As equipas de especialidades mistas (multidisciplinares) são a melhor forma de ajudar os idosos a recuperar de uma fratura da anca?

Mensagens-chave

- Em comparação com os cuidados habituais, os cuidados prestados por uma equipa de profissionais de saúde com diferentes especialidades (equipas multidisciplinares de reabilitação) lideradas por um médico geriatra ou outro médico especialista podem ajudar mais pessoas idosas no hospital a recuperar após uma fratura da anca.

- Não sabemos se a reabilitação multidisciplinar é melhor do que os cuidados habituais após a alta hospitalar, porque não há evidência suficiente.

- A investigação futura deve identificar os melhores tratamentos proporcionados pela mistura de especialidades que compõem as equipas multidisciplinares, para que as pessoas possam sair mais cedo do hospital e ser apoiadas na comunidade.

Como são tratadas as fraturas da anca?

As fraturas da anca são lesões comuns mas graves em pessoas idosas. Cerca de um terço das pessoas com fraturas da anca morrem no período de um ano após a lesão. As pessoas com fraturas da anca podem também ter outras condições que atrasam a sua recuperação. Muitas não recuperam a mobilidade e a independência que tinham antes da fratura e podem precisar de cuidados residenciais num lar de idosos.

Os cuidados habituais para pessoas com fratura da anca são a cirurgia, seguida de terapia na enfermaria do hospital para restaurar a mobilidade e as funções básicas da vida diária, tais como tomar banho e vestir-se. Isto pode envolver pessoas de outros departamentos no hospital. Contudo, as pessoas com fraturas da anca precisam de ajuda numa série de atividades e podem sofrer de problemas mentais e físicos após a cirurgia. Assim, uma melhor abordagem para ajudar à sua recuperação, ou "reabilitação", pode ser envolver uma equipa de pessoas com conhecimentos especializados de diferentes áreas ou "disciplinas". Estas desenvolvem um plano de reabilitação para cada pessoa, em função das suas necessidades. Esta equipa "multidisciplinar de reabilitação", que é tipicamente dirigida por um médico especializado no cuidado de idosos ou outro médico especialista em reabilitação, poderá também incluir outros médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, dietistas, assistentes sociais e especialistas em saúde mental. A reabilitação multidisciplinar pode ter lugar no hospital, em enfermarias agudas (tratamento de curta duração) ou de reabilitação, ou na residência domiciliária das pessoas. Alguns tipos de reabilitação multidisciplinar envolvem a alta antecipada do hospital com apoio em casa.

O que pretendíamos descobrir?

Queríamos saber se a reabilitação multidisciplinar ajuda as pessoas a recuperar melhor da fratura da anca do que os cuidados habituais. Estávamos particularmente interessados em saber quantas pessoas tiveram um "mau resultado" até um ano após a cirurgia; ou seja, se morreram ou se ficavam mais dependentes de tal modo que precisavam de ser cuidadas num lar de idosos. Analisámos também:

- Qualidade de vida relacionada com a doença;
- Mortes;
- Necessidade de ajuda nas atividades diárias;
- Mobilidade; e
- Dor.

O que fizemos?

Procurámos estudos que comparassem a reabilitação multidisciplinar com os cuidados habituais em pessoas idosas após a cirurgia da fratura da anca.

Comparámos e fizemos o sumário dos estudos, classificando a nossa confiança na evidência com base em fatores como a metodologia e o tamanho dos estudos.

O que descobrimos?

Encontrámos 28 estudos com 5351 pessoas idosas que tinham sido operadas à fratura da anca. Tinham em média 76,5 a 87 anos de idade e a maioria eram mulheres.

Resultados principais

Reabilitação multidisciplinar após cirurgia em comparação com os cuidados habituais no hospital (20 estudos):

- provavelmente resulta em menos casos de "maus resultados" com 6 a 12 meses do que os cuidados habituais. Das 1000 pessoas com fratura da anca que receberam os cuidados habituais, 347 teriam um 'mau resultado' entre 6 e 12 meses após a cirurgia; 41 pessoas a menos (12% de 347) teriam um 'mau resultado' com reabilitação multidisciplinar;

- pode reduzir o risco de morte no hospital, e a longo prazo por até 1 ano.

- pode resultar em menos pessoas com mobilidade mais fraca aos 6 a 12 meses.

Não sabemos se a reabilitação multidisciplinar melhora ou piora a qualidade de vida e as atividades da vida quotidiana. Não havia provas de dor relacionada com a anca, a longo prazo.

