Terapia com surfactante via cateter fino em bebês prematuros com risco de desenvolver ou com síndrome do desconforto respiratório

Pergunta da revisão

É eficaz e seguro dar surfactante usando uma técnica minimamente invasiva envolvendo a colocação de um cateter fino na traqueia (garganta) de um bebê que respira espontaneamente?

Introdução

A síndrome do desconforto respiratório (SDR) é uma causa importante de doença e morte em bebês prematuros (que nascem antes do tempo ideal). A SDR é comumente tratada com um medicamento chamado surfactante. Este medicamento é colocado através de um tubo (chamado de tubo endotraqueal). O tubo endotraqueal é colocado na traqueia (garganta) e vai até os pulmões do bebê. Entretanto, atualmente, mais bebês com SDR estão sendo tratados com suporte respiratório não invasivo (através de uma máscara), sem o uso de um tubo endotraqueal. Isto significa que o meio usual de administrar o surfactante não está disponível. Em tais bebês, a terapia com surfactante requer a colocação de um tubo endotraqueal, com ou sem a intenção de removê-lo logo após o procedimento. O surfactante melhora os desfechos clínicos, mas a inserção do tubo endotraqueal e da ventilação mecânica (respiração assistida) podem causar lesão pulmonar. Isto pode contribuir para o desenvolvimento de uma doença pulmonar crônica conhecida como displasia broncopulmonar (DBP) e outros problemas. Foram desenvolvidas alternativas para a inserção do tubo endotraqueal. O método alternativo mais popular é o uso de um cateter (tubo) fino que é brevemente inserido na traqueia.

Características dos estudos

Fizemos buscas nas bases de dados eletrônicas e encontramos 16 ensaios clínicos randomizados (18 publicações) que satisfaziam nossos critérios de seleção. Estes estudos envolveram a administração de surfactante através de um cateter fino. As evidências estão atualizadas até 30 de setembro de 2020.

Resultados principais

Em bebês prematuros que respiram sozinhos, a administração de surfactante através de um cateter fino foi associada a uma diminuição no risco de morte ou DBP, da necessidade de respiração assistida nas primeiras 72 horas de vida, do sangramento cerebral grave, de morte durante a primeira hospitalização e DBP entre os sobreviventes, em comparação com a administração de surfactante através de um tubo endotraqueal. Temos dúvidas se a intervenção tem um efeito importante no risco de extravasamento de ar que necessita de intervenção com drenagem, pois os resultados são imprecisos. Nenhum dos estudos relatou o desfecho de morte ou sobrevivência com incapacidade. A administração de surfactante com cateter fino teve taxas de efeitos adversos semelhantes aos do procedimento com o uso de um tubo endotraqueal. Estes dados sugerem que o tratamento com surfactante através de um cateter fino é preferível à terapia com surfactante através de um tubo endotraqueal. Outros estudos bem delineados, com tamanho e poder adequados, assim como a conclusão dos estudos em andamento, são necessários para confirmar e refinar estes resultados. Estes estudos também são importantes para esclarecer se a terapia com surfactantes através de um cateter fino proporciona benefícios em comparação com a continuação do suporte respiratório não invasivo sem surfactante.

Certeza (qualidade) da evidência

A maioria dos estudos apresentava importantes deficiências metodológicas. Avaliamos a certeza (qualidade) das evidências por meio da abordagem GRADE. Reduzimos a certeza (confiança) nas evidências para "moderada a baixa". Mais estudos de boa qualidade são urgentemente necessários para lidar com as incertezas dentro de subgrupos importantes.

Conclusão dos autores: 

Em comparação com a administração de surfactante via tubo endotraqueal, a administração de surfactante via cateter fino está associada a uma redução do risco de morte ou DBP, de intubação nas primeiras 72 horas e de complicações maiores e mortalidade intra-hospitalar. Este procedimento teve uma taxa de efeitos adversos semelhante à administração de surfactante através de um tubo endotraqueal. Os dados sugerem que o tratamento com surfactante via cateter fino pode ser preferível ao tratamento com surfactante via tubo endotraqueal. Outros estudos bem delineados, com tamanho e poder adequados, assim como os estudos em andamento, ajudarão a confirmar e refinar estes achados e a esclarecer se a terapia com surfactante através de cateter fino oferece benefícios em comparação com a continuação do suporte respiratório não-invasivo sem surfactante. Além disso, estes estudos poderão abordar incertezas dentro de subgrupos importantes e esclarecer o papel da sedação neste procedimento.

Leia o resumo na íntegra...
Introdução: 

O suporte respiratório não invasivo é cada vez mais utilizado para o manejo de disfunções respiratórias em bebês prematuros. Esta abordagem pode levar ao risco de deixar de tratar bebês com síndrome do desconforto respiratório (SDR), para quem a administração de surfactante é de suma importância. Várias técnicas minimamente invasivas de administração de surfactante têm sido descritas. Esta revisão se concentra na administração de surfactante através de um cateter fino inserido na traqueia de bebês que estão em respiração espontânea.

Objetivos: 

Objetivos primários

Comparar a administração de surfactantes via cateter fino versus outras formas de administração em bebês prematuros com SDR estabelecida ou em risco de desenvolver SDR e que não estão intubados. Outras formas de administração incluem:

1. intubação e administração de surfactante através de um tubo endotraqueal; ou

2. continuação do suporte respiratório não invasivo sem administração de surfactante ou intubação

Objetivos secundários

1. Comparar diferentes métodos de administração de surfactante através de cateter fino.

Planejamos realizar análises de subgrupos considerando a idade gestacional, o tempo de intervenção e o uso de sedação durante a intervenção.

