Uso de colírios com anti-inflamatório não esteroide (AINE) para prevenir o edema macular após cirurgia de catarata

Qual o objetivo desta revisão?
O objetivo desta revisão Cochrane foi descobrir se o uso de colírios com anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) poderia prevenir uma complicação da cirurgia de catarata que ameaça a visão, o edema macular (inchaço no fundo do olho). Os pesquisadores da Cochrane coletaram e analisaram todos os estudos relevantes para responder a essa questão e encontraram 34 estudos.

ResultadosExiste apenas evidência de baixa qualidade que apoie o uso de colírios com AINEs para prevenir o edema macular que afeta a visão após a cirurgia de catarata.

O que foi estudado nesta revisão?Existe no olho uma lente transparente (o cristalino) que focaliza a luz na parte de trás do olho. Com o envelhecimento, essa lente torna-se turva. A turvação dessa lente é conhecida como catarata. Os médicos podem extrair o cristalino opacificado e substituí-lo por uma lente artificial. Geralmente, essa cirurgia é bem-sucedida. Ocasionalmente, algumas pessoas submetidas a essa cirurgia podem ter um inchaço na parte de trás do olho. Esse inchaço é conhecido como edema macular. Geralmente o edema melhora sozinho, mas se persistir, pode resultar em visão fraca.

Os AINEs são remédios usados para tratar a inflamação. Eles podem reduzir as chances desse inchaço acontecer. Os AINEs estudados nesta revisão foram dados na forma de colírio.

Quais os principais resultados desta revisão?Os autores desta revisão encontraram 34 estudos relevantes. Esses estudos foram conduzidos em várias partes do mundo, incluindo as Américas, Europa, região leste do Mediterrâneo e Sudeste Asiático. A maioria dos estudos (28) comparou o uso de colírios com AINEs junto com esteroides versus o uso isolado de colírios de esteroides. Alguns estudos (6) compararam os AINEs sozinhos versus os esteroides. Uma variedade de AINEs foi usada, incluindo cetorolaco, diclofenaco, nepafenaco, indometacina, bronfenaco, flubiprofeno e pranoprofeno. Os participantes desses estudos foram acompanhados por períodos que variaram de 1 até 12 meses após a cirurgia. A maioria dos estudos acompanhou os participantes por 2 meses ou menos. Seis estudos foram financiados por fabricantes de remédios, sete foram financiados por outras fontes e os outros estudos não revelaram a fonte de financiamento.

Existe evidência de baixa qualidade de que o uso de colírios com AINEs reduz a chance de as pessoas terem uma baixa visão devido ao edema macular três meses após a cirurgia de catarata. Apenas um estudo avaliou o risco de baixa visão devido ao edema macular após 12 meses da cirurgia; portanto, concluímos que existe evidência de muito baixa qualidade para essa avaliação.

O uso de AINEs foi associado com diminuição do risco de edema macular, mas os autores da revisão classificaram essa evidência como sendo de baixa qualidade.

Encontramos resultados inconsistentes em relação a algumas medidas do edema macular 3 meses após a cirurgia, como a espessura do tecido na parte posterior do olho (espessura da retina central). Nenhum dos estudos fez essa medida 12 meses após a cirurgia.

Similarmente, encontramos resultados inconsistentes em relação à acuidade visual (capacidade de enxergar); mas a maioria dos estudos encontrou pequenas diferenças entre as pessoas que usaram AINEs e as que não usaram AINEs.

Apenas um estudo avaliou a qualidade de vida dos participantes, e sugeriu que o uso dos colírios com AINEs teve pouco impacto sobre a qualidade de vida delas.

O principal evento adverso relatado foi a sensação de queimação nos olhos.

Quão atualizada esta revisão está?Os autores desta revisão fizeram a busca por estudos publicados até 2 de setembro de 2016.

Conclusão dos autores: 

O uso de AINEs tópicos após cirurgia de catarata pode reduzir o risco de desenvolver edema macular, porém é possível que haja exagero nas estimativas da magnitude dessa redução. Não está claro o quanto essa redução tem impacto na função visual e qualidade de vida dos pacientes. Há pouca evidência que sugira algum efeito importante na visão após a cirurgia. Existe incerteza quanto ao valor de adicionar AINEs aos esteroides ou usá-los como uma alternativa aos esteroides tópicos visando reduzir o risco de desfecho visual pobre após cirurgia de catarata. Estudos futuros devem abordar a incerteza clínica remanescente sobre os benefícios do uso profilático dos AINEs, especialmente no longo prazo (pelo menos 12 meses após a cirurgia). Esses estudos devem ter tamanhos amostrais suficientes para poder detectar redução no risco do desfecho de maior interesse para os pacientes, que é o edema macular crônico levando à perda visual.

Leia o resumo na íntegra...
Introdução: 

O edema macular (EM) consiste no acúmulo de líquido extravascular no centro da retina (mácula). Ele pode ocorrer após cirurgia de catarata e pode aumentar o risco de baixa visão, com diminuição da acuidade visual e distorção da visão central. O EM é frequentemente autolimitado com resolução espontânea. Porém, uma pequena parcela dos pacientes pode ter EM crônico e de difícil tratamento. O EM macular crônico pode levar à formação de cistos retinianos (edema macular cistoide). Os antiinflamatórios não esteroides (AINEs) são comumente usados em cirurgias de catarata e podem reduzir as chances de desenvolver EM.

