N-acetilcisteína para insuficiência hepática aguda não causada por overdose de paracetamol

Introdução

A insuficiência hepática aguda é uma condição na qual células hepáticas anteriormente saudáveis são gravemente danificadas. Esse dano faz com que o fígado deixe de exercer importantes funções como eliminar resíduos e toxinas e a produção de proteínas para ajudar na coagulação do sangue. As pessoas com insuficiência hepática aguda têm um alto risco de morte. A principal causa de insuficiência hepática aguda é a ingestão excessiva de paracetamol (acetaminofeno). Outras causas são as infecções virais (como a hepatite), os danos hepáticos associados ao uso de drogas, o ataque do sistema imunológico contra o fígado ou a falta de fluxo sanguíneo para o órgão.

A N-acetilcisteína parece funcionar bem para tratar a insuficiência hepática aguda causada pela ingestão excessiva de paracetamol. Esse é o tratamento padrão para as pessoas com esse problema de saúde. Para todas as outras causas de insuficiência hepática aguda, o transplante de fígado é o tratamento normalmente aceito, mas esse tratamento tem muitas limitações (começando com a disponibilidade de órgãos). Alguns clínicos começaram a dar N-acetilcisteína também para os pacientes com insuficiência hepática aguda não causada por paracetamol.

Pergunta da revisão sistemática

Investigamos os efeitos e a segurança de usar N-acetilcisteína para pessoas com insuficiência hepática aguda, mesmo quando não relacionada com a ingestão excessiva de paracetamol.

Data da busca

25 de junho de 2020

Fontes de financiamento dos estudos

Os dois ensaios clínicos randomizados (ECRs) incluídos foram financiados principalmente por subsídios do Instituto Nacional de Saúde, uma agência do governo dos Estados Unidos. As empresas farmacêuticas forneceram o medicamento, mas não participaram diretamente dos estudos.

Resultados principais

Os autores da revisão procuraram todos os estudos que avaliaram a N-acetilcisteína em pessoas com insuficiência hepática aguda não causada por paracetamol para avaliar se esse tratamento reduziu a mortalidade ou a necessidade de transplante hepático. Dois ECRs foram incluídos na revisão: um em adultos e outro em crianças. Ambos compararam a N-acetilcisteína versus placebo. Os autores da revisão encontraram mais um estudo, mas estão aguardando mais informações sobre ele. Por isso, ele não foi incluído na revisão. Como os ECRs eram muito diferentes, não seria apropriado combinar seus dados. Ao analisar os estudos individuais, os autores constataram que a N-acetilcisteína não melhorou a sobrevida nem diminuiu o número de transplantes hepáticos. Os ECRs atualmente disponíveis não apoiam o uso da N-acetilcisteína para pessoas com insuficiência hepática aguda não causada por overdose de paracetamol.

Certeza da evidência

Existe evidência de baixa qualidade (certeza) sobre os efeitos da N-acetilcisteína para reduzir a mortalidade ou o transplante hepático em adultos com insuficiência hepática aguda não causada por ingestão excessiva de paracetamol. Não há dados sobre eventos adversos graves no ECR envolvendo adultos. Da mesma forma, existe evidência de baixa qualidade sobre os efeitos da N-acetilcisteína sobre mortalidade, necessidade de transplante hepático ou evento adversos graves em crianças com insuficiência hepática aguda não causada por paracetamol. Devido à incerteza, é provável que o verdadeiro efeito, tanto em adultos como em crianças, seja bastante diferente do efeito estimado.

Conclusão dos autores: 

A evidência disponível é inconclusiva quanto ao efeito da N-acetilcisteína, versus placebo ou não dar N-acetilcisteína como coadjuvante aos cuidados habituais, sobre mortalidade ou taxa de transplante hepático em pacientes com insuficiência hepática aguda não induzida por paracetamol. As evidências atuais não apoiam a sugestão da diretriz para usar N-acetilcisteína em adultos com insuficiência hepática aguda não relacionada ao paracetamol, nem apoiam o uso crescente dessa medicação observado na prática clínica. A incerteza baseada nas limitadas evidências atualmente disponíveis justifica a realização de novos ECRs em pacientes com insuficiência hepática aguda não relacionada ao paracetamol. Os estudos devem comparar a N-acetilcisteína versus placebo, tentar identificar os preditores de resposta, e a dose e duração ideais da N-acetilcisteína.

Leia o resumo na íntegra...
Introdução: 

A insuficiência hepática aguda é uma doença rara e grave. A insuficiência hepática aguda pode ser induzida por paracetamol ou não induzida por paracetamol. A insuficiência hepática aguda não causada pelo paracetamol (acetaminofeno) tem mau prognóstico e poucas opções terapêuticas. A N-acetilcisteína tem tido sucesso no tratamento da insuficiência hepática aguda induzida pelo paracetamol e reduz a necessidade de transplante hepático. Ensaios clínicos randomizados recentes avaliaram se o benefício observado nesses casos poderia ser extrapolado para casos de insuficiência hepática aguda não relacionada ao paracetamol. A diretriz da Associação Americana Para o Estudo de Doenças Hepáticas (AASLD, em inglês) de 2011 sugeriu que a N-acetilcisteína poderia melhorar a sobrevida espontânea quando administrada durante os estágios iniciais da encefalopatia em pacientes com insuficiência hepática aguda não relacionada ao paracetamol.

