Remédios para tratar pessoas com transtorno de personalidade antissocial

Introdução

Os indivíduos com transtorno de personalidade antissocial (TPA) podem ter comportamentos que prejudicam a si mesmos ou outras pessoas, e que podem infringir leis. Eles podem ser desonestos e agir de forma agressiva sem pensar. Muitos fazem uso indevido de drogas e álcool. Certos tipos de medicamentos podem ajudar as pessoas com TPA. Esta é uma atualização de uma revisão publicada em 2010.

Pergunta da revisão

Quais são os efeitos benéficos e prejudiciais dos medicamentos na agressão, nova condenação judicial e capacidade das pessoas com TPA de conviver na sociedade?

Características do estudo

Procuramos estudos relevantes disponíveis até 5 de setembro de 2019 e encontramos 11 ensaios clínicos randomizados (ECR). O ECR é um tipo de estudo no qual as pessoas são sorteadas para receber um remédio ou um placebo (medicamento de mentira).

Os estudos incluíram 416 participantes com TPA, na maioria homens (90%), com uma média de idade de 39,6 anos. A maioria dos estudos (10/11) foi realizada na América do Norte e envolveu pessoas atendidas em ambulatórios (sete estudos). Dois estudos envolveram participantes em diferentes tipos de ambientes, um estudo foi feito com pessoas internadas em um hospital e um estudo evolveu detentos de uma prisão. Os estudos duraram entre seis e 24 semanas e não tiveram período de acompanhamento posterior. Apenas quatro dos 11 estudos tinham dados sobre 274 participantes com TPA.

Alguns estudos relataram desfechos importantes para pessoas com TPA: agressão (seis estudos), estado/funcionamento geral (três estudos), funcionamento social (um estudo) e efeitos adversos (sete estudos). Alguns relataram outros desfechos: abandono do estudo (oito estudos), uso indevido de substâncias (cinco estudos), situação de emprego (um estudo), impulsividade (um estudo), raiva (três estudos) e estado mental (três estudos). Nenhum estudo relatou dados sobre nova condenação judicial, qualidade de vida, comprometimento com os serviços, satisfação com o tratamento, situação de moradia/alojamento, desfechos econômicos ou desfechos da prisão/serviço.

Nenhum estudo se propôs a recrutar participantes com base na presença de TPA. Muitos participantes tinham principalmente problemas com abuso de substâncias (dependência de drogas). Os estudos utilizaram métodos que aumentaram o risco de que os dados fossem tendenciosos ou incorretos. Por exemplo, os estudos não relataram todos os seus desfechos. Devido a esses problemas metodológicos, não foi possível fazer análises estatísticas independentes para esta revisão.

Os estudos avaliaram 11 medicamentos versus placebo. Porém, os dados comparativos dos participantes com TPA estavam disponíveis para apenas três tipos de medicamentos: antiepilépticos (medicamentos para tratar epilepsia); antidepressivos (medicamentos para tratar depressão); e agonistas dopaminérgicos (medicamentos para tratar a doença de Parkinson).

Resultados principais

Fenitoína (antiepiléptico) versus placebo

Existe evidência de qualidade (grau de certeza) muito baixa que a fenitoína, comparada com o placebo, pode reduzir a frequência média de atos agressivos por semana em prisioneiros masculinos agressivos com TPA. Essa evidência foi proveniente de um estudo envolvendo 60 participantes e o resultado foi avaliado na 6a semana do estudo. O número de participantes que relataram problemas de saúde durante a primeira semana do estudo não diferiu entre os grupos, e nenhum efeito colateral foi detectado pelos exames de sangue. Como a qualidade da evidência foi muito baixa, nossa confiança nesses achados é muito baixa.

Desipramina (antidepressivo) versus placebo

Um estudo (29 participantes) não encontrou evidência de diferença entre um remédio usado para tratar depressão (desipramina) e placebo nos resultados de funcionamento social avaliados na 12a semana do estudo. Como a qualidade da evidência foi muito baixa, nossa confiança nesses achados é muito baixa.

Nortriptilina (antidepressivo) versus placebo

Um estudo (20 participantes) não encontrou diferença na pontuação de estado/funcionamento geral (avaliada no 6o mês da pesquisa) em homens com dependência alcoólica que receberam um outro antidepressivo (nortriptilina) versus placebo. Como a qualidade da evidência foi muito baixa, nossa confiança nesses achados é muito baixa.

