Atividade física para melhorar a capacidade de exercício em pessoas com fibrose cística

Pergunta da revisão

Revisamos as evidências sobre se as intervenções de atividade física (incluindo exercícios) têm algum efeito na capacidade de exercício, qualidade de vida relacionada à saúde e função pulmonar em pessoas com fibrose cística (FC). Esta é uma atualização de uma revisão publicada anteriormente.

Introdução

A FC afeta muitos sistemas do corpo, mas principalmente os pulmões. Ela causa falta de ar e limita a quantidade de exercícios que as pessoas com FC podem tolerar. O progresso da doença pulmonar leva a uma baixa capacidade de exercício e à inatividade física, o que, por sua vez, afeta a saúde e a qualidade de vida relacionada com a saúde. Procuramos estudos em que pessoas com FC participavam de uma intervenção de atividade física (incluindo atividades aeróbias, como caminhada, corrida, natação e ciclismo; ou treinamento de força; ou combinações de ambos) comparadas com um grupo controle sem intervenção (cuidados usuais).

Data da busca

Incluímos todas as evidências disponíveis até 3 de março de 2022.

Características dos estudos

Incluímos 24 estudos (875 participantes) nesta revisão. O número de pessoas em cada estudo variou de nove a 117. Alguns estudos incluíram apenas crianças, outros somente adultos e alguns ambos crianças e adultos. Os estudos incluíram pessoas com uma ampla faixa de gravidade da doença. Os estudos utilizaram diferentes níveis de supervisão em seus programas de treinamento ativo: em 12 estudos, os participantes foram supervisionados; em 11 estudos, os participantes foram parcialmente supervisionados; e em um estudo, os participantes não foram supervisionados. O programa de treinamento ativo teve duração de até seis meses em 14 estudos, e superior a seis meses nos outros 10 estudos. Dos 24 estudos incluídos, sete adicionaram um período de acompanhamento (quando todos os participantes retornaram aos cuidados usuais, mas ainda assim, podiam se exercitar se desejassem). A qualidade dos estudos incluídos variou amplamente.

Principais resultados

Esta revisão sistemática demostra que as intervenções de atividade física por mais de seis meses provavelmente melhoram a capacidade de exercício em pessoas com FC. Quando comparadas com nenhuma atividade, as intervenções de atividade física podem fazer pouca ou nenhuma diferença na função pulmonar e na qualidade de vida relacionada à saúde.

O maior estudo incluído nesta revisão (117 participantes) relatou:

- Nenhuma diferença entre o grupo atividade física e o grupo controle no número de exacerbações pulmonares (um surto da doença) (alta certeza da evidência);

- Nenhuma diferença no tempo para o primeiro surto por 12 meses (alta certeza da evidência);

- Nenhum efeito benéfico da atividade física sobre o controle da diabetes após nove meses (moderada certeza da evidência).

Dois estudos (156 participantes) não encontraram diferenças, entre os grupos no número de eventos adversos relatados (baixa certeza da evidência).

Para programas de treinamento físico com duração de até seis meses, os efeitos foram semelhantes aos dos programas de treinamento mais longos.

Apenas três estudos que acrescentaram um período de acompanhamento (de duração variável) relataram dados que pudemos analisar sobre mudanças na capacidade de exercício e na função pulmonar; e apenas um relatou sobre qualidade de vida. Portanto, estes resultados devem ser interpretados com cautela.

No geral e quando comparados aos cuidados usuais (sem intervenção), a atividade física e o treinamento físico provavelmente melhora discretamente a capacidade de exercício, embora possam ter pouco ou nenhum efeito na função pulmonar e na qualidade de vida relacionada à saúde em pessoas com FC.

Certeza da evidência

Incluímos 24 estudos. Dadas as diferenças nos efeitos entre os estudos, a grande variação na qualidade do estudo e a falta de informações sobre mudanças clinicamente significativas para várias medidas de desfechos, consideramos a certeza geral da evidência sobre os efeitos das intervenções de atividade física na capacidade de exercício, função pulmonar e qualidade de vida relacionada à saúde de baixa a moderada. Estamos incertos sobre os efeitos que vimos e estudos de melhor qualidade provavelmente mudarão estes achados.

