Formas de parar de tomar antidepressivos de longo prazo em pessoas com depressão ou ansiedade

Pergunta da revisão

Nosso objetivo foi avaliar a eficácia e segurança de parar de tomar antidepressivos em pessoas com depressão ou ansiedade que tomavam esses remédios há pelo menos seis meses.

Comparamos diferentes formas de parar os antidepressivos de longo prazo versus continuar tomando esses remédios. Analisamos os benefícios (por exemplo, taxa de descontinuação bem sucedida) e danos, tais como ocorrência de novo episódio depressivo ou de ansiedade (recaída), efeitos colaterais e sintomas de abstinência (ou seja, sintomas que as pessoas experimentam ao parar um antidepressivo).

Introdução

Os antidepressivos são amplamente utilizados para o tratamento da depressão e da ansiedade. As diretrizes recomendam que os antidepressivos devem ser mantidos por pelo menos seis meses depois que as pessoas começarem a se sentir melhor, e por pelo menos dois anos se elas tiverem tido dois ou mais episódios de depressão. Muitas pessoas tomam antidepressivos por muito mais tempo e como eles podem causar efeitos colaterais desagradáveis, o uso a longo prazo coloca as pessoas em risco de danos que podem superar os benefícios.

Características do estudo

Buscamos por estudos que haviam sido publicados até janeiro de 2020. Encontramos 33 estudos que incluíram 4995 participantes adultos. A maioria das pessoas nestes estudos teve depressão recorrente (dois ou mais episódios de depressão antes de parar os antidepressivos), e a maioria foi recrutada em serviços especializados de saúde mental. Em 13 estudos, o antidepressivo foi interrompido abruptamente; em 18 estudos, o antidepressivo foi interrompido de forma gradual ao longo de várias semanas ("retirada gradual"). Em quatro estudos, os participantes também receberam apoio psicoterapêutico. Um estudo usou uma carta enviada para o clínico geral que cuidava do paciente com orientações sobre a retirada gradual do antidepressivo. A maioria dos esquemas de retirada gradual durou quatro semanas ou menos.

Resultados principais

Encontramos evidências de qualidade (certeza) muito baixa que, comparado com a continuação do antidepressivo, a parada abrupta desse medicamento pode levar a um maior risco de recaída e não havia evidência suficiente quanto ao efeito desse tipo de interrupção sobre efeitos colaterais.

Encontramos evidências de qualidade muito baixa que, comparado com a continuação do antidepressivo, a "retirada gradual" ao longo de algumas semanas pode levar a um maior risco da doença retornar e, novamente, pouco ou nenhum efeito sobre os efeitos colaterais.

Encontramos evidências de qualidade muito baixa a baixa que parar o antidepressivo junto com terapia cognitiva preventiva (TCP), ou terapia de mindfulness (TCBM), foi possível para 40% a 75% dos participantes do grupo com redução gradual do antidepressivo, sem efeitos sobre a recidiva.

Encontramos evidências de baixa qualidade que uma carta endereçada ao clínico geral com orientação sobre redução gradual do antidepressivo pode não ter efeito sobre o número de pessoas que param de usar antidepressivos.

Não pudemos tirar conclusões sobre os sintomas de abstinência após a parada abrupta ou gradual de um antidepressivo pois isso não foi avaliado pelos estudos.

Nenhum dos estudos utilizou esquemas de retirada gradual lentos (ou seja, com duração maior do que apenas algumas semanas), nem retirada gradual de antidepressivos em forma líquida, ou utilizou faixas de retirada gradual (para permitir retirada gradual com doses muito baixas).

Nenhum dos estudos avaliou parar o antidepressivo associado a terapia de apoio on-line ou terapia de auto-ajuda.

Qualidade da evidência

Em geral, a qualidade da evidência era baixa a muito baixa. Isto significa que temos pouca confiança nos resultados, e é provável que novas pesquisas mudem nossas conclusões. As principais razões para a baixa qualidade da evidência foram que os estudos não distinguiam entre sintomas de recaída da depressão e sintomas de abstinência. Além disso, a maioria dos estudos não fez a retirada de forma gradual, ou usou um curto período de tempo (quatro semanas ou menos) para a retirada gradual, e quase todos os estudos incluíram pessoas com depressão recorrente (com mais de dois episódios).

