Higiene oral para prevenção de pneumonia associada à ventilação mecânica invasiva em doentes em estado crítico

Relevância da questão

A pneumonia associada à ventilação mecânica (PAV) é uma infeção pulmonar. Desenvolve-se em pacientes submