Introdução: A ventilação não invasiva (VNI) é uma técnica que auxilia ou substitui a respiração normal com a ajuda de um ventilador, utilizando uma máscara sobre o nariz ou cobrindo nariz e boca. A VNI pode ser usada a longo prazo em casa quando os níveis de dióxido de carbono no sangue permanecem elevados. Queríamos descobrir se o uso da VNI crônica em casa, durante a noite, juntamente com o tratamento padrão, é melhor ou pior do que o tratamento padrão isolado em pessoas com DPOC que apresentam níveis elevados de dióxido de carbono. Revisões Cochrane anteriores, publicadas em 2002 e 2013, já investigaram essa questão. Este estudo buscou incluir novos dados para atualizar os achados originais.
O que são dados individuais dos participantes: Nesta revisão, usamos os dados individuais dos participantes (DIP). Isso significa que coletamos dados originais de cada pessoa que participou dos estudos analisados, solicitando essas informações diretamente aos pesquisadores responsáveis. Esse método permite identificar mudanças entre grupos e investigar hipóteses adicionais com maior precisão. Os cálculos da revisão foram baseados nesses dados.
Pergunta da revisão: Qual é o efeito do uso crônico de VNI em pessoas com DPOC sobre os gases no sangue (oxigênio e dióxido de carbono), capacidade de exercício, qualidade de vida, função pulmonar, função dos músculos respiratórios, exacerbações e internações hospitalares, além da sobrevida?
Características do estudo: A evidência está atualizada até 21 de dezembro de 2020. Nesta atualização, identificamos 14 novos estudos, totalizando 21 estudos incluídos. Dez estudos avaliaram pessoas em fase estável da DPOC, enquanto quatro analisaram pacientes logo após uma internação hospitalar por exacerbações da doença (fase pós-exacerbação). Todos os estudos incluíram homens e mulheres. Analisamos os dados de 778 pessoas com DPOC estável e 364 com DPOC pós-exacerbação.
Resultados: Em pessoas com DPOC que apresentavam níveis elevados de dióxido de carbono, o uso crônico de VNI por três a 12 meses melhorou os gases no sangue. Na DPOC estável, a VNI crônica pode ter melhorado a qualidade de vida e aumentado a sobrevida em comparação ao tratamento padrão isolado. No entanto, não houve benefício relevante na capacidade de exercício. Em pessoas que utilizaram VNI crônica após uma internação por DPOC, os benefícios foram menores, os níveis de dióxido de carbono diminuíram, o tempo até a próxima internação pode ter aumentado, mas a qualidade de vida e a sobrevida não foram afetadas.
Certeza dos resultados: Nossa confiança nos resultados relacionados aos gases no sangue é boa, de acordo com os critérios GRADE. Para os outros desfechos, a confiança na evidência varia de moderada a muito baixa. Isso se deve ao fato de que os participantes e os pesquisadores estavam cientes do tratamento recebido, além da ampla variação nos efeitos observados. Isso indica que pesquisas futuras podem alterar os resultados.
Independente do momento de início, a VNI crônica melhora a hipercapnia diurna. Na DPOC estável, parece melhorar a sobrevivência e oferecer um benefício a curto prazo na qualidade de vida relacionada a saúde. Em pessoas com hipercapnia persistente após uma exacerbação da DPOC, a VNI crônica pode prolongar a sobrevida livre de internação, mas sem efeito benéfico na qualidade de vida relacionada a saúde.
Para a DPOC estável, futuros ECRs comparando a VNI com o tratamento padrão podem não ser mais necessários. Pesquisas futuras devem identificar as características dos pacientes que determinam o sucesso do tratamento e o momento ideal para iniciar a VNI após exacerbações.
A ventilação não invasiva (VNI) crônica tem sido cada vez mais utilizada no tratamento de pessoas com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) que apresentam insuficiência respiratória. No entanto, as evidências que sustentam esse tratamento são conflitantes.
Avaliar os efeitos da VNI crônica domiciliar, utilizando máscara facial, em pessoas com DPOC, por meio de uma análise combinada de dados individuais dos participantes (DIP) e meta-análise.
Realizamos buscas na Cochrane Airways Register of Trials, MEDLINE, Embase, PsycINFO, CINAHL, AMED, anais de congressos sobre doenças respiratórias, registros de ensaios clínicos e bibliografias de estudos relevantes. A busca mais recente foi realizada em 21 de dezembro de 2020.
Incluímos ensaios clínicos randomizados (ECRs) que compararam VNI crônica (por pelo menos cinco horas/noite durante três semanas consecutivas ou mais, além do tratamento padrão) com o tratamento padrão isolado em pessoas com DPOC. Incluímos estudos com pacientes em fase estável e aqueles que iniciaram a VNI após uma exacerbação grave da DPOC, analisados separadamente. Os desfechos primários foram: gases sanguíneos arteriais, qualidade de vida relacionada a saúde (QVRS), capacidade de exercício (DPOC estável) e sobrevida livre de internação (DPOC pós-exacerbação). Os desfechos secundários incluíram função pulmonar, exacerbações, internações por DPOC e mortalidade por todas as causas. Para a DPOC estável, também avaliamos força muscular respiratória, dispneia e qualidade do sono.
Seguimos as recomendações metodológicas da Cochrane. Após incluir os estudos, solicitamos os DIP. Analisamos dados contínuos e de tempo até o evento usando modelos de regressão linear e de Cox com efeito misto, ajustados por idade e sexo. Os dados dicotômicos foram analisados com equações de estimativas generalizadas. Avaliamos as mudanças nos desfechos após três e 12 meses e realizamos meta-análise agrupando os dados.
Incluímos 14 novos ECRs nesta atualização, totalizando 21 estudos. Destes, 17 investigaram a VNI em DPOC estável e 4 após exacerbações graves. Três estudos compararam a VNI com a pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP) simulada (2 a 4 cmH 2 O). Sete estudos utilizaram máscara nasal, um utilizou máscara oronasal e oito utilizaram ambas as interfaces. Cinco estudos não relataram a interface utilizada. A maioria dos estudos (20/21) apresentava alto risco de viés de desempenho devido ao desenho não cego. Consideramos 11 estudos com baixo risco de viés de seleção e 13 com baixo risco de viés de atrito. Coletamos e analisamos os DIP de 13 estudos de DPOC estável (n = 778, 68% dos participantes) e de três estudos pós-exacerbação (n = 364, 96% dos participantes).
No grupo com DPOC estável, a VNI provavelmente resulta em um pequeno benefício na pressão parcial arterial de oxigênio (PaO 2 ) após três meses (diferença média ajustada (DMA) 0,27 kPa, IC de 95% 0,04 a 0,49; 9 estudos, 271 participantes; moderada certeza da evidência). Aos 12 meses, houve pouco ou nenhum benefício (DMA 0,09 kPa, IC de 95% -0,23 a 0,42; 3 estudos, 171 participantes; baixa certeza da evidência). A pressão parcial arterial de dióxido de carbono (PaCO 2 ) foi reduzida em participantes que utilizaram VNI após três meses (DMA -0,61 kPa, IC 95% -0,77 a -0,45; 11 estudos, 475 participantes; alta certeza da evidência) e persistiu até 12 meses (DMA -0,42 kPa, IC 95% -0,68 a -0,16; 4 estudos, 232 participantes; alta certeza da evidência).
A capacidade de exercício, medida pela distância de caminhada de 6 minutos (diferença clínica mínima importante: 26 m) não foi clinicamente relevante com o uso da VNI ( 3 meses: DMA: 15,5 m; IC 95%: -0,8 a 31,7; 8 estudos, 330 participantes; baixa certeza da evidência; 12 meses: DMA: 26,4 m; IC 95%: -7,6 a 60,5; 3 estudos, 134 participantes; muito baixa certeza da evidência). A QVRS, avaliada com o Questionário de Insuficiência Respiratória Grave e o Questionário Respiratório de St. Georges, pode melhorar com a VNI após três meses ( 3 meses: diferença média padronizada (DMP) 0,39, IC 95% 0,15 a 0,62; 5 estudos, 259 participantes; muito baixa certeza da evidência; 12 meses: DMP: 0,15; IC 95%: -0,13 a 0,43; 4 estudos, 200 participantes; muito baixa certeza da evidência). O risco de mortalidade por todas as causas provavelmente é reduzido pela VNI (hazard ratio (HR) ajustada 0,75, IC 95% 0,58 a 0,97; 3 estudos, 405 participantes; moderada certeza da evidência).
No grupo DPOC pós-exacerbação, houve pouco ou nenhum benefício na PaO 2 após três meses, mas pode haver uma pequena redução após 12 meses ( 3 meses: DMA: -0,10 kPa; IC 95%: -0,65 a 0,45; 3 estudos, 234 participantes; baixa certeza da evidência; 12 meses: DMA: -0,27 kPa; IC 95%: -0,86 a 0,32; 3 estudos, 170 participantes; baixa certeza da evidência). A PaCO 2 foi reduzida pela VNI em três meses (DMA: -0,40 kPa; IC 95%: -0,70 a -0,09; 3 estudos, 241 participantes; moderada certeza da evidência) e 12 meses (DMA: -0,52 kPa; IC 95%: -0,87 a -0,18; 3 estudos, 175 participantes; alta certeza da evidência). A VNI pode ter pouco ou nenhum benefício na QVRS ( 3 meses: DMP: 0,25; IC 95%: -0,01 a 0,51; 2 estudos, 219 participantes; muito baixa certeza da evidência; 12 meses: DMP: 0,25; IC 95%: -0,06 a 0,55; 2 estudos, 164 participantes; muito baixa certeza da evidência). A sobrevida livre de internação parece melhorar com a VNI (HR ajustada 0,71, IC 95% 0,54 a 0,94; 2 estudos, 317 participantes; baixa certeza da evidência), mas o risco de mortalidade por todas as causas não parece melhorar (HR ajustada 0,97, IC 95% 0,74 a 1,28; 2 estudos, 317 participantes; baixa certeza da evidência).
Tradução do Cochrane Brazil (André Silva de Sousa e Aline Rocha). Contato: tradutores.cochrane.br@gmail.com