Objetivos: 

O objetivo desta revisão é responder à pergunta: existe evidência que apoie o uso profilático pós-operatório de AINEs tópicos combinados com, ou em vez de esteroides tópicos, para diminuir a incidência de edema macular e morbidade visual associada.

Métodos de busca: 

Fizemos buscas em diversas bases de dados eletrônicas, incluindo CENTRAL, MEDLINE e Embase. A última busca foi realiza em 2 de setembro de 2016.

Critério de seleção: 

Incluímos ensaios clínicos randomizados envolvendo adultos submetidos a cirurgia de catarata senil. Incluímos participantes independentemente do seu risco inicial para EM; incluímos pacientes com diabetes e uveíte. Incluímos estudos que usaram AINEs tópicos pré e/ou pós-operatório, associados com esteroide tópico pós-operatório. O grupo de comparação usou esteroide tópico isolado. Outra comparação foi o uso isolado de AINEs tópicos pré e/ou pós-operatório versus o uso isolado de esteroide pós-operatório.

Coleta dos dados e análises: 

Dois autores, trabalhando de forma independente, selecionaram os estudos, analisaram o risco de viés e extraíram os dados, usando os métodos da Cochrane. Combinamos os dados em metanálises usando o modelo de efeito aleatório. Classificamos a qualidade das evidências usando o método GRADE, levando em consideração os seguintes aspectos: limitações metodológicas (risco de viés) dos estudos incluídos, imprecisão, inconsistência, evidência indireta e viés de publicação.

Principais resultados: 

Identificamos 34 estudos, conduzidos nas Américas, Europa, região leste do Mediterrâneo e Sudeste Asiático, que incluíram mais de 5.000 pessoas. A maioria dos estudos avaliou um olho por participante; uma minoria (4 estudos) avaliou algumas pessoas com cirurgia bilateral. Dentre os estudos incluídos, 28 compararam AINEs mais esteroides versus esteroide isolado e 6 estudos compararam AINEs versus esteroide. Diversos tipos de AINE foram usados, incluindo cetorolaco, diclofenaco, nepafenaco, indometacina, bronfenaco, flubiprofeno e pranoprofeno. O seguimento variou de 1 até 12 meses. Em geral, a qualidade da descrição dos estudos foi baixa. Nenhum dos estudos foi classificado como tendo baixo risco de viés em todos os domínios. Seis estudos foram financiados pela indústria, sete foram financiados por outros meios que não a indústria e os outros não revelaram a fonte de financiamento.

Existe evidência de baixa qualidade de que as pessoas que recebem AINEs tópicos combinados com esteroides têm menor risco de perda de visão devido ao EM após três meses da cirurgia de catarata, quando comparadas com pessoas que receberam apenas esteroides isolados: risco relativo (RR) 0,41, intervalo de confiança (IC) de 95% 0,23 - 0,76; 1360 olhos; 5 estudos; I2 = 5%. Baixamos a qualidade da evidência devido ao risco de viés dos estudos incluídos e evidência indireta, uma vez que o grau de perda visual nem sempre estava claro. Apenas um estudo reportou baixa de visão devido ao EM aos 12 meses. Porém, como havia apenas dois eventos, a qualidade da evidência foi considerada como muito baixa. A qualidade de vida foi avaliada em apenas um dos 34 estudos, que comparou AINEs mais esteroides versus esteroides isolados. Porém esse estudo apenas relatou que não encontrou diferenças entre os grupos, sem apresentar maiores detalhes sobre esse desfecho. Encontramos evidência de redução do risco de EM com AINEs, três meses após a cirurgia (RR 0,40, IC 95% 0,32 - 0,49; 3.638 olhos, 21 estudos). Porém a qualidade dessa evidência foi considerada muito baixa devido a limitações metodológicas e viés de publicação. A evidência para a espessura central da retina aos três meses após a cirurgia foi inconsistente (I2 = 87%). Os resultados variaram de -30,9 µm a favor dos AINEs mais esteroides até 7,44 µm a favor dos esteroides isolados. Similarmente, os dados sobre a melhor acuidade visual corrigida foram inconsistentes; porém 9 dos 10 estudos que reportaram esse desfecho encontraram diferenças de acuidade visual entre os grupos menores que 0,1 logMAR.

Nenhum dos seis estudos que compararam AINEs isolados versus esteroides avaliou piora da visão por EM aos 3 ou 12 meses. Encontramos evidência de baixa qualidade de que a espessura central da retina era menor no grupo AINE aos três meses (diferença média-DM 22,65 µm, IC 95% -38,86 a -6,43; 121 olhos; 2 estudos). Cinco estudos avaliaram EM e relataram um risco reduzido com os AINEs, mas essa evidência foi considerada de baixa qualidade (RR 0,27, IC 95% 0,18 - 0,41; 520 olhos). Três estudos avaliaram a melhor acuidade visual corrigida no terceiro mês pós-cirurgia e os resultados desses estudos foram inconsistentes, mas todos encontraram diferenças menores que 0,1 longMAR entre os grupos.

Não encontramos nenhum efeito adverso maior – o relato mais frequente foi sensação de queimação com o uso dos AINEs.

Notas de tradução: 

Tradução do Centro Cochrane do Brasil (Julia Pozzetti Daou) – contato: tradutores@centrocochranedobrasil.org.br

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