Intervenções de grupos controle em ensaios clínicos randomizados para pessoas com transtorno de saúde mental

Esta revisão sistemática avalia os efeitos de diferentes intervenções de grupos controle em ensaios clínicos randomizados com pacientes que têm transtornos de saúde mental. Em estudos randomizados, os pacientes são distribuídos aleatoriamente em um de dois ou mais grupos – geralmente uma intervenção experimental e uma intervenção de controle. Existem muitos tipos de intervenções de controle em pesquisas sobre intervenções de saúde mental. Algumas das intervenções de controle mais comuns são diferentes tipos de placebos, que não têm o que se presume ser o componente ativo na intervenção experimental, e cuidados habituais, em que os pacientes recebem o tratamento padrão para o seu distúrbio de saúde mental na área onde vivem. Dois outros tipos de intervenções de controle são a lista de espera ou “nenhum tratamento”, em que os pacientes não recebem cuidados relacionados ao estudo durante o estudo (embora alguns pacientes possam receber cuidados fora do estudo). Se for provável que a intervenção experimental proporcione mais benefícios do que malefícios, os pacientes da lista de espera muitas vezes recebem a intervenção experimental após a finalização do estudo. Entretanto, os participantes de grupos chamados de “nenhum tratamento” não recebem a intervenção experimental.

Buscamos por estudos randomizados com pacientes com transtornos mentais nos quais as intervenções de lista de espera, cuidados habituais ou placebo foram comparadas com lista de espera ou nenhum tratamento. Analisamos as diferenças entre todos os tipos de intervenções de controle quanto aos seus efeitos benéficos e se causaram quaisquer efeitos adversos. Incluímos 96 estudos com um total de 4.200 participantes. Apenas 83 estudos (3.614 participantes) forneceram dados utilizáveis. Quinze diferentes transtornos de saúde mental foram incluídos. Todos os estudos apresentavam alto risco de viés (erros) na forma como foram conduzidos, o que reduziu a nossa confiança nos resultados. No entanto, o risco de viés deveu-se principalmente à falta de cegamento nos estudos com placebo, o que pode ser visto como um aspecto da questão metodológica e não como uma falha da própria revisão. Não encontramos diferenças clinicamente importantes entre os cuidados habituais ou intervenções de controle de lista de espera nas análises principais. No entanto, em nossas análises secundárias, encontramos uma diferença clinicamente importante favorável aos cuidados habituais. Em geral, as intervenções de controle com placebo tenderam a ser favoráveis ​​em relação às intervenções de controle de lista de espera ou “nenhum tratamento” em todos os transtornos de saúde mental. Não encontramos diferenças clinicamente importantes nos eventos adversos.

Esta revisão sugere que diferentes intervenções de controle podem produzir estimativas muito diferentes nos efeitos da intervenção experimental e que a escolha da intervenção de controle tem um grande impacto na eficácia estimada de um tratamento de saúde mental. As intervenções de controle em estudos com pacientes com transtornos de saúde mental são muitas vezes mal reportadas e são necessárias diretrizes para informar os pesquisadores sobre como desenvolver, relatar e interpretar adequadamente estes estudos.

Conclusão dos autores: 

Encontramos variações importantes entre os efeitos do placebo versus nenhum tratamento e lista de espera e entre os subtipos de placebos para as mesmas comparações. Quase todos os estudos eram pequenos, com considerável variabilidade metodológica e clínica em fatores como população de saúde mental, conteúdo das intervenções controle e desfechos. Todos os estudos tinham alto risco de viés e a certeza nas evidências foi baixa a muito baixa.

Quando os investigadores decidem utilizar placebos ou cuidados habituais em grupos controle em estudos com pessoas com transtornos de saúde mental, isso conduzirá frequentemente a efeitos estimados mais baixos da intervenção experimental do que quando eles utilizam grupos controle com listas de espera ou nenhum tratamento. A escolha de uma intervenção controle tem, portanto, um impacto considerável na eficácia estimada de um tratamento de saúde mental. O desenvolvimento de diretrizes metodológicas é necessário para chegar a um consenso sobre padrões futuros para o delineamento e relato de intervenções controle em pesquisas sobre intervenções para transtornos de saúde mental.

Leia o resumo na íntegra...
Introdução: 

As intervenções do grupo controle em ensaios clínicos randomizados fornecem um quadro de referência para as intervenções experimentais e permitem estimativas de causalidade. No caso de ensaios clínicos randomizados que avaliam pacientes com transtornos de saúde mental, muitas intervenções controle diferentes são utilizadas. A escolha do que utilizar no grupo controle pode ter um impacto considerável nos efeitos estimados dos tratamentos que estão sendo avaliados.

Objetivos: 

Avaliar os benefícios e malefícios de intervenções típicas de grupos controle em ensaios clínicos randomizados com pacientes com transtornos de saúde mental. A diferença entre os efeitos das intervenções de grupos controle representam o impacto direto que um grupo controle tem no efeito estimado de uma intervenção experimental. Nosso principal objetivo foi avaliar a diferença entre os efeitos de: (i) lista de espera versus nenhum tratamento, (ii) cuidados habituais versus lista de espera ou nenhum tratamento, e (iii) intervenções com placebo (todas as intervenções com placebo combinadas ou intervenções placebos psicológicas, farmacológicas e físicas isoladamente) versus lista de espera ou nenhum tratamento. Se uma intervenção oferecer mais benefícios do que malefícios, os pacientes da lista de espera recebem a intervenção experimental após a finalização do estudo. Entretanto, os participantes de grupos denominados como nenhum tratamento não recebem a intervenção experimental.