Reabilitação multidisciplinar após cirurgia em comparação com os cuidados habituais em casa (3 estudos):

Não sabemos se a reabilitação multidisciplinar faz alguma diferença para:

- um "mau resultado" a 1 ano;

- a qualidade de vida a 1 ano;

- mortes aos 4 ou 12 meses;

- se as pessoas precisam de ajuda nas atividades da vida diária;

- se precisaram de se mudar para um lar de idosos; ou

- mobilidade.

Não havia provas de dor relacionada com a anca, a longo prazo.

A reabilitação multidisciplinar após a cirurgia em comparação com os cuidados habituais para os residentes de lares de idosos (1 estudo) pode não fazer diferença para:

- um "mau resultado" (morte ou incapacidade de andar) aos 12 meses; ou

- mortes aos 4 ou 12 meses;

Não sabemos se a reabilitação multidisciplinar faz alguma diferença para:

- se as pessoas precisam de ajuda nas atividades da vida diária;

- qualidade de vida, mobilidade ou dor aos 12 meses.

Quais são as limitações da evidência?

Estamos moderadamente confiantes na evidência sobre "maus resultados" para as pessoas hospitalizadas, mas muito menos confiantes em todas as outras evidências porque havia menos evidência disponível e todos os estudos tinham pontos fracos que podiam afetar a fiabilidade dos seus resultados.

Quão atualizada está esta evidência?

A evidência encontra-se atualizada até outubro de 2020.

Conclusão dos autores: 

No ambiente de internamento hospitalar, há um grau de evidência moderada de que a reabilitação após cirurgia de fratura da anca, quando realizada por uma equipa multidisciplinar e supervisionada por um médico especialista apropriado, resulta em menos casos de "maus resultados" (morte ou deterioração do estado residencial). Há um grau de evidencia baixo de que a reabilitação multidisciplinar pode resultar em menos mortes no hospital de 4 a 12 meses; no entanto, pode também resultar num pouco mais. Há um grau de evidencia baixo de que a reabilitação multidisciplinar pode reduzir o número de pessoas com mobilidade mais reduzida aos 12 meses. Não se podem tirar conclusões sobre outros resultados, para os quais o grau de evidência é muito baixo

A muito baixa qualidade de evidencia disponível para a alta com suporte e reabilitação domiciliária multidisciplinar significa que não temos certeza se as descobertas de pouca ou nenhuma diferença para todos os resultados entre a intervenção e os cuidados habituais são verdadeiros.

Dada a ênfase clínica prevalente na alta hospitalar precoce, sugerimos que a investigação se oriente mais para a alta hospitalar precoce e para a identificação das componentes da reabilitação multidisciplinar em regime de internamento de forma a otimizar a recuperação do paciente dentro do hospital e as componentes da reabilitação multidisciplinar, incluindo os cuidados sociais, após a alta hospitalar.

Leia o resumo na íntegra...
Introdução: 

A fratura da anca é uma das principais causas de morbilidade e mortalidade nos idosos e o seu impacto na sociedade é substancial. Após a cirurgia, as pessoas necessitam de reabilitação para as ajudar a recuperar. A reabilitação multidisciplinar ocorre quando a reabilitação é feita por uma equipa multidisciplinar, supervisionada por um médico geriatra, um médico de medicina física e reabilitação ou outro médico apropriado. Esta revisão é uma atualização de uma Revisão Cochrane publicada pela primeira vez em 2009.

Objetivos: 

Avaliar os efeitos da reabilitação multidisciplinar em qualquer regime de internamento ou cuidado ambulatorial em idosos com fratura da anca.

Métodos de busca: 

Foram pesquisadas as seguintes bases de dados eletrónicas: Cochrane Bone, Joint and Trauma Group Specialised Register, CENTRAL, MEDLINE e EMBASE (Outubro de 2020), e dois registos de ensaios clínicos (Novembro de 2019).

Critério de seleção: 

Incluímos ensaios aleatorizados e quasi-aleatorizados de cuidados pós-cirúrgicos utilizando a reabilitação multidisciplinar de pessoas idosas (com 65 anos de idade ou mais) com fratura da anca. O resultado primário - "mau resultado" - foi um resultado composto pela mortalidade e pelo declínio do estado residencial a longo prazo (geralmente um ano). Os outros resultados "críticos" foram a qualidade de vida relacionada com a saúde, mortalidade, dependência em atividades da vida diária, mobilidade, e dor relacionada.

Coleta dos dados e análises: 

Dois autores da revisão trabalhando de forma independente fizeram a seleção dos estudos, a avaliação do risco de viés e a extração dos dados. Reunimos os dados quando apropriado e utilizámos o GRADE para avaliar a certeza da evidência para cada resultado.