Os fatores que afetaram nossa certeza incluíram que, em cinco estudos, as características de alguns participantes foram diferentes entre os grupos no início dos estudos, apesar das pessoas terem sido distribuídas aleatoriamente nos diferentes grupos de tratamento.

Além disso, ao comparar intervenções de atividade física com nenhuma intervenção, as pessoas sempre saberão a qual grupo pertencem. Entretanto, não acreditamos que o fato das pessoas saberem qual tratamento estavam recebendo afetaria os resultados da função pulmonar, desde que as avaliações fossem feitas adequadamente. Em contraste, alguns vieses podem ser introduzidos quando os investigadores que avaliam a capacidade de exercício, sabem a qual grupo a pessoa pertence. Em 10 estudos, os investigadores tentaram impedir que os avaliadores soubessem a que grupos os participantes pertenciam.

O relato seletivo dos resultados também pode ser um problema, especialmente porque a maioria dos estudos incluídos não foram listados nos registros de ensaios clínicos, onde os detalhes dos desfechos são relatados.

Conclusão dos autores: 

As intervenções de atividade física por seis meses ou mais provavelmente melhoram a capacidade de exercício em comparação com a ausência de treinamento (moderada certeza da evidência). As evidências atuais mostram pouco ou nenhum efeito na função pulmonar e QVRS (baixa certeza da evidência). Nas últimas décadas, a atividade física tem ganhado cada vez mais interesse e já faz parte do cuidado multidisciplinar oferecido à maioria das pessoas com FC. Os efeitos adversos da atividade física parecem raros e não há motivo para desencorajar ativamente a atividade física e o exercício físico regular. Os benefícios de incluir a atividade física nos cuidados regulares de um indivíduo podem ser influenciados pelo tipo e duração do programa de atividades, bem como pelas preferências individuais e barreiras para a atividade física. São necessários estudos adicionais de alta qualidade com amostras suficientemente grandes para avaliar de forma abrangente os benefícios da atividade física e do exercício em pessoas com FC, especialmente na nova era da medicina da FC.

Leia o resumo na íntegra...
Introdução: 

A atividade física (incluindo exercícios físicos) pode desempenhar um papel importante nos cuidados regulares de pessoas com fibrose cística (FC). Esta é uma atualização de uma revisão publicada anteriormente.

Objetivos: 

Avaliar os efeitos das intervenções de atividade física na capacidade de exercício através do consumo máximo de oxigênio, na função pulmonar através do volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1), na qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) e em outros desfechos importantes para o paciente com fibrose cística (FC).

Métodos de busca: 

Nós fizemos uma busca no Cochrane Cystic Fibrosis and Genetic Disorders Group Trials Register, que inclui referências identificadas a partir de buscas abrangentes em base de dados eletrônicas e buscas manuais em revistas e anais de conferências relevantes na área. A busca mais recente foi realizada em 3 de março de 2022. Também realizamos buscas em dois registros de ensaios clínicos em andamento: clinicaltrials.gov, mais recentemente em 4 de março de 2022; e na World Health Organization (WHO) International Clinical Trials Registry Platform (ICTRP), em 16 de março de 2022.

Critério de seleção: 

Incluímos todos os ensaios clínicos randomizados (ECRs) e quase-ECRs comparando intervenções de atividade física de qualquer tipo e duração mínima de duas semanas com cuidados convencionais (sem intervenção de atividade física) em pessoas com FC.

Coleta dos dados e análises: 

Dois autores de forma independente, selecionaram os ECRs para inclusão, avaliaram a qualidade metodológica e extraíram os dados. Avaliamos a certeza da evidência usando a abordagem GRADE.

