações, com 4,0% a 4,7% das crianças nascendo com malformação. Esse risco de malformação foi maior do que o de crianças não expostas e crianças expostas a outros medicamentos anticonvulsivantes. Foi constatado que o risco de malformação aumenta em doses mais altas de carbamazepina.

Houve menos gestações em mulheres expostas ao topiramato, mas observou-se uma taxa mais elevada de malformações, com 3,9% a 4,1% das crianças expostas apresentando alguma malformação. Esse número foi maior do que em crianças nascidas de mulheres sem epilepsia. Os dados demonstraram que crianças expostas ao topiramato apresentavam risco particular de malformações faciais.

Os dados foram muito limitados para que se possa ter certeza sobre os resultados de outros medicamentos anticonvulsivantes neste momento.

Qualidade dos estudos

A qualidade dos estudos incluídos variou, mas não consideramos que isso explique os resultados da revisão, nos quais foram observados diferentes níveis de risco associados a distintos medicamentos anticonvulsivantes.

Conclusões

Esta revisão descobriu que crianças expostas a determinados medicamentos anticonvulsivantes durante a gravidez apresentaram um risco aumentado de nascer com uma malformação congênita maior, e que, na maioria dos casos, o nível de risco está relacionado à dose do medicamento à qual a criança foi exposta. Levetiracetam e lamotrigina parecem ser os medicamentos anticonvulsivantes associados ao menor nível de risco, mas mais dados são necessários, particularmente em relação a tipos individuais de malformação e doses mais altas. Para muitos dos medicamentos anticonvulsivantes analisados nesta revisão, os dados disponíveis foram insuficientes para se chegar a conclusões.

Introdução

A exposição pré-natal a certos medicamentos anticonvulsivantes está associada a um risco aumentado de anomalias congênitas (AC) graves. A maioria das mulheres com epilepsia continua tomando medicamentos anticonvulsivantes durante a gestação e, portanto, são necessárias informações sobre os riscos potenciais associados ao tratamento com esses medicamentos.

Objetivos

Avaliar os efeitos da exposição pré-natal aos anticonvulsivantes na prevalência de AC graves na criança.

Métodos de busca

Para a atualização desta revisão, realizamos buscas nas seguintes bases de dados em 17 de fevereiro de 2022: Cochrane Register of Studies (CRS Web), MEDLINE (Ovid, 1946 a 16 de fevereiro de 2022), SCOPUS (1823 em diante) e ClinicalTrials.gov , WHO International Clinical Trials Registry Platform (ICTRP). Não houve restrições de idiomas.

Critério de seleção

Incluímos estudos de coorte controlados prospectivos, estudos de coorte inseridos em registros de gestação, ensaios clínicos randomizados e estudos epidemiológicos usando dados da rotina de registros de saúde. Os participantes eram mulheres com epilepsia em uso de anticonvulsivantes, enquanto os dois grupos controle eram mulheres sem epilepsia e mulheres com epilepsia que não estavam em tratamento.

Coleta dos dados e análises

Cinco autores selecionaram de maneira independente estudos para inclusão. Oito autores concluíram a extração de dados e/ou avaliações de risco de viés. O desfecho primário foi a presença de uma AC grave. Os desfechos secundários incluíram tipos específicos de AC graves. Quando a realização de meta-análise não foi possível, revisamos os estudos incluídos de forma narrativa.

Principais resultados

De 12.296 resumos, revisamos 283 publicações com texto completo, identificando 49 estudos com um total de 128 publicações. Os dados de gestações expostas a medicamentos antiepilépticos foram mais numerosos em estudos de coorte prospectivos (n = 17.963) do que em estudos epidemiológicos baseados em registros de saúde (n = 7.913). O risco de AC graves para filhos de mulheres sem epilepsia foi de 2,1% (IC 95% 1,5 a 3,0) em estudos de coorte e 3,3% (IC 95% 1,5 a 7,1) em estudos baseados em registros de saúde.

O risco conhecido associado à exposição ao valproato de sódio ficou evidente nas comparações, com uma prevalência combinada de 9,8% (IC 95% 8,1 a 11,9) nos dados de coorte e 9,7% (IC 95% 7,1 a 13,4) nos estudos baseados em registros de saúde. Esse risco foi elevado em quase todas as comparações com outros antiepilépticos em monoterapia, com diferenças de risco absoluto variando entre 5% e 9%. Vários estudos descobriram que o risco de AC graves depende da dose. Crianças expostas à carbamazepina apresentaram uma prevalência aumentada de AC graves tanto em estudos de coorte (4,7%, IC 95% 3,7 a 5,9) quanto em estudos baseados em registros de saúde (4,0%, IC 95% 2,9 a 5,4), sendo essa prevalência significativamente maior do que a observada em crianças nascidas de mulheres sem epilepsia nos estudos de coorte (RR 2,30, IC 95% 1,47 a 3,59) e nos estudos de baseados em registros de saúde (RR 1,14, IC 95% 0,80 a 1,64). Resultados semelhantes e significativos foram encontrados na comparação com crianças de mulheres com epilepsia não tratada, tanto nos estudos de coorte (RR 1,44, IC 95% 1,05 a 1,96) quanto nos estudos com registros de saúde (RR 1,42, IC 95% 1,10 a 1,83).