Principais resultados: 

Os 28 ensaios clínicos incluídos envolveram 5351 participantes idosos (as idades médias variaram entre 76,5 e 87 anos), geralmente do género feminino, que tinham sido submetidos a cirurgia de fratura da anca. Houve heterogeneidade clínica substancial nas intervenções e nas populações do ensaio. A maioria dos ensaios teve um risco pouco claro ou elevado de enviesamento para um ou mais itens, tais como nos enviesamentos relacionados com o desempenho e deteção. Resumimos as conclusões para as três comparações seguintes.

Reabilitação hospitalar: reabilitação multidisciplinar versus "cuidados habituais"
A reabilitação multidisciplinar foi realizada principalmente em regime de internamento em 20 ensaios.

A reabilitação multidisciplinar resulta provavelmente em menos casos de "maus resultados" (morte ou deterioração do estado residencial, geralmente exigindo cuidados institucionais) com 6 a 12 meses de seguimento (rácio de risco (RR) 0,88, intervalo de confiança de 95% (IC) 0,80 a 0,98; 13 estudos, 3036 participantes; grau de evidencia moderada). Com base num risco ilustrativo de 347 pessoas com fratura da anca com mau resultado em 1000 pessoas seguidas entre 6 e 12 meses, isto equivale a 41 (95% IC 7 a 69) menos pessoas com mau resultado após reabilitação multidisciplinar. Expresso em termos de números necessários para tratar para um resultado prejudicial adicional (NNTH), 25 pacientes (95% IC 15 a 100) precisariam de ser tratados para evitar um "mau resultado". A análise por subgrupos por tipo de intervenção de reabilitação multidisciplinar não mostrou qualquer evidência de diferenças entre os subgrupos.

A reabilitação multidisciplinar pode resultar em menos mortes no hospital mas o intervalo de confiança não exclui um pequeno aumento do número de mortes (RR 0,77, 95% IC 0,58 a 1,04; 11 estudos, 2455 participantes; grau de evidencia baixa). Um resultado semelhante aplica-se aos 4 a 12 meses de seguimento (RR 0,91, 95% IC 0,80 a 1,05; 18 estudos, 3973 participantes; grau de evidência baixa). A reabilitação multidisciplinar pode resultar em menos pessoas com pouca mobilidade aos 6 a 12 meses de seguimento (RR 0,83, 95% IC,71 a 0,98; 5 estudos, 1085 participantes; grau de evidência baixa).

Devido a um grau de evidência muito baixo, temos pouca confiança nos resultados que referem uma qualidade de vida marginalmente melhor após a reabilitação multidisciplinar (1 estudo). O mesmo se aplica aos resultados mistos de alguma ou nenhuma diferença da reabilitação multidisciplinar em relação à dependência em atividades de vida diária com 1 a 4 meses de seguimento (medido de várias formas por 11 estudos), ou com 6 a 12 meses de seguimento (13 estudos). Não foi reportada dor relacionada com a anca a longo prazo.

Ambulatório: alta para o domicilio com apoio por reabilitação domiciliária multidisciplinar versus "cuidados habituais".

Três ensaios testaram esta comparação em 377 pessoas que vivem principalmente em casa. Devido a um grau de evidência muito baixo, temos muito pouca ou nenhuma confiança nas resultados que referem pouca ou nenhuma diferença entre grupos com maus resultados (morte ou mudança para um nível mais elevado de cuidados ou incapacidade de andar) a um ano (3 estudos); na qualidade de vida a um ano (1 estudo); na mortalidade a 4 ou 12 meses (2 estudos); na independência nas atividades pessoais da vida diária (1 estudo); na mudança permanente para um nível mais elevado de cuidados (2 estudos) ou na incapacidade de andar (2 estudos). Não foi reportada dor relacionada com a anca a longo prazo.

Um ensaio testou esta comparação em 240 residentes em lares de idosos. Existe um grau de evidência baixo de que pode não haver diferenças ou diferenças mínimas entre grupos aos 12 meses nos "maus resultados" definidos como mortos ou incapazes de andar; ou na mortalidade aos 4 meses ou 12 meses. Devido a evidência de incerteza muito baixa, temos muito pouca confiança nas conclusões de não haver diferenças entre grupos na dependência às 4 semanas ou aos 12 meses, ou na qualidade de vida, incapacidade de andar ou dor aos 12 meses.

Notas de tradução: 

Traduzido por: Ângelo Luís, Sara Correia, Assunção Vaz Patto, Centro de Investigação em Ciências da Saúde, Universidade da Beira Interior (CICS-UBI), Covilhã, Portugal, com o apoio da Cochrane Portugal.

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