Conclusões

Encontramos poucos estudos sobre formas de suspender os antidepressivos de longo prazo. Não temos certeza se as abordagens para parar os antidepressivos de longo prazo estudadas até o momento são eficazes e seguras em pessoas com depressão recorrente. As pessoas devem discutir com seu médico quando quiserem parar de usar seu antidepressivo.

Estudos futuros devem incluir pessoas atendidas na atenção primária, com apenas um ou nenhum episódio anterior de depressão, pessoas idosas e pessoas que estão tomando antidepressivos para ansiedade. Os estudos futuros também devem retirar os antidepressivos de forma lenta e gradual e diferenciar os sintomas de abstinência dos sintomas de recidiva.

Conclusão dos autores: 

Na atualidade, existem relativamente poucos estudos sobre estratégias para descontinuar o uso de antidepressivos em pessoas que os vêm usando a longo prazo. Não podemos tirar conclusões definitivas sobre os efeitos e a segurança das abordagens estudadas até o momento. O verdadeiro efeito e a segurança provavelmente serão substancialmente diferentes dos dados apresentados nesta revisão devido à confusão nos estudos entre recaída da depressão com os sintomas de abstinência. Todos os outros desfechos também foram confundidos pelos sintomas de abstinência. A maioria dos regimes de retirada gradual se limitou a períodos de até quatro semanas. Nos estudos que usaram esquemas de retirada gradual rápida, o risco de sintomas de abstinência pode ser semelhante aos estudos que descontinuaram a medicação abruptamente, o que pode influenciar a eficácia das intervenções. Quase todos os dados foram provenientes de pessoas com depressão recorrente.

Há uma necessidade urgente de ECRs que abordem adequadamente o viés de confusão da abstinência e distingam cuidadosamente as recaídas dos sintomas de abstinência. Estudos futuros devem relatar desfechos chave, tais como taxa de descontinuação bem sucedida e devem incluir populações com um ou nenhum episódio anterior de depressão, atendidas na atenção primária, assim como idosos e pessoas que tomam antidepressivos para ansiedade e avaliar esquemas de retirada gradual por mais de 4 semanas.

Leia o resumo na íntegra...
Introdução: 

Depressão e ansiedade são as indicações mais frequentes para prescrição de antidepressivos. O uso de antidepressivos a longo prazo é responsável pelo aumento do consumo de antidepressivos observado internacionalmente. Pesquisas com usuários de antidepressivos sugerem que 30% a 50% das prescrições de antidepressivos a longo prazo não têm indicação baseada em evidências. O uso desnecessário de antidepressivos coloca as pessoas em risco de eventos adversos. Porém, faltam evidências de boa qualidade sobre a eficácia e segurança das abordagens para descontinuar os antidepressivos de longo prazo.

Objetivos: 

Avaliar a eficácia e segurança das abordagens para descontinuar versus continuar o uso de antidepressivos de longo prazo em adultos com transtornos depressivos e de ansiedade.

Métodos de busca: 

Fizemos buscas em todas as bases de dados para identificar ensaios clínicos controlados randomizados (ECRs) publicados até janeiro de 2020.

Critério de seleção: 

Incluímos ECRs que compararam estratégias para descontinuar versus continuar antidepressivos (ou cuidados usuais) em adultos com depressão ou ansiedade que receberam prescrição de antidepressivos por pelo menos seis meses. As intervenções incluíram a descontinuação isolada (abrupta ou gradual), descontinuação mais apoio psicoterapêutico, e descontinuação com intervenção mínima. Os principais desfechos foram a taxa de descontinuação bem sucedida, recaída (conforme definido pelos autores do estudo original), sintomas de abstinência e eventos adversos. Os desfechos secundários foram: sintomas depressivos, sintomas de ansiedade, qualidade de vida, funcionamento social e ocupacional e gravidade da doença.

Coleta dos dados e análises: 

Utilizamos os procedimentos metodológicos padrão esperados pela Cochrane.

