Tratamento imunossupressor para pessoas com nefrite lúpica proliferativa

Qual é a questão?

O sistema imunológico tem a função de combater as infecções. Nas pessoas que têm lúpus, o sistema imunológico ataca diferentes partes do próprio corpo, incluindo os rins. Cerca de metade das pessoas com lúpus tem problemas renais. Estima-se que uma em cada 10 pessoas com doença nos rins devido ao lúpus (nefrite lúpica) pode desenvolver insuficiência renal. O objetivo do tratamento é proteger a função dos rins e evitar efeitos colaterais.

A expectativa de vida dos pacientes com lúpus melhorou muito. Porém, os tratamentos disponíveis podem ter efeitos colaterais importantes, como queda de cabelo, infecção grave e infertilidade. É importante saber quais tratamentos ajudam a tratar o lúpus e, ao mesmo tempo, causam menos efeitos colaterais.

O que fizemos?

Fizemos buscas no Cochrane Kidney and Transplant Specialised Register até 2 de março de 2018 e combinamos todos os estudos que testaram tratamentos imunológicos para nefrite lúpica.

O que encontramos?

Esta última versão atualizada da revisão inclui 74 estudos envolvendo 5175 pacientes com nefrite lúpica. Os tratamentos testados incluíram ciclofosfamida intravenosa, micofenolato de mofetila (MMF) via oral (comprimidos), azatioprina e tacrolimus (usados isoladamente ou junto com o MMF). Também encontramos estudos que testaram terapia biológica, um tipo de tratamento que modifica partes muito específicas do sistema imunológico que fazem com que ele ataque o próprio corpo. Analisamos efeitos chave dos tratamentos, como evitar que os pacientes precisassem de diálise e que o lúpus danificasse os rins (chamado de remissão). Também analisamos os efeitos colaterais importantes associados aos tratamentos, incluindo morte, infecção, infertilidade e queda de cabelo.

A análise dos resultados de todos os estudos combinados mostrou que o MMF pode ser melhor que a ciclofosfamida para controlar os danos renais dos pacientes com lúpus. Porém, devido à variação do efeito do MMF na remissão da doença, o efeito desse remédio pode ser pequeno ou nulo, em comparação com a ciclofosfamida. O uso de MMF associado ao tacrolimus pode aumentar o número de pacientes que têm remissão da doença. O MMF pode produzir menos queda de cabelo e mais diarreia. Porém, não temos certeza se o MMF causa menos infertilidade ou outros efeitos colaterais graves. O MMF foi melhor que a azatioprina para prevenir a doença renal no longo prazo. Nenhum dos estudos trouxe dados sobre os efeitos dos tratamentos sobre a mortalidade ou sobre a necessidade de diálise. Existe evidência de baixa qualidade (ou seja, muita incerteza) sobre o uso de terapia biológica para pacientes com nefrite lúpica.

Conclusões

Para os pacientes com nefrite lúpica, o tratamento com MMF ou MMF mais tacrolimus produz desfechos similares ou ligeiramente melhores do que o tratamento com ciclofosfamida intravenosa. Não está claro qual é o melhor tratamento para evitar que os pacientes com nefrite lúpica precisem fazer diálise no futuro.

Conclusão dos autores: 

Os estudos incluídos nesta atualização da revisão não foram desenhados para avaliar os efeitos do tratamento da nefrite lúpica proliferativa sobre mortalidade (por todas as causas) ou doença renal terminal. O MMF pode levar a maior taxa de remissão completa da doença quando comparado com a ciclofosfamida intravenosa, e tem um perfil aceitável de eventos adversos. Porém, a qualidade da evidência é baixa e inclui a possibilidade de nenhuma diferença. A calcineurina combinada com baixas doses de MMF, comparada com ciclofosfamida injetável, pode melhorar a indução da remissão da doença, mas a segurança dessas terapias é incerta. Como terapia de manutenção, a azatioprina pode aumentar a recidiva da doença quando comparada ao MMF.

Leia o resumo na íntegra...
Introdução: 

A ciclofosfamida, junto com os corticosteroides, é a primeira linha de tratamento para induzir a remissão da nefrite lúpica proliferativa. Com este tratamento, a mortalidade em 5 anos que era maior que 50% nas décadas de 1950 e 1960, caiu para menos de 10% nos últimos anos. Várias estratégias de tratamento desenvolvidas para melhorar as taxas de remissão e minimizar a toxicidade tornaram-se disponíveis. Diversos tratamentos, incluindo o micofenolato de mofetila (MMF) e os inibidores de calcineurina, sozinhos ou combinados a outros medicamentos, podem ter taxas equivalentes ou melhores de remissão, com menor toxicidade (menos alopecia e insuficiência ovariana) e efeitos incertos na mortalidade, doença renal em fase terminal e infecção. Esta é uma atualização de uma revisão Cochrane publicada pela primeira vez em 2004 e atualizada em 2012.

