Mensagens‐chave
- Não foi possível explorar completamente se existem diferenças entre mulheres e homens migrantes na forma como eles acessam, entendem, avaliam e aplicam informações de saúde, principalmente porque há muito pouca pesquisa com homens migrantes.
- Três estudos conduzidos com mulheres migrantes indicaram que papéis específicos de gênero em diferentes comunidades e culturas podem influenciar a maneira como as informações de saúde são acessadas, compreendidas e aplicadas.
O que queríamos saber?
Nosso objetivo principal era descobrir se há diferenças na forma como mulheres e homens migrantes (ou seja, que se mudaram para viver em um país estrangeiro) acessam, entendem, avaliam e aplicam informações de saúde. Para nos ajudar a entender as evidências, usamos uma abordagem chamada "estrutura de melhor ajuste" e um modelo conhecido como "processamento de informações de literacia em saúde". As quatro etapas do processamento de informações de saúde — a capacidade de acessar, entender, avaliar e aplicar informações de saúde — são o que definimos como "literacia em saúde" de uma pessoa.
O que nós fizemos?
Estávamos interessados em estudos qualitativos (por exemplo, estudos em que as pessoas compartilham suas opiniões e perspectivas sobre um determinado tópico de saúde por meio de entrevistas ou discussões em grupo). Realizamos outra revisão paralelamente a esta para descobrir a efetividade de diferentes intervenções para melhorar a educação em saúde de mulheres e homens migrantes. Em seguida, integramos as descobertas dessa revisão com esta da Cochrane para explicar até que ponto fatores específicos de gênero e migração podem desempenhar um papel no desenvolvimento e na entrega de intervenções de literacia em saúde.
Para esta revisão qualitativa, buscamos estudos qualitativos que estivessem diretamente relacionados às intervenções na revisão de efetividade vinculada. Estávamos interessados em estudos conduzidos paralelamente aos estudos de efetividade. Esses eram estudos que exploravam as percepções e opiniões de pessoas de diferentes origens culturais sobre um determinado tópico de saúde para ajudar a desenvolver uma intervenção ou explorar suas experiências com uma intervenção da qual participaram. Utilizamos as quatro etapas do modelo de processamento de informações de saúde (descrito acima) para orientar nossa síntese desses dados. Também avaliamos a qualidade dos estudos e classificamos nossa confiança nas evidências, com base em fatores como adequação e relevância.
O que nós encontramos?
Incluímos 27 estudos. Onze estudos incluíram apenas mulheres, um estudo incluiu apenas homens e 15 estudos incluíram mulheres e homens. A idade dos participantes do estudo variou de 26 a 87 anos. A maioria dos estudos foi conduzida nos EUA ou Canadá e incluiu principalmente pessoas de origem latina/hispânica (por exemplo, do Caribe, América Central ou América do Sul). A segunda origem mais comum das pessoas foi a asiática (por exemplo, chinesa, coreana, punjabi). O tempo que os participantes viveram no novo país variou de um mês a 38 anos.
Três estudos sobre mulheres migrantes forneceram evidências sobre aspectos relacionados às mulheres migrantes, alguns dos quais também indicaram diferenças entre mulheres e homens
Em relação ao acesso às informações de saúde, mulheres migrantes de origem afegã e coreana em dois estudos preferiram ter acesso a uma médica em vez de um médico por motivos pessoais, como sentimentos de vergonha ou humilhação, ou devido a normas culturais. Outra descoberta sobre o acesso foi a percepção dos maridos como guardiões; mulheres de origem afegã mencionaram que, em sua cultura, os homens são os chefes da família e os tomadores de decisões no lar, inclusive sobre questões pessoais de saúde que afetam as mulheres. Nossa terceira descoberta sobre o acesso foi que a proficiência limitada em inglês das mulheres afegãs dificultou seu acesso a informações e serviços de saúde.
Em relação à compreensão de informações sobre saúde, identificamos baixos níveis de literacia entre as mulheres afegãs, pois elas relataram capacidade limitada de escrita e leitura.
Não encontramos nenhuma evidência sobre a terceira etapa do processamento de informações de saúde - avaliação de informações de saúde.