Principais resultados: 

Incluímos 33 estudos envolvendo 4995 participantes. Quase todos os estudos foram realizados em um serviço especializado em saúde mental e incluíram participantes com depressão recorrente (ou seja, dois ou mais episódios de depressão antes da descontinuação). Todos os estudos incluídos tinham alto risco de viés. A principal limitação da revisão foi o viés devido à confusão entre sintomas de abstinência e sintomas de recidiva da depressão. Os sintomas de abstinência (como rebaixamento do humor, tonturas) podem ter um efeito sobre quase todos os desfechos, incluindo eventos adversos, qualidade de vida, funcionamento social e gravidade da doença.

Descontinuação abrupta

Treze estudos avaliaram a descontinuação abrupta do antidepressivo.

Existe evidência de qualidade muito baixa que, comparado à continuação do antidepressivo, a interrupção abrupta sem apoio psicológico pode aumentar o risco de recidiva (Razão de risco (HR) 2,09, intervalo de confiança 95% (IC) 1,59 a 2,74; 1373 participantes, 10 estudos) e não há evidência suficiente do efeito dessa intervenção sobre eventos adversos (Razão de chances (OR) 1,11, IC 95% 0,62 a 1,99; 1012 participantes, 7 estudos; I² = 37%), sem avaliação específica dos sintomas de abstinência. A evidência sobre os efeitos da interrupção abrupta nos sintomas de abstinência (1 estudo) é muito incerta.

Nenhum destes estudos incluiu a taxa de descontinuidade bem sucedida como desfecho primário.

Descontinuação "gradual"

Dezoito estudos avaliaram a descontinuação "gradual" (ao longo de uma semana ou mais). A maioria dos regimes de retirada gradual durou até quatro semanas.

Existe evidência de qualidade muito baixa que, comparado à continuação dos antidepressivos, a descontinuação "gradual" pode levar a maior risco de recaída (HR 2,97, IC 95% 2,24 a 3,93; 1546 participantes, 13 estudos) com nenhuma ou pouca diferença nos eventos adversos (OR 1,06, IC 95% 0,82 a 1,38; 1479 participantes, 7 estudos; I² = 0%), sem avaliação específica dos sintomas de abstinência. A evidência sobre os efeitos da descontinuação nos sintomas de abstinência (1 estudo) é muito incerta.

Descontinuação com apoio psicológico

Quatro estudos avaliaram a descontinuação com apoio psicológico. Existe evidência de qualidade muito baixa que o início da terapia cognitiva preventiva (TCP), ou terapia cognitiva baseada em Mindfulness (TCBM), combinada com "retirada gradual" pode resultar em taxas de descontinuação bem sucedidas de 40% a 75% no grupo de descontinuação (690 participantes, 3 estudos). Solicitamos dados dos grupos controle nestes estudos, porém eles ainda não estão disponíveis.

Existe evidência de baixa qualidade que a interrupção combinada com intervenção psicológica pode resultar em pouco ou nenhum efeito sobre a recidiva (HR 0,89, IC 95% 0,66 a 1,19; 690 participantes, 3 estudos) em comparação com a continuação dos antidepressivos. Os sintomas de abstinência não foram medidos. Não foi possível combinar os dados sobre eventos adversos devido à falta de informações (3 estudos).

Interrupção com intervenção mínima

Existe evidência de baixa qualidade, proveniente de um estudo, que uma carta enviada para o clínico geral (CG) pedindo que ele revise o tratamento antidepressivo pode resultar em pouco ou nenhum efeito na taxa de descontinuação bem sucedida em comparação com os cuidados habituais (6% versus 8%; 146 participantes, 1 estudo) ou na taxa de recaída (taxa de recaída 26% versus 13%; 146 participantes, 1 estudo). O estudo não avaliou sintomas de abstinência ou eventos adversos .

Nenhum dos estudos utilizou intervenções psicológicas de baixa intensidade, tais como apoio on-line ou uma formulação farmacêutica modificada que permitisse a redução gradual das doses ao longo de vários meses. Há dados insuficientes sobre a maioria das pessoas que tomam antidepressivos na comunidade (ou seja, aquelas com apenas um ou nenhum episódio anterior de depressão), pessoas com 65 anos ou mais, e pessoas que tomam antidepressivos para ansiedade.

Notas de tradução: 

Tradução do Centro Afiliado Rio de Janeiro / Faculdade de Medicina de Petrópolis, Cochrane Brazil (Gustavo Valadares Labanca Reis e Maria Regina Torloni). Contato: tradutores@centrocochranedobrasil.org.br

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