Métodos de busca: 

Em março de 2018, fizemos buscas no MEDLINE, PsycInfo, Embase, CENTRAL e outras sete bases de dados e seis plataformas de registros de ensaios clínicos.

Critério de seleção: 

Incluímos ensaios clínicos randomizados que compararam os efeitos da lista de espera, cuidados habituais ou intervenções com placebo versus lista de espera ou nenhum tratamento em pacientes com transtorno de saúde mental

Coleta dos dados e análises: 

Revisamos títulos, resumos e textos completos de estudos ​​para avaliar sua elegibilidade. Os autores da revisão, trabalhando de forma independente, extraíram os dados e avaliaram o risco de viés dos estudos incluídos usando a ferramenta de risco de viés da Cochrane. Usamos o GRADE para avaliar a certeza (qualidade) nas evidências. Entramos em contato com pesquisadores que trabalham na área para solicitar dados de estudos adicionais publicados e não publicados.

Usamos uma hierarquia de decisão pré-planejada para selecionar um desfecho de benefício e um de malefício de cada estudo. Para a avaliação dos benefícios, resumimos os dados contínuos como diferenças médias padronizadas (DMPs) e os dados dicotômicos como riscos relativos (RRs). Utilizamos diferenças de risco (DR) para a avaliação dos eventos adversos. Realizamos todas as análises estatísticas com o uso de modelos de efeitos aleatórios. Fizemos análises de subgrupo para explorar possíveis causas de heterogeneidade (por exemplo, tipo de placebo) e análises de sensibilidade para explorar a robustez das análises primárias (por exemplo, em análises com modelo de efeito fixo).

Principais resultados: 

Incluímos 96 ensaios clínicos randomizados (4.200 participantes), variando de 8 a 393 participantes em cada estudo. Somente 83 estudos (3.614 participantes) forneceram dados utilizáveis. Os estudos incluíram 15 distúrbios de saúde mental diferentes. Os distúrbios mais comuns foram ansiedade (25 estudos), depressão (16 estudos) e distúrbios do sono-vigília (11 estudos).

Todos os 96 estudos tinham alto risco de viés, em parte devido à incapacidade de cegar os participantes e os pesquisadores em estudos com duas intervenções controle. A certeza nas evidências foi classificada como baixa a muito baixa, principalmente devido ao risco de viés, imprecisão nas estimativas e inconsistência nos resultados.

Apenas um estudo comparou diretamente a lista de espera versus nenhum tratamento. Entretanto, os autores não forneceram quaisquer dados úteis sobre a comparação.

Cinco estudos compararam os cuidados habituais versus lista de espera ou nenhum tratamento e, para os benefícios, estes estudos encontraram uma DMP –0,33 (intervalo de confiança (IC 95%) -0,83 a 0,16, I² = 86%, 523 participantes).

A diferença de benefício entre todas as intervenções com placebo combinadas versus lista de espera ou nenhum tratamento foi de DMP −0,37 (IC 95% −0,49 a −0,25, I² = 41%, 65 estudos, 2.446 participantes). Houve evidência de assimetria no gráfico de funil (valor P do teste de Egger de 0,087). Quase todos os estudos eram pequenos. A análise de subgrupo mostrou um efeito moderado a favor dos placebos psicológicos (DMP -0,49, IC 95% -0,64 a -0,30; I² = 53%, 39 estudos, 1.656 participantes). A respeito dos benefícios, o efeito dos placebos farmacológicos versus lista de espera ou nenhum tratamento foi de DMP -0,14 (IC 95% -0,39 a 0,11, 9 estudos, 279 participantes) e o efeito dos placebos físicos foi de DMP -0,21 (IC 95% -0,35 para −0,08, I² = 0%, 17 estudos, 896 participantes). Encontramos grandes variações nos tamanhos dos efeitos das comparações de placebo psicológico e farmacológico. Para transtornos de saúde mental específicos, encontramos diferenças significativas a favor de todos os placebos para transtornos do sono-vigília, transtorno depressivo maior e transtornos de ansiedade. No entanto, as análises foram imprecisas devido à escassez de dados.

Não encontramos diferenças significativas entre os danos para nenhuma das comparações, mas as análises tinham poucos dados.

Ao utilizar um modelo de efeito fixo numa análise de sensibilidade na comparação entre cuidados habituais versus lista de espera e nenhum tratamento, os resultados foram significativos com uma DMP de –0,46 (IC 95% –0,64 a –0,28). Relatamos um modelo alternativo de risco de viés em que excluímos os domínios de cegamento, para ver como os problemas de cegamento podiam ser vistos como parte da própria investigação da revisão. No entanto, isto não alterou significativamente o perfil geral de risco de viés, uma vez que a maioria dos estudos ainda incluía um ou mais domínios de viés incertos.

Notas de tradução: 

Tradução do Cochrane Brazil (Ana Carolina Pereira Nunes Pinto). Contato: tradutores.cochrane.br@gmail.com

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