Em relação à aplicação das informações de saúde, as mulheres de origem mexicana e afegã declararam que o papel das mulheres na comunidade as impedia de manter sua própria saúde e de se tornarem uma prioridade; isso impedia a aplicação das informações de saúde.
Quais são as limitações das evidências?
Classificamos nossa confiança nas evidências como moderada. Tínhamos preocupações pequenas ou muito pequenas quanto às limitações metodológicas dos estudos, mas sérias preocupações quanto à adequação das evidências, já que as evidências sobre aspectos de gênero provêm de apenas três estudos e esses estudos incluíram apenas mulheres. Não fomos capazes de explorar a literacia em saúde de homens migrantes devido à falta de pesquisas envolvendo homens.
Sugerimos que mais pesquisas sobre a percepção da literacia em saúde dos migrantes do sexo masculino e seus desafios relacionados à saúde sejam necessárias, principalmente para explorar possíveis diferenças entre mulheres e homens. Além disso, há necessidade de mais pesquisas em diferentes países e sistemas de saúde para criar um quadro mais abrangente dos aspectos da literacia em saúde no contexto da migração.
Quão atuais são essas evidências?
Buscamos estudos eletronicamente até maio de 2021. Realizamos buscas manuais e contatamos os autores dos estudos até setembro de 2022.
A questão de saber se existem diferenças de gênero na literacia em saúde de migrantes não pode ser totalmente respondida nesta síntese de evidências qualitativas. Resultados específicos de gênero foram apresentados em apenas três dos 27 estudos incluídos. Essas descobertas representavam apenas as opiniões de mulheres afegãs, mexicanas e coreanas e provavelmente eram específicas de cada cultura. Não conseguimos explorar a percepção da literacia em saúde de migrantes do gênero masculino devido à notável falta de pesquisas envolvendo homens migrantes.
São necessárias pesquisas sobre a percepção da literacia em saúde entre migrantes do gênero masculino e seus desafios relacionados à saúde, bem como mais pesquisas sobre possíveis diferenças e papéis de gênero no contexto da migração. Também, há necessidade de mais pesquisas em diferentes países e sistemas de saúde para construir um panorama mais abrangente da literacia em saúde entre populações migrantes.
A literacia em saúde pode ser definida como o conhecimento, a motivação e a competência de uma pessoa em quatro etapas do processamento de informações relacionadas à saúde: acessar, compreender, avaliar e aplicar informações relacionadas à saúde. Indivíduos com experiência migratória podem enfrentar dificuldades ou barreiras nessas etapas, o que pode, por sua vez, resultar em desfechos de saúde piores em comparação com os da população geral. Além disso, mulheres e homens têm diferentes desafios e necessidades de saúde e podem responder de forma diferente a intervenções destinadas a melhorar a literacia em saúde. Nesta revisão, usamos "gênero" em vez de "sexo" para discutir as diferenças entre homens e mulheres porque gênero é um termo amplo que se refere a papéis, identidades, comportamentos e relacionamentos associados a ser homem ou mulher.
O objetivo geral desta síntese de evidências qualitativas (QES) foi explorar e explicar prováveis diferenças de gênero na literacia em saúde de migrantes. As descobertas desta QES podem fornecer uma compreensão abrangente das diferenças de gênero no desenvolvimento, implementação e efetividade de intervenções para melhorar a literacia em saúde de migrantes do gênero feminino e masculino. Esta síntese de evidências qualitativas teve os seguintes objetivos específicos:
- explorar se existem diferenças de gênero na literacia em saúde de migrantes;
- identificar fatores que possam estar na base das diferenças de gênero nas quatro etapas do processamento da informação em saúde (acesso, compreensão, avaliação e aplicação);
- explorar e explicar as diferenças de gênero identificadas - ou não - na efetividade das intervenções de literacia em saúde avaliadas na revisão de efetividade vinculada a esta QES (Baumeister 2023);
- explicar, por meio da síntese dos achados de Baumeister 2023 e desta QES, em que medida fatores específicos de gênero e migração podem desempenhar um papel no desenvolvimento e na implementação de intervenções em literacia em saúde.
