Lamotrigina como tratamento para a prevenção da recidiva da doença bipolar

Pergunta da revisão

Investigar a eficácia clínica (benefícios e riscos) da lamotrigina como tratamento de manutenção da doença bipolar em comparação com placebo, terapia combinada ou medicamentos existentes (por exemplo, lítio, olanzapina).

Contextualização

A lamotrigina está aprovada como tratamento de manutenção (tratamento de prevenção de recorrência) da doença bipolar. Pode ser uma estratégia de tratamento viável e eficaz para o tratamento de manutenção da doença bipolar, onde demonstrou um risco menor de recorrência comparativamente ao placebo. Além disso, tem sido descrita como tão eficaz quanto o lítio. Por conseguinte, realizámos uma revisão sistemática para confirmar a eficácia e segurança da lamotrigina no tratamento de manutenção (tratamento para prevenção de recorrência) da doença bipolar.

Principais conclusões

A evidência encontra-se atualizada até maio de 2021. Foram incluídos nesta revisão onze estudos com um total de 2314 participantes. 1146 participantes foram alocados à lamotrigina, e 1168 participantes à intervenção de controlo (869 receberam placebo e 299 receberam lítio).

A nossa revisão identificou o seguinte.

Lamotrigina versus placebo

Benefícios: verificou-se que a lamotrigina era superior ao placebo nas seguintes variáveis de resultado ou desfecho clínico.

1) Reduziu a taxa de recidiva dos sintomas maníacos

2) Suprimiu os sintomas depressivos.

3) Menor necessidade de agentes terapêuticos adicionais para a prevenção da recorrência de todos os sintomas.

4) Redução da taxa de suspensão por qualquer causa a seis meses ou mais após o início da intervenção

Riscos: o perfil de eventos adversos da lamotrigina foi semelhante ao do placebo.

Lamotrigina versus lítio

Benefícios: a lamotrigina foi tão eficaz quanto o lítio, exceto na recorrência de sintomas maníacos, para os quais a taxa foi superior nas pessoas que receberam lamotrigina relativamente às que receberam lítio.

Riscos: a taxa de eventos adversos associados à lamotrigina foi mais baixa do que a do lítio.

Nível de qualidade/confiança da evidência

Verificamos que o nível de qualidade/confiança da evidência incluída é muito baixa a moderada. Isto porque a maioria dos ensaios incluídos não descreveu a forma como foi feita a ocultação da alocação do tratamento. Dado que não fomos capazes de identificar evidência de alto nível de qualidade/confiança, as conclusões gerais desta revisão sistemática devem ser interpretadas de forma cautelosa.

Conclusões

A lamotrigina pode ser superior ao placebo em eficácia e pode ser comparável em termos de perfil de segurança. A lamotrigina foi tão eficaz quanto o lítio, exceto na taxa de recorrência de mania, e foi superior ao lítio em termos de perfil de segurança. São necessários estudos futuros com métodos robustos e formas transparentes de reportar os seus resultados para confirmar os nossos resultados e responder à nossa questão de revisão pré-especificada.

Conclusão dos autores: 

Evidência de baixo a moderado nível de qualidade/confiança sugere que a lamotrigina pode ser superior ao placebo como hipótese de tratamento para a doença bipolar. Em comparação com o lítio, as pessoas com doença bipolar parecem tolerar melhor a lamotrigina a longo prazo; contudo, a eficácia demonstrada no tratamento de manutenção da doença bipolar foi semelhante entre os dois grupos.

Leia o resumo na íntegra...
Introdução: 

A doença bipolar é uma doença mental crónica com episódios de mania/hipomania, bem como episódios depressivos, que acabam por resultar num impacto acentuado no funcionamento geral e na qualidade de vida relacionada com a saúde. A prevalência mundial está estimada em 2,4%. O risco de suicídio é maior nas pessoas com doença bipolar do que nas pessoas com outras doenças mentais. Portanto, a gestão eficaz da doença bipolar no período de manutenção é necessária para minimizar o risco de recidiva ou recorrência. Embora o lítio tenha sido o tratamento padrão da doença bipolar durante muitos anos, este está associado a efeitos adversos e teratogenicidade. A lamotrigina está aprovada para a prevenção da recorrência no tratamento de manutenção da doença bipolar. Além disso, a lamotrigina é tão eficaz como o lítio. Por conseguinte, realizámos uma revisão sistemática para confirmar a eficácia e segurança da lamotrigina no tratamento de manutenção da doença bipolar.