Objetivos: 

Avaliar os benefícios e riscos da N-acetilcisteína versus placebo ou não usar N-acetilcisteína, como coadjuvante aos cuidados habituais em pacientes com insuficiência hepática aguda não relacionada ao paracetamol.

Métodos de busca: 

Fizemos buscas nas seguintes bases de dados: Cochrane Hepato-Biliary Group Controlled Trials Register(em 25 de junho de 2020), Cochrane Central Register of Controlled Trials (CENTRAL; 2020, issue 6), Cochrane Library, MEDLINE Ovid (de 1946 a 25 de junho de 2020), Embase Ovid (de 1974 a 25 de junho de 2020), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) (de 1982 a 25 de junho de 2020), Science Citation Index Expanded (de 1900 a 25 de junho de 2020) e Conference Proceedings Citation Index – Science (de 1990 a 25 de junho de 2020).

Critério de seleção: 

Incluímos ensaios clínicos randomizados (ECRs) que compararam a N-acetilcisteína em qualquer dose ou via versus placebo ou nenhuma intervenção em participantes com insuficiência hepática aguda não induzida por paracetamol.

Coleta dos dados e análises: 

Utilizamos a metodologia padrão descrita no ochrane Handbook for Systematic Reviews of Interventions. Realizamos meta-análises e apresentamos resultados utilizando razões de risco (RR) com intervalos de confiança (IC) de 95%. Quantificamos a heterogeneidade estatística calculando a estatística I2. Usamos a ferramenta da Cochrane para avaliar o risco de viés dos estudos e a abordagem GRADE para avaliar a qualidade (certeza) da evidência.

Principais resultados: 

Incluímos dois ECRs: um com 183 adultos e outro com 174 crianças (de recém-nascidos até 17 anos de idade). Os dois estudos tinham um alto risco de viés. Um estudo não registrado envolvendo adultos está aguardando classificação enquanto esperamos por respostas dos autores acerca dos detalhes da metodologia (como o processo de randomização).

Devido à heterogeneidade clínica entre os estudos, não fizemos uma metanálise da mortalidade por todas as causas. Existe evidência inconclusiva sobre o efeito da intervenção sobre mortalidade por todas as causas com 21 dias entre adultos: N-acetilcisteína 24/81 (29,6%) versus placebo 31/92 (33,7%), RR 0,88, IC 95% 0,57 a 1,37, evidência de baixa qualidade. Rebaixamos a qualidade da evidência foi baixa devido ao risco de viés e imprecisão. Da mesma forma, existe evidência inconclusiva sobre o efeito da intervenção sobre mortalidade por todas as causas em um ano entre crianças : N-acetilcisteína 25/92 (27,2%) versus placebo 17/92 (18,5%), RR 1,47, IC 95% 0,85 a 2,53, evidência de baixa qualidade. Rebaixamos a qualidade da evidência devido à imprecisão importante.

Não realizamos metanálise de eventos adversos graves e transplante hepático em um ano devido a relato incompleto e heterogeneidade clínica. No estudo com adultos, existe evidência inconclusiva sobre o efeito da intervenção no transplante hepático em 21 dias: RR 0,72, IC 95% 0,49 a 1,06; evidência de baixa qualidade. Rebaixamos a qualidade da evidência devido à imprecisão importante. No estudo com crianças, existe evidência inconclusiva sobre o efeito da intervenção no transplante hepático em um ano : RR 1,23, IC 95% 0,84 a 1,81, evidência de baixa qualidade. Rebaixamos a qualidade da evidência devido à imprecisão muito importante. ÂÂ

Existe evidência inconclusiva sobre eventos adversos graves no estudo com crianças: RR 1,25, IC 95% 0,35 a 4,51, evidência de baixa qualidade. Rebaixamos a qualidade da evidência devido à imprecisão muito grave.

Devido à heterogeneidade clínica, não fizemos uma metanálise de eventos adversos não graves. Existe evidência inconclusiva de eventos adversos não graves em adultos (RR 1,07, IC 95% 0,79 a 1,45, 173 participantes, evidência de baixa qualidade) e em crianças (RR 1,19, IC 95% 0,62 a 2,16, 184 participantes, evidência de baixa qualidade). Nenhum dos estudos apresentou dados sobre a proporção de participantes com resolução da encefalopatia e coagulopatia ou qualidade de vida relacionada à saúde.

O National Institute of Health dos Estados Unidos subsidiou ambos os estudos. Um deles recebeu financiamento adicional de duas fundações hospitalares. As empresas farmacêuticas forneceram o fármaco e o placebo correspondente, mas não se envolveram no ou nas análises do estudo.

Notas de tradução: 

Tradução do Cochrane Brazil (Josikwylkson Costa Brito e Maria Regina Torloni). Contato: tradutores@centrocochranedobrasil.org.br

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