Métodos de busca: 

Utilizamos a estratégia de busca padrão do Grupo da Cochrane Neonatal para fazer buscas no Cochrane Central Register of Controlled Trials (CENTRAL), Cochrane Library; Ovid MEDLINE(R) e Epub Ahead of Print, In-Process & Other Non-Indexed Citations, Daily and Versions(R); e no Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), em 30 de setembro de 2020. Também fizemos buscas em bases de registros de ensaios clínicos e nas listas de referências de artigos recuperados para encontrar ensaios clínicos randomizados (ECRs) e ensaios quasi-randomizados.

Critério de seleção: 

Incluímos ECRs que compararam a administração de surfactante através de cateter fino com (1) a administração de surfactante através de um tubo endotraqueal, ou (2) a continuação do suporte respiratório não invasivo sem administração de surfactante ou intubação. Também incluímos estudos que compararam diferentes métodos/estratégias de administração de surfactante através de cateter fino. Incluímos bebês prematuros (com < 37 semanas de gestação) com SDR ou em risco de desenvolver SDR.

Coleta dos dados e análises: 

Os autores da revisão, trabalhando de forma independente, avaliaram o risco de viés e extraíram dados dos estudos incluídos. Os autores de todos os estudos foram contatados para checar informações relacionadas ao desenho do estudo e/ou dados ausentes ou não publicados. Avaliamos a certeza (qualidade) das evidências por meio da abordagem GRADE.

Principais resultados: 

Incluímos 16 estudos (18 publicações), com um total de 2.164 neonatos, nesta revisão. Estes estudos compararam: - administração de surfactante via cateter fino versus administração de surfactante através de um tubo endotraqueal seguido de extubação precoce (Técnica Intubação-Surfactante-Extubação - InSurE) (12 estudos); - administração de surfactante via cateter fino versus extubação retardada (2 estudos); - administração de surfactante via cateter fino versus continuação da pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP); - administração de surfactante via cateter fino versus administração de surfactante de resgate a critérios pré-especificados (1 estudo) - administração de surfactante via cateter fino versus outras estratégias de administração de surfactante também via cateter fino (1 estudo). Dois estudos relataram os desfechos neurossensoriais dos participantes sobreviventes aos dois anos de idade. Oito estudos tinham baixo risco de viés e a certeza (confiança) nos seus resultados foi moderada, e oito estudos tinham risco de viés pouco claro e a certeza nos seus resultados foi menor.

Administração de surfactante através de cateter fino versus administração de surfactante através de um tubo endotraqueal em bebês prematuros com SDR ou em risco de SDR

Os resultados de quatorze estudos que compararam a administração de surfactante através de cateter fino versus através de um tubo endotraqueal foram unidos em meta-análises que consideraram diferentes desfechos. Houve uma diminuição significativa no risco do desfecho composto de morte ou displasia broncopulmonar (DBP) com 36 semanas de idade pós-menstrual (risco relativo (RR) 0,59, intervalo de confiança (IC) de 95% 0,48 a 0.73; diferença de risco (DR) -0,11, IC 95% -0,15 a -0,07; número necessário para tratar (NNT) para obter um resultado benéfico adicional 9, IC 95% 7 a 16; 10 estudos; 1.324 bebês; moderada certeza na evidência). Também houve diminuição significativa na necessidade de intubação dentro de 72 horas (RR 0,63, IC 95% 0,54 a 0,74; DR -0,14, IC 95% -0,18 a -0.09; NNT 8, IC 95%; 6 a 12; 12 estudos, 1.422 bebês; moderada certeza na evidência); na hemorragia intraventricular grave (RR 0,63, IC 95% 0,42 a 0,96; DR -0,04, IC 95% -0,08 a -0,00; NNT 22, IC 95% 12 a 193; 5 estudos, 857 bebês; baixa certeza na evidência); na morte durante a primeira hospitalização (RR 0.63, IC 95% 0,47 a 0,84; DR -0,02, IC 95% -0,10 a 0,06; NNT 20, IC 95% 12 a 58; 11 estudos, 1.424 bebês; baixa certeza da evidência); e na incidência de DBP entre sobreviventes (RR 0,57, IC 95% 0,45 a 0,74; DR -0,08, IC 95% -0,11 a -0,04; NNT 13, IC 95% 9 a 24; 11 estudos, 1.567 bebês; moderada certeza na evidência). Não houve diferença significativa no risco de extravasamento de ar com necessidade de drenagem (RR 0,58, IC 95% 0,33 a 1,02; DR -0,03, IC 95% -0,05 a 0,00; 6 estudos, 1.036 bebês; baixa certeza na evidência). Nenhum dos estudos relatou o desfecho de morte ou sobrevivência com incapacidade neurossensorial.

Apenas um estudo comparou a administração do surfactante através de cateter fino com a continuação do CPAP. Também apenas um estudo comparou diferentes estratégias de administração do surfactante através de cateter fino. Portanto, não houve a possibilidade de união destes dados em meta-análise.

Notas de tradução: 

Tradução do Cochrane Brazil (Ana Carolina Pinto). Contato: tradutores.cochrane.br@gmail.com

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