Objetivos: 

Avaliar a eficácia e tolerabilidade da lamotrigina no tratamento de manutenção da doença bipolar.

Métodos de busca: 

Fizemos buscas nas seguintes bases de dados, desde a sua criação e até 21 de maio de 2021: Cochrane Common Mental Disorders Group's Controlled Trials Register (CCMDCTR), Cochrane Central Register of Controlled Trials (CENTRAL), MEDLINE, Embase e PsycINFO. Também pesquisámos bases de dados internacionais de registos de ensaios clínicos e contactámos peritos na matéria.

Critério de seleção: 

Incluímos ensaios clínicos controlados e aleatorizados que selecionaram participantes adultos com doença bipolar e tratados com lamotrigina, placebo ou lítio.

Coleta dos dados e análises: 

Dois autores verificaram de forma independente a elegibilidade dos estudos e extraíram os dados utilizando um formulário padronizado. Os dados extraídos incluíram as caraterísticas do estudo, caraterísticas dos participantes, detalhes da intervenção, contexto clínico de utilização e medidas de resultado ou desfecho clínico relativas à eficácia e tolerabilidade. As informações dos estudos foram então introduzidas na plataforma RevMan Web.

Principais resultados: 

Incluímos 11 estudos com um total de 2314 participantes; 1146 foram aleatorizados para lamotrigina, 869 foram aleatorizados para placebo e 299 para lítio.

Classificámos todos os estudos como tendo um risco pouco claro de viés em pelo menos um domínio da ferramenta da Cochrane para avaliar o risco de viés, sendo o ponto fraco mais comummente observado o viés de seleção (geração da sequência de aleatorização e ocultação da alocação – allocation concealment). Considerámos cinco estudos como tendo um elevado risco de viés de deteção (ocultação da avaliação das variáveis de resultado ou desfecho clínico). Estes potenciais vieses representam uma ameaça importante à validade dos estudos incluídos nesta revisão.

Os resultados de eficácia mostraram uma possível vantagem da lamotrigina face ao placebo. A razão de riscos estimada (RR) para a recorrência de sintomas maníacos a um ano, avaliado pela Young Mania Rating Scale (YMRS) foi de 0,67 (intervalo de confiança de 95% (IC) 0,51 a 0,87; 3 estudos, 663 participantes; nível de qualidade/confiança da evidência baixo), a favor da lamotrigina. O RR de agravamento clínico com a necessidade de tratamento psicofarmacológico adicional (RR 0,82, 95% CI 0,70 a 0,98; 4 estudos, 756 participantes) com base em evidência de moderado nível de qualidade/confiança. Os possíveis benefícios da lamotrigina também foram observados na variável de resultado clínico relativa à suspensão do tratamento por qualquer motivo aos 6-12 meses após início do tratamento (RR 0,88, 95% IC 0,78 a 0,99; 4 estudos, 700 participantes; nível de qualidade/confiança da evidência moderado). Relativamente à tolerabilidade, as nossas análises mostraram que as taxas de incidência de efeitos adversos eram semelhantes entre o grupo da lamotrigina e o grupo do placebo (efeito a curto prazo: RR 1,07, 95% IC 0,81 a 1,42; 5 estudos, 1138 participantes; nível de qualidade/confiança na evidência muito baixo; efeito a longo prazo: RR 0,97, 95% IC 0,77 a 1,23; 4 estudos, 756 participantes; nível de qualidade/confiança da evidência moderado).

Na comparação entre a lamotrigina e o lítio, a eficácia foi semelhante entre os dois grupos, exceto no caso da recorrência de episódio maníaco a um ano. A recorrência de sintomas maníacos foi maior no grupo da lamotrigina do que no grupo do lítio (RR 2,13, 95% IC 1,32 a 3,44; 3 estudos, 602 participantes; nível de qualidade/confiança da evidência moderado). A análise dos efeitos adversos aos 6-12 meses mostrou que uma proporção menor de participantes experimentou pelo menos um efeito adverso quando tratados com lamotrigina em comparação com o lítio (RR 0,70, 95% IC 0,51 a 0,96; 4 estudos, 691 participantes; nível de qualidade/confiança da evidência moderado).

Notas de tradução: 

Traduzido por: Manuel Gonçalves-Pinho, Rafael Vieira e Luís Azevedo - MEDCIDS & CINTESIS@RISE, Faculdade de Medicina, Universidade do Porto, com o apoio da Cochrane Portugal. Revisão final: Ricardo Manuel Delgado, Cochrane Portugal.

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