Administração de medicamentos antimaláricos a populações inteiras para reduzir a malária

O que é a administração de medicamentos em massa (MDA) para a malária?

O MDA para a malária consiste em dar um curso de tratamento completo de medicamentos antimaláricos (mesmo para pessoas sem sintomas de malária e independentemente da presença de malária) a cada membro de uma população definida ou a cada pessoa que vive em uma área geográfica definida (exceto para aqueles para os quais o medicamento poderia ser prejudicial), aproximadamente ao mesmo tempo e frequentemente em intervalos repetidos.

Como o MDA pode reduzir a transmissão da malária em uma população?

O ciclo de vida do parasita da malária consiste em estágios no fígado humano, sangue humano e mosquito. A infecção pela malária começa com a picada de uma espécie de um mosquitoAnopheles portador do parasita da malária. Durante a picada, o mosquito infectante injeta o parasita da malária no hospedeiro humano. Após a replicação inicial no fígado, os parasitas são liberados na corrente sanguínea. Durante a fase sanguina , os parasitas se multiplicam nos glóbulos vermelhos, às vezes causando febre e outros sintomas característicos da malária. Alguns desses parasitas se transforma em uma fase infecciosa para os mosquitos. Quando a pessoa infectada é picada novamente, o mosquito ingere sangue contendo os parasitas, reiniciando o ciclo de transmissão.

O MDA com medicamentos antimaláricos previne temporariamente novas infecções por malária e elimina as já existentes na população. Dependendo das características do medicamento antimalárico utilizado, o MDA tem como alvo parasitas em diferentes estágios, o que pode levar à redução da carga e transmissão de doenças na população. Se o MDA pode reduzir ou interromper a transmissão da malária com sucesso pode depender da quantidade de malária existente na área; do uso de outras ferramentas para controlar a malária, incluindo a prevenção de picadas de mosquitos; da proporção da população que recebe pelo menos uma rodada de MDA; do movimento populacional; e quando as rodadas de MDA ocorrem em relação à estação de pico da transmissão da malária.

Qual foi o objetivo da revisão?

Para orientar o desenvolvimento de políticas e pesquisas de saúde futuras para o controle e eliminação da malária, o objetivo desta revisão foi atualizar as evidências avaliando o efeito do MDA em comparação com nenhum MDA sobre os desfechos da malária em ambientes de transmissão moderada a alta e em ambientes de transmissão muito baixa a baixa. Nossa pesquisa de literatura relevante publicada e inédita identificou 13 estudos que preenchiam nossos critérios de inclusão.

Quais são os principais resultados da revisão?

A carga da malária foi comparada nas pessoas que recebiam MDA e naquelas que não recebiam MDA, em pontos de tempo diferentes. As constatações diferem em função do cenário de transmissão da malária. Em áreas com prevalência de malária de 10% ou mais (áreas de média a alta transmissão), com base em um estudo, o MDA não reduziu a malária na população (baixa certeza da evidência). Em áreas com prevalência de malária abaixo de 10% (áreas de muito baixa a baixa endemicidade), as evidências de sete ensaios indicam que o MDA reduziu a malária na população imediatamente após o MDA ter parado (baixa certeza da evidência), mas não sabemos se o declínio continua a longo prazo porque o número de casos de malária tanto nos grupos de intervenção quanto nos de controle foi baixo (muito baixa certeza da evidência).

Em todos os ambientes de transmissão da malária, o tipo de medicamento antimalárico usado para MDA, as co-intervenções como o controle de mosquitos, a cobertura de MDA e o risco de reintrodução podem ter um impacto sobre o efeito do MDA em comparação com nenhum MDA. Entretanto, não pudemos explorar esses fatores devido ao número limitado de estudos.

Quão atualizada é esta revisão?

Incluímos estudos disponíveis até 11 de fevereiro de 2021.

Conclusão dos autores: 

Em ambientes de transmissão moderada a alta, nenhum estudo relatou efeitos importantes na prevalência de parasitemia por P falciparum dentro de seis meses após o MDA. Em ambientes de muito baixa a baixa transmissão, a prevalência e incidência de parasitemia foram reduzidas inicialmente por até três meses tanto para o P falciparum quanto para o P vivax; dados de longo prazo não demonstraram um efeito após quatro meses, mas os riscos absolutos tanto nos grupos de intervenção quanto nos de controle foram baixos. Nenhum estudo forneceu evidência de interrupção da transmissão da malária.

Leia o resumo na íntegra...
Introdução: 

Estudos avaliando a administração de medicamentos em massa (MDA) em áreas malariadas mostraram reduções da malária imediatamente após a intervenção. No entanto, esses efeitos variam de acordo com a endemicidade e não são sustentados. Desde a versão de 2013 desta Revisão Cochrane sobre este tema, estudos adicionais foram publicados.

Objetivos: 

Objetivos primários

Para avaliar o efeito sustentado do MDA com medicamentos antimaláricos:

- a redução da transmissão da malária em ambientes de transmissão moderada a alta;

- a interrupção da transmissão em ambientes de muito baixa a baixa transmissão.

Objetivos secundários

Resumir o risco de efeitos adversos associados ao fármaco após o MDA.

Métodos de busca: 

Pesquisamos vários registros de ensaios, bancos de dados de referência, anais de congressos e listas de referências de artigos relevantes até 11 de fevereiro de 2021. Também nos comunicamos com os pesquisadores para identificar estudos adicionais publicados e inéditos.

Critério de seleção: 

Ensaios controlados randomizados (ECR) e estudos não randomizados comparando o MDA com nenhum MDA com co-intervenções equilibradas entre os braços do estudo e pelo menos dois locais geograficamente distintos por braço de estudo.

