Tratamentos farmacológicos para a perturbação de jogo

Contexto

Os problemas de jogo podem ter consequências graves para os jogadores, seus familiares e amigos, e para a comunidade. É utilizada uma gama de medicamentos para tratar pessoas com problemas de jogo, mas há poucas revisões de alta qualidade sobre a evidência da investigação para orientar quais devem ser utilizadas na prática.

Pergunta de revisão

Investigámos se os diferentes tipos de medicamentos são eficazes na redução dos sintomas da perturbação de jogo em comparação com nenhum tratamento (ou seja, placebo, ou tratamento fictício) ou outros tipos de medicamentos.

Caraterísticas do estudo

Incluímos ensaios aleatórios (ensaios de gold-standard para avaliar a eficácia dos tratamentos em que os participantes são designados aleatoriamente para um de dois ou mais tratamentos) publicados antes de janeiro de 2022. Foram incluídos 17 estudos nesta revisão, com um total de 1193 participantes. Estes estudos compararam antidepressivos (medicamentos utilizados para prevenir ou tratar a depressão), antagonistas opióides (medicamentos que revertem e bloqueiam os efeitos dos opióides como os analgésicos e a heroína; por exemplo, naltrexona, nalmefeno), estabilizadores do humor (medicamentos que tratam e previnem altos (mania) e baixos (depressão)), e antipsicóticos atípicos (medicamentos usados para tratar a esquizofrenia ou para ajudar a tratar outras perturbações psiquiátricas) com um grupo de controlo sem tratamento (i.e. placebo) ou uns com os outros. Explorámos a eficácia destes tratamentos numa série de resultados: gravidade dos sintomas da perturbação de jogo, despesas de jogo, frequência de jogo, sintomas depressivos, sintomas de ansiedade, incapacidade funcional (limitações devidas à doença), e estado de resposta (ou seja, resposta positiva ao tratamento baseado em sintomas ou comportamento de jogo, ou ambos).

Resultados principais

Antidepressivos: Combinámos o resultado de seis estudos (268 participantes) investigando a eficácia dos antidepressivos. No final do tratamento, não existiram diferenças claras entre os antidepressivos e nenhum tratamento em qualquer medida em que existisse mais do que um estudo disponível: gravidade dos sintomas da perturbação de jogo, gastos com o jogo, sintomas depressivos, deficiência funcional, ou estado de resposta.

Antagonistas dos opióides: Combinámos o resultado de quatro estudos (562 participantes) investigando a eficácia dos antagonistas dos opióides. Mais do que um estudo avaliou a gravidade dos sintomas da perturbação de jogo e o estado de resposta. No final do tratamento, estes medicamentos foram mais úteis do que nenhum tratamento para melhorar a gravidade dos sintomas da perturbação de jogo, mas não houve diferenças claras em termos de estado de resposta.

Estabilizadores do humor: Combinámos o resultado de dois estudos (71 participantes) investigando a eficácia dos medicamentos com propriedades de estabilização do humor. No final do tratamento, não existiram diferenças claras entre os estabilizadores do humor e nenhum tratamento em qualquer medida em que existisse mais do que um estudo disponível: gravidade dos sintomas da perturbação de jogo, sintomas depressivos ou sintomas ansiosos.

Antipsicóticos atípicos: Combinámos o resultado de dois estudos (63 participantes) investigando a eficácia do antipsicótico atípico olanzapina. No final do tratamento, este medicamento foi mais útil do que nenhum tratamento para reduzir a gravidade dos sintomas da perturbação de jogo.

Comparações entre medicamentos: Identificámos muito poucos estudos que comparassem a eficácia de diferentes tipos de medicamentos. Dois estudos compararam antidepressivos com antagonistas opióides; dois estudos compararam antidepressivos com estabilizadores do humor; e um estudo comparou antagonistas opióides e estabilizadores do humor. No final do tratamento, não havia diferenças claras entre qualquer um destes medicamentos em relação a qualquer medida.

Efeitos adversos: Vários efeitos adversos comuns (efeitos secundários) foram relatados por pessoas que receberam antidepressivos (por exemplo, dores de cabeça, náuseas, diarreia/sintomas gastrointestinais) e antagonistas opióides (por exemplo, náuseas, boca seca, obstipação). Os efeitos adversos relatados por pessoas que receberam estabilizadores do humor (por exemplo, cansaço, dores de cabeça, dificuldades de concentração) ou antipsicóticos atípicos (por exemplo, pneumonia, sedação, humor elevado) não foram consistentes. Os mais propensos a parar o tratamento devido a efeitos adversos estavam a receber antagonistas opióides, seguidos de antidepressivos, antipsicóticos atípicos, e estabilizadores do humor.

Qualidade da evidência

Apenas um número limitado de estudos com um pequeno número de participantes investigou a eficácia de cada tipo de medicamento. Considerámos a qualidade da evidência na maioria dos resultados desta análise como muito baixa ou baixa, o que significa que estamos incertos quanto aos resultados.

Conclusão

Com base numa pequena quantidade de evidência de baixa qualidade, concluímos que os antagonistas opióides e os antipsicóticos atípicos (mas aparentemente não antidepressivos) podem ser eficazes na redução da gravidade dos sintomas da perturbação de jogo. Não existiu informação suficiente para determinar se estes medicamentos podem melhorar outros sintomas psicológicos. Os resultados relacionados com os estabilizadores do humor são incertos. Não sabemos quão eficazes estes medicamentos são a longo prazo. É necessária mais investigação antes de podermos tirar quaisquer conclusões firmes sobre a eficácia dos medicamentos para problemas de jogo.

Notas de tradução: 

Traduzido por: Eduarda Rodrigues Costa, Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental da Infância e da Adolescência, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, Rosário Ribeiro Cunha, Universidade Católica Portuguesa. Revisão final: Knowledge Translation Team, Cochrane Portugal.

Tools
Information