Objetivos: 

Nosso objetivo foi avaliar a evidência e os riscos e benefícios de diferentes tratamentos imunossupressores para pacientes com nefrite lúpica proliferativa com confirmação histopatológica. As seguintes questões relacionadas ao manejo da nefrite lúpica proliferativa foram abordadas: 1) Os novos agentes imunossupressores são superiores ou tão efetivos quanto a ciclofosfamida mais corticosteroides? 2) Quais agentes, dosagens, vias de administração e duração da terapia devem ser usados? 3) Quais toxicidades ocorrem com os diferentes regimes de tratamento?

Métodos de busca: 

Fizemos buscas no Cochrane Kidney and Transplant Specialized Register até 2 de março de 2018. A busca foi desenvolvida com a ajuda de um especialista em informação da Cochrane, utilizando estratégia de busca adequada. O Specialised Register identifica estudos fazendo buscas na CENTRAL, MEDLINE e EMBASE, em anais de congressos, no International Clinical Trials Register (ICTRP) Search Portal e no ClinicalTrials.gov.

Critério de seleção: 

Incluímos ensaios clínicos randomizados (ECR)s e ensaios clínicos quasi-randomizados que compararam quaisquer tratamentos com imunossupressores para nefrite lúpica comprovada por biópsia. Incluímos pacientes adultos ou pediátricos com nefrite lúpica nas classes III, IV, V + III e V + VI.

Coleta dos dados e análises: 

Dois autores, trabalhando de forma independente, fizeram a extração dos dados e avaliaram o risco de viés dos estudos. Apresentamos os dados de desfechos dicotômicos como risco relativo (RR), e os dados de desfechos contínuos como diferenças médias (MD), com intervalo de confiança (IC) de 95%. Os desfechos primários foram mortalidade (por todas as causas) e remissão completa da doença para terapia de indução e recidiva da doença para terapia de manutenção. A qualidade da evidência foi avaliada usando a abordagem GRADE.

Principais resultados: 

Identificamos 26 novos estudos. A revisão inclui agora 74 estudos envolvendo um total de 5175 participantes. Apesar de 29 estudos incluíram crianças menores de 18 anos com nefrite lúpica, apenas dois estudos avaliaram exclusivamente o tratamento da nefrite lúpica em pacientes com menos de 18 anos de idade.

Terapia de indução

Ao todo, 67 estudos (4791 participantes, duração mediana de 12 meses, variando entre 2,5 a 48 meses) testaram terapias de indução. Como a mortalidade por todas causas e a doença renal terminal foram eventos muito raros, há incerteza quanto aos efeitos de todas as estratégias terapêuticas sobre esses desfechos. Comparado com a ciclofosfamida intravenosa, o MMF parece aumentar a remissão completa da doença (RR 1,17, IC 95% 0,97 a 1,42, evidência de baixa qualidade). Porém, a amplitude dos efeitos inclui a possibilidade de haver pouca ou nenhuma diferença.

Comparado com a ciclofosfamida intravenosa, o MMF provavelmente produz menos alopecia (RR 0,29, IC 95% 0,19 a 0,46; 170 menos casos, variando de 129 menos a 194 menos casos por 1000 pessoas, evidência de qualidade moderada) e mais diarreia (RR 2,42, IC 95% 1,64 a 3,58; 142 mais casos, variando de 64 mais a 257 mais por 1000 pessoas, evidência de moderada qualidade). Houve pouco ou nenhuma diferença sobre infecção grave (RR 1,02, IC 95% 0,67 a 1,54; 2 casos menos, variando de 38 menos a 62 mais por 1000 pessoas, evidência de baixa qualidade). Não está claro se o MMF diminuiu a insuficiência ovariana comparado com a ciclofosfamida intravenosa (RR 0,36, IC 95% 0,06 a 2,18; 26 menos casos, variando de 39 menos a 49 mais por 1000 pessoas, evidência de qualidade muito baixa). No geral, os estudos não foram desenhados para avaliar a doença renal terminal.

Há evidência de baixa qualidade que o MMF combinado com o tacrolimus pode ser superior à ciclofosfamida intravenosa na remissão completa da doença (RR 2,38, IC 95% 1,07 a 5,30; 336 mais, variando de 17 a 1048 mais por 1000 pessoas. Porém os efeitos na alopecia, diarreia, insuficiência ovariana e infecção grave permanecem incertos. Há incertezas sobre os efeitos dos biológicos versus tratamento habitual para a maioria dos desfechos porque a qualidade dessa evidência é baixa e muito baixa.

Terapia de manutenção

Nove estudos (767 participantes; duração mediana de 30 meses, variando de 6 a 63 meses) avaliaram terapias de manutenção. Há evidência de moderada qualidade que a terapia de manutenção com azatioprina, em comparação com o MMF, aumenta a recidiva da doença (RR 1,75, IC 95% 1,20 a 2,55; 114 mais, variando de 30 a 236 mais por 1000 pessoas). Várias outras terapia de manutenção foram comparada. Porém, como havia poucos dados sobre os desfechos dos pacientes, as estimativas ficaram imprecisas.

Notas de tradução: 

Tradução do Centro Cochrane do Brasil (Renato Mantelli Picoli e Ana Carolina P. N. Pinto). Centrocochranedobrasil.org.br

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