Bromocriptina (agonista dopaminérgico) versus placebo

Um estudo (18 participantes) não encontrou diferença entre um medicamento usado para tratar a doença de Parkinson (bromocriptina) versus placebo no estado/funcionamento geral, avaliado no 6o mês da pesquisa. Doze participantes do grupo bromocriptina tiveram efeitos colaterais, e cinco deles desistiram do estudo devido a mal-estar e/ou sintomas de gripe nos dois primeiros dias. Como a qualidade da evidência foi muito baixa, nossa confiança nesses achados é muito baixa.

Amantadina (agonista dopaminérgico) versus placebo

Nenhum dos estudos incluídos avaliou a eficácia de outro remédio usado para doença de Parkinson (amantadina) sobre qualquer um dos desfechos primários.

Conclusões

A certeza da evidência é muito baixa, o que significa que não estamos confiantes nos achados. Não há evidências suficientes para concluir se os remédios testados são ou não uteis para tratar pessoas com TPA.

É necessário fazer mais pesquisas para esclarecer quais remédios, se houver, são eficazes para tratar as principais características do TPA. Estudos futuros devem recrutar participantes com base na presença de TPA e incluir novas condenações judiciais como medida de desfecho.

Conclusão dos autores: 

A evidência encontrada nesta revisão é insuficiente para se chegar a qualquer conclusão sobre o uso de intervenções farmacológicas no tratamento de pessoas com transtorno de personalidade antissocial. A evidência é proveniente de estudos únicos e não replicados que testaram o uso de medicamentos mais antigos. Os estudos também têm problemas metodológicos que limitam muito a confiança acerca dos seus resultados. Estudos futuros devem recrutar participantes com base na presença de TPA, e utilizar desfechos relevantes, incluindo novas condenações judiciais.

Leia o resumo na íntegra...
Introdução: 

O transtorno de personalidade antissocial (TPA) está associado à violação de regras, criminalidade, abuso de substâncias (toxicodependência), desemprego, dificuldades de relacionamento e morte prematura. Certos tipos de medicamentos podem ajudar as pessoas com TPA. Esta é uma atualização de uma revisão anterior da Cochrane, publicada em 2010.

Objetivos: 

Avaliar os benefícios e efeitos adversos das intervenções farmacológicas em adultos com TPA.

Métodos de busca: 

Buscamos estudos na CENTRAL, MEDLINE, Embase, 13 outros bancos de dados e duas plataformas de registros de ensaios até 5 de setembro de 2019. Também revisamos listas de referências e contatamos autores para identificar estudos passíveis de inclusão.

Critério de seleção: 

Incluímos ensaios clínicos randomizados nos quais adultos (maiores de 18 anos) com diagnóstico de TPA ou distúrbio de personalidade dissocial foram alocados para um grupo com intervenção farmacológica ou controle com placebo.

Coleta dos dados e análises: 

Quatro autores da revisão, trabalhando de forma independente, selecionaram os estudos e extraíram os dados. Avaliamos o risco de viés e criamos as 'tabelas de resumos dos achados' e avaliamos a certeza da evidência usando a abordagem GRADE. Os principais desfechos foram: agressão, nova condenação judicial, estado/funcionamento global, funcionamento social e eventos adversos.

Principais resultados: 

Incluímos 11 estudos (três novos para esta atualização), envolvendo 416 participantes com TPA. A maioria dos estudos (10/11) foi realizada na América do Norte. Sete estudos envolveram apenas participantes em atendimento ambulatorial, um estudo envolveu participantes internados e um envolveu pessoas que estavam em uma penitenciária. Dois estudos foram com participantes que estavam em diversos tipos de ambientes. A idade média dos participantes variou de 28,6 a 45,1 anos (idade média geral de 39,6 anos). Os participantes eram predominantemente (90%) do sexo masculino. A duração do estudo variou de 6 a 24 semanas; não houve período de acompanhamento após a intervenção. Apenas quatro dos estudos, envolvendo 274 participantes com TPA, tinham dados que pudessem ser usados na revisão. Todos os dados disponíveis vieram de estudos únicos que não foram replicados. Não foi possível fazer análises estatísticas independentes. Muitos dos achados da revisão são provenientes dos resumos descritivos baseados nas análises realizadas e relatadas pelos autores dos ensaios clínicos.

Nenhum estudo se propôs a recrutar participantes com base na presença de TPA. Muitos participantes tinham problemas com abuso de substâncias. Os estudos avaliaram quatro desfechos primários e seis desfechos secundários. Os desfechos primários foram: agressão (seis estudos) estado/funcionamento global (três estudos), funcionamento social (um estudo) e eventos adversos (sete estudos). Os desfechos secundários foram: abandono do estudo (oito estudos), uso inadequado de substâncias (cinco estudos), situação empregatícia (um estudo), impulsividade (um estudo), raiva (três estudos) e estado mental (três estudos). Nenhum estudo relatou dados sobre o desfecho primário de nova condenação. Nenhum dos estudos avaliou os seguintes desfechos secundários: qualidade de vida, comprometimento com os serviços, satisfação com o tratamento, situação de moradia/alojamento, desfechos econômicos ou desfechos relacionados à penitenciária /serviços.