Coleta dos dados e análises: 

Dois autores de revisão avaliaram independentemente os ensaios para a elegibilidade e os dados extraídos. Calculamos o risco relativo (RR) e as razão de taxas com seus respectivos intervalos de confiança de 95% (ICs) para comparar a prevalência e a incidência, respectivamente, no grupo com MDA em comparação com os grupos sem MDA. Nós estratificamos as análises por transmissão da malária e por espécies de malária. Para ECRs do tipo cluster (cECRs), ajustamos os erros padrão usando o coeficiente de correlação intracluster. Avaliamos a qualidade (certeza) geral da evidência usando a abordagem GRADE. Para estudos não randomizados controlados antes e depois (ECBA), resumimos os dados usando análises de diferença em diferenças (DiD).

Principais resultados: 

Treze estudos preencheram nossos critérios para inclusão. Dez eram cECRs e três eram CBAs.

Ensaios controlados randomizados do tipo cluster

Áreas de moderada a alta endemicidade (prevalência ≥ 10%)

Incluímos dados de dois estudos realizados na Gâmbia e na Zâmbia.

De um a três meses após o MDA, as estimativas da prevalência de parasitemia Plasmodium falciparum (daqui por diante, P falciparum) podem ser maiores em comparação com o controle, mas os ICs não incluíram nenhum efeito (RR 1,76, 95% IC 0,58 a 5,36; estudo da Zâmbia; baixa certeza da evidência); a incidência de parasitemia foi provavelmente menor (RR 0.61, 95% IC 0,40 a 0,92; estudo de Gâmbia; moderada certeza da evidência); e a incidência confirmada de doença malária pode ser substancialmente menor, mas as ICs não incluíram nenhum efeito (taxa 0,41, 95% IC 0,04 a 4,42; estudo da Zâmbia; baixa certeza da evidência).

Com quatro a seis meses após o MDA, o MDA mostrou pouco ou nenhum efeito sobre a prevalência de parasitemia P falciparum (RR 1,18, 95% IC 0,89 a 1,56; o estudo Gâmbia; moderada certeza da evidência) e, nenhum efeito persistente foi demonstrado com a incidência de parasitemia (razão de taxa 0,91, 95% IC 0,55 a 1,50; estudo Gâmbia).

Muito baixa a baixa endemicidade áreas (prevalência < 10%)

Sete estudos do Camboja, Laos, Mianmar (dois estudos), Vietnã, Zâmbia e Zanzibar avaliaram os efeitos de múltiplas rodadas do MDA sobre o P falciparum. Imediatamente após o MDA (menos de um mês após o MDA), a prevalência da parasitemia foi reduzida (RR 0,12, 95% IC 0,03 a 0,52; um estudo; baixa certeza da evidência). Em um a três meses após o MDA, houve uma redução tanto na incidência de parasitemia (razão de taxa 0,37, IC 95% 0,21 a 0,55; 1 estudo; moderada certeza da evidência) quanto na prevalência (RR 0,25, IC 95% 0,15 a 0,41; 7 estudos; baixa certeza da evidência). Para a incidência confirmada de malária, as taxas absolutas foram baixas, e não se sabe se o MDA teve um efeito sobre este desfecho (razão de taxa 0,58, 95% IC 0,12 a 2,73; 2 estudos; muito baixa certeza da evidência).

Para a prevalência do P falciparum, as diferenças relativas diminuíram com o tempo, de RR 0,63 (95% IC 0,36 a 1,12; 4 estudos) aos quatro a seis meses após o MDA, para RR 0,86 (95% IC 0,55 a 1,36; 5 estudos) aos 7 a 12 meses após o MDA. As estimativas de prevalência a longo prazo mostraram um risco absoluto geral baixo, e as estimativas do efeito relativo do MDA sobre a prevalência variaram de RR 0,82 (95% IC 0,20 a 3,34) aos 13 a 18 meses após o MDA, a RR 1,25 (95% IC 0,25 a 6,31) aos 31 a 36 meses após o MDA em um estudo.

Cinco estudos do Camboja, Laos, Mianmar (2 estudos) e Vietnã avaliaram o efeito do MDA sobre Plasmodium vivax (em diante, P vivax). Um mês após o MDA, a prevalência de P vivax foi menor (RR 0,18, 95% IC 0,08 a 0,40; 1 estudo; baixa certeza da evidência). De um a três meses após o MDA, houve uma redução na prevalência de P vivax (RR 0,15, 95% IC 0,10 a 0,24; 5 estudos; baixa certeza da evidência). A redução imediata na prevalência de P vivax não foi sustentada com o tempo, de RR 0,78 (95% IC 0,63 a 0,95; 4 estudos) em quatro a seis meses após o MDA, para RR 1,12 (95% IC 0,94 a 1,32; 5 estudos) em 7 a 12 meses após o MDA. Um dos estudos em Myanmar forneceu estimativas de efeitos a longo prazo, onde os riscos absolutos gerais eram baixos, variando de RR 0,81 (95% IC 0,44 a 1,48) aos 13 a 18 meses após o MDA, a RR 1,20 (95% IC 0,44 a 3,29) aos 31 a 36 meses após o MDA.

Estudos não randomizados

Foram realizados três ECBA em áreas de média a alta transmissão em Burkina Faso, Quênia e Nigéria. Houve uma redução na prevalência de P falciparum parasitemia nos grupos MDA em comparação aos grupos de controle durante o MDA (variedade DiD: -15,8 a -61,4 pontos percentuais), mas o efeito variou de um a três meses após o MDA (variedade DiD: 14,9 a -41,1 pontos percentuais).

Notas de tradução: 

Tradução do Cochrane Brazil (Aline Rocha). Contato: tradutores.cochrane.br@gmail.com

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