Para a exposição ao fenobarbital, a prevalência de AC graves foi de 6,3% (IC 95% 4,8 a 8,3) nos estudos de coorte e de 8,8% (IC 95% 0,0 a 9277,0) nos estudos baseados em registros de saúde. Esse risco aumentado foi significativo na comparação com crianças de mulheres sem epilepsia (RR 3,22, IC 95% 1,84 a 5,65) e na comparação com crianças nascidas de mulheres com epilepsia não tratada (RR 1,64, IC 95% 0,94 a 2,83) em estudos de coorte. Os dados de estudos baseados em registros de saúde foram limitados. Para a exposição à fenitoína, a prevalência de AC graves foi elevada nos estudos de coorte (5,4%, IC 95% 3,6 a 8,1) e nos estudos baseados em registros de saúde (6,8%, IC 95% 0,1 a 701,2). A prevalência de AC graves foi maior em crianças expostas à fenitoína em comparação com crianças nascidas de mulheres sem epilepsia (RR 3,81, IC 95% 1,91 a 7,57) e em comparação com crianças de mulheres com epilepsia não tratada (RR 2,01, IC 95% 1,29 a 3,12); não havia dados disponíveis de estudos baseados em registros de saúde.

Os dados combinados dos estudos de coorte indicaram um risco significativamente aumentado de AC graves para crianças expostas à lamotrigina em comparação com crianças nascidas de mulheres sem epilepsia (RR 1,99, IC 95% 1,16 a 3,39); com uma diferença de risco (DR) indicando um aumento de 1% no risco de AC graves (DR 0,01, IC 95% 0,00 a 0,03). Esse achado não foi replicado na comparação com crianças de mulheres com epilepsia não tratada (RR 1,04, IC 95% 0,66 a 1,63), que continha o maior grupo de crianças expostas à lamotrigina (> 2.700). Além disso, não houve diferença significativa na comparação com crianças de mulheres sem epilepsia (RR 1,19, IC 95% 0,86 a 1,64) e com crianças nascidas de mulheres com epilepsia não tratada (RR 1,00, IC 95% 0,79 a 1,28) em estudos baseados em registros de saúde. Para a exposição ao levetiracetam, os dados combinados forneceram riscos relativos semelhantes para mulheres sem epilepsia nos estudos de coorte (RR 2,20, IC 95% 0,98 a 4,93) e nos estudos baseados em registros de saúde (RR 0,67, IC 95% 0,17 a 2,66). Esses achados foram sustentados pelos resultados combinados de estudos de coorte (RR 0,71, IC 95% 0,39 a 1,28) e de estudos baseados em registros de saúde (RR 0,82, IC 95% 0,39 a 1,71) quando comparados com filhos de mulheres com epilepsia não tratada. Para a exposição ao topiramato, a prevalência de AC graves foi de 3,9% (IC 95% 2,3 a 6,5) nos estudos de coorte e de 4,1% (IC 95% 0,0 a 27.050,1) nos estudos baseados em registros de saúde. Os riscos relativos foram significativamente maiores para crianças expostas ao topiramato, em comparação com filhos de mulheres sem epilepsia nos estudos de coorte (RR 4,07, IC 95% 1,64 a 10,14). No entanto, essa diferença não foi significativa quando comparadas às crianças de mulheres com epilepsia não tratada (RR 1,37, IC 95% 0,57 a 3,27); atualmente, poucos dados estão disponíveis nos estudos baseados em registros de saúde. A exposição intrauterina ao topiramato também foi associada a um aumento significativo nos riscos relativos de fissuras orofaciais, em comparação com outros antiepilépticos. Os dados para todos os outros antiepiléticos eram extremamente limitados.

Considerando os estudos observacionais, todos apresentaram alto risco de certos vieses. No entanto, os vieses observados nos estudos com coleta de dados primários e no uso de dados secundários de registros de saúde foram distintos e, em parte, complementares. Os vieses foram equilibrados entre os medicamentos antiepiléticos investigados, e é improvável que os diferentes resultados observados entre eles sejam explicados apenas por esses vieses.

Conclusão dos autores

A exposição intrauterina a certos medicamentos antiepiléticos foi associada a um risco aumentado de certas AC graves, que, para muitos antiepiléticos, é dependente da dose.

Notas de tradução

Tradução do Cochrane Brazil (Nitza Ferreira Muniz e Mayara Rodrigues Batista). Contato: tradutores.cochrane.br@gmail.com

Citation
Bromley R, Adab N, Bluett-Duncan M, Clayton-Smith J, Christensen J, Edwards K, Greenhalgh J, Hill RA, Jackson CF, Khanom S, McGinty RN, Tudur Smith C, Pulman J, Marson AG. Monotherapy treatment of epilepsy in pregnancy: congenital malformation outcomes in the child. Cochrane Database of Systematic Reviews 2023, Issue 8. Art. No.: CD010224. DOI: 10.1002/14651858.CD010224.pub3.

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