Os estudos compararam 11 drogas diferentes versus placebo. Porém, para os participantes com TPA, havia dados apenas para cinco comparações. Três classes de drogas foram incluídas: antiepilépticos, antidepressivos e agonistas dopaminérgicos (anti-Parkinsonianos). O viés de seleção foi considerado incerto em 8/11 estudos, o viés de atrito foi alto em 7/11 estudos e o viés de desempenho foi baixo em 7/11 estudos. A certeza da evidência (segundo o GRADE) para cada desfecho da revisão foi muito baixa. Isso significa que temos muito pouco confiança nas estimativas de efeito apresentadas.

Fenitoína (antiepiléptico) versus placebo

Existe evidência de muito baixa certeza, proveniente de um estudo (60 participantes), de que a fenitoína (300 mg/dia), comparada ao placebo, pode reduzir a frequência média de atos agressivos por semana (média com fenitoína = 0,33, sem desvio padrão (DP) relatado; média com placebo = 0,51, sem DP relatado) na avaliação realizada no final do estudo (seis semanas). O estudo envolveu detentos masculinos agressivos (com distribuição não gaussiana). O mesmo estudo (60 participantes) não relatou nenhuma evidência de diferença entre fenitoína e placebo em relação ao número de participantes que relataram o evento adverso náusea durante a primeira semana (razão de chances (OR) 1,00, intervalo de confiança de 95% (IC) 0,06 a 16,76; evidência de certeza muito baixa). Os autores do estudo também realizaram hemograma e dosagem de enzimas hepáticas e relataram ausência de efeitos colaterais importantes identificáveis com esses exames (evidência de certeza muito baixa).

O estudo não mediu novas condenações, estado/funcionamento global ou funcionamento social.

Desipramina (antidepressivo) versus placebo

Existe evidência de certeza muito baixa, proveniente de um estudo (29 participantes), de que não há diferença entre desipramina (250 a 300 mg/dia) versus placebo nos escores médios de funcionamento social (desipramina = 0,19; placebo = 0,21) no final do estudo (12 semanas). A avaliação do desfecho foi feita usando o domínio familiar-social do instrumento Addiction Severity Index; os escores variam de zero a um, com valores mais altos indicando pior funcionamento social.

Nenhum dos estudos incluídos nesta comparação mediu os outros desfechos primários: agressão, nova condenação, estado/funcionamento global ou eventos adversos.

Nortriptilina (antidepressivo) versus placebo

Existe evidência de certeza muito baixa, proveniente de um estudo (20 participantes), de que não há diferença entre nortriptilina (25 a 75 mg/dia) versus placebo na pontuação média de estado/funcionamento global (nortriptilina = 0,3; placebo = 0,7) ao final do estudo (seis meses). O estudo envolveu homens com dependência alcoólica. O desfecho foi avaliado com a pontuação da subescala do Symptom Check List-90 (SCL-90) Global Severity Index (GSI). Os escores médios das pontuações da subescala variam de zero a quatro, com pontuações mais altas indicando maior gravidade dos sintomas.

O estudo mediu os efeitos colaterais, mas não relatou dados sobre eventos adversos para o subgrupo com TPA.

O estudo não mediu agressão, nova condenação ou funcionamento social.

Bromocriptina (agonista dopaminérgico) versus placebo

Existe evidência de certeza muito baixa, proveniente de um estudo (18 participantes) de que não há diferença entre bromocriptina (15 mg/dia) versus placebo nos escores médios de estado/funcionamento global (bromocriptina = 0,4; placebo = 0,7), ao final do estudo (seis meses). O desfecho foi avaliado com o GSI do SCL-90.

O estudo não apresentou dados sobre efeitos adversos mas informou que 12 pacientes do grupo bromocriptina tiveram efeitos colaterais graves, cinco dos quais abandonaram o estudo nos dois primeiros dias devido a náuseas e sintomas graves semelhantes aos da gripe (evidência de certeza muito baixa).

O estudo não mediu agressão, nova condenação e funcionamento social.

Amantadina (agonista dopaminérgico) versus placebo

O estudo com esta comparação não mediu nenhum dos desfechos primários.

Notas de tradução: 

Tradução do Cochrane Brazil (Aline Rocha e Luany Janaira Gois Vidal). Contato: tradutores.cochrane.br@gmail.com

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