Realizamos buscas eletrônicas nas bases MEDLINE, CINAHL, PsycINFO e Embase até maio de 2021. Pesquisamos registros de estudo e anais de congressos Realizamos uma extensa busca manual e contatamos os autores dos estudos para identificar todos os estudos relevantes. Não houve restrições em nossa busca em termos de gênero, etnia ou geografia.
Incluímos estudos qualitativos complementares diretamente associados às intervenções identificadas na revisão de efetividade que realizamos em paralelo a esta QES. Os estudos envolveram adultos que eram migrantes de primeira geração (ou seja, tiveram uma experiência direta migratória) e usaram métodos qualitativos para extração e análise dos dados.
Utilizamos um formulário desenvolvido especificamente para esta revisão para extrair os dados. Avaliamos as limitações metodológicas dos estudos incluídos usando a lista de verificação CASP (Critical Appraisal Skills Programme) Qualitative Studies). A abordagem de síntese de dados que adotamos foi baseada na síntese por estrutura de "melhor ajuste. Utilizamos a abordagem GRADE-CERQual (confiança nas evidências de revisões de pesquisas qualitativas) para avaliar nosso nível de confiança em cada descoberta. Seguimos as diretrizes do PRISMA-E para relatar nossas descobertas sobre equidade.
Incluímos 27 estudos qualitativos de estudos complementares diretamente associados a 24 intervenções avaliadas em uma revisão de efetividade vinculada (Baumeister 2023), que conduzimos em paralelo com esta QES. Onze estudos incluíram apenas mulheres, um incluiu apenas homens e 15 incluíram ambos. A maioria dos estudos foi conduzida nos EUA ou Canadá e incluiu principalmente pessoas de origem latina e hispânica. A segunda origem mais comum foi a asiática (por exemplo, chinesa, coreana, punjabi). Alguns estudos careciam de informações sobre o recrutamento dos participantes e consideração de aspectos éticos. Faltou reflexividade: apenas um estudo continha uma reflexão sobre a relação entre o pesquisador e os participantes e seu impacto na pesquisa.
Nenhum dos estudos abordou nosso objetivo principal. Apenas três estudos forneceram resultados sobre os aspectos de gênero. Esses estudos foram conduzidos apenas com mulheres. Abaixo, apresentamos os resultados dos estudos incluídos, com nosso nível de confiança nas evidências adicionado entre parênteses.
Acessando informações de saúde
Descobrimos que 'mulheres migrantes de origem coreana e afegã preferiam ter acesso a uma médica' (confiança moderada) por motivos pessoais ou devido a normas culturais. Nossa segunda descoberta foi que as "mulheres migrantes afegãs consideravam seus maridos como guardiões", pois as mulheres de origem afegã enfatizavam que, em sua cultura, os homens eram os chefes da família e os tomadores de decisões, inclusive em questões de saúde pessoal que afetavam suas esposas (baixa confiança). Nossa terceira descoberta foi que "mulheres migrantes afegãs relataram proficiência limitada em inglês" (confiança moderada), o que impediu seu acesso a informações e serviços de saúde.
Compreendendo informações de saúde
Mulheres migrantes de origem afegã relataram habilidades limitadas de escrita e leitura, o que denominamos "mulheres migrantes afegãs relataram baixos níveis de literacia" (confiança moderada).
Aplicando informações de saúde
Mulheres de origem afegã e mexicana relataram que o "papel das mulheres na comunidade" (confiança moderada) dificultava a manutenção de sua própria saúde e as impedia de se colocarem como prioridade, o que comprometia a aplicação das informações de saúde.
Avaliando informações de saúde
Não encontramos evidência relacionada a esta etapa no processamento de informações de saúde.
Outras descobertas
No texto completo desta QES, relatamos fatores específicos da migração na literacia em saúde e os aspectos adicionais relacionados à literacia em saúde de forma geral, assim como a avaliação dos participantes sobre a efetividade das intervenções de literacia em saúde em nossa revisão de efetividade vinculada. Além disso, sintetizamos dados qualitativos com as descobertas da revisão de efetividade vinculada para relatar aspectos específicos de gênero e migração que precisam ser levados em consideração no desenvolvimento, desenho e entrega de intervenções de literacia em saúde.
Tradução do Cochrane Brazil (Aline Rocha). Contato: tradutores.cochrane.br@gmail.com