Principais resultados: 

Incluímos 24 ECRs paralelos (875 participantes). O número de participantes nos estudos variou de nove a 117, abrangendo uma ampla faixa de gravidade da doença. A distribuição etária dos estudos variou : em dois estudos, todos os participantes eram adultos; em 13 estudos, os participantes tinham 18 anos ou menos; em um estudo, os participantes tinham 15 anos ou mais; em um estudo, os participantes tinham 12 anos ou mais; e sete estudos abrangeram todas as faixas etárias. O programa de treinamento ativo teve duração de até seis meses em 14 estudos, e superior a seis meses nos outros 10 estudos. Dos 24 estudos incluídos, sete implementaram um período de acompanhamento (quando a supervisão foi retirada, mas os participantes ainda puderam se exercitar) variando de um a 12 meses. Os estudos empregaram diferentes níveis de supervisão: em 12 estudos, o treinamento foi supervisionado; em 11 estudos, foi parcialmente supervisionado; e em um estudo, o treinamento não foi supervisionado. A qualidade dos estudos incluídos variou amplamente.

Esta revisão Cochrane mostra que, em estudos com um programa de treinamento físico com duração superior a seis meses em pessoas com FC, a atividade física provavelmente tem um efeito positivo na capacidade de exercício quando comparada a nenhuma atividade física (cuidados usuais) (diferença média (DM) 1,60, Intervalo de confiança de 95% (IC) 0,16 a 3,05; 6 ECRs, 348 participantes; moderada certeza da evidência). A magnitude da melhora na capacidade do exercício é interpretada como pequena, embora os resultados dos estudos tenham sido heterogêneos. Intervenções de atividade física podem não ter efeito na função pulmonar (volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) % previsto) (DM 2,41, IC 95% ‒0,49 a 5,31; 6 ECRs, 367 participantes), domínio funcionamento físico da QVRS (DM 2,19, IC 95% ‒3,42 a 7,80; 4 ECRs, 247 participantes) e domínio respiratório da QVRS (DM ‒0,05, IC 95% ‒3,61 a 3,51; 4 ECRs, 251 participantes) em seis meses ou mais (baixa certeza da evidência). Um estudo (117 participantes) não relatou diferenças entre os grupos de atividade física e controle no número de participantes que experimentaram exacerbação pulmonar em seis meses (taxa de razão de incidência 1,28, IC 95% 0,85 a 1,94) ou no tempo até a primeira exacerbação acima de 12 meses (hazard ratio 1,34, IC 95% 0,65 a 2,80) (ambas com alta certeza da evidência); e nenhum efeito da atividade física no controle do diabetes (após 1 hora): DM ‒0,04 mmol/L, IC 95% ‒1,11 a 1,03; 67 participantes; após 2 horas: DM -0,44 mmol/L, IC 95% -1,43 a 0,55; 81 participantes; moderada certeza da evidência). Não encontramos diferença entre os grupos no número de eventos adversos ao longo de seis meses (odds ratio 6,22, IC 95% 0,72 a 53,40; 2 ECRs, 156 participantes; baixa certeza da evidência).

Para outros pontos no tempo (até seis meses, inclusive durante um período de acompanhamento sem intervenção ativa), os efeitos da atividade física versus controle foram semelhantes aos relatados para os desfechos acima. Entretanto, apenas três dos sete estudos que adicionaram um período de acompanhamento sem intervenção ativa (variando entre um e 12 meses) relataram os desfechos primários de mudanças na capacidade de exercício e função pulmonar, e um sobre QVRS. Estes dados devem ser interpretados com cautela. Considerando a heterogeneidade dos efeitos entre os estudos, a ampla variação na qualidade dos estudos e a falta de informações sobre mudanças clinicamente significativas em várias medidas de desfechos, consideramos a certeza geral da evidência sobre os efeitos das intervenções de atividade física na capacidade de exercício, função pulmonar e QVRS é baixa a moderada.

Notas de tradução: 

Tradução do Cochrane Brazil (Aline Rocha e Ricardo de Freitas Dias) Contato: tradutores.cochrane.br@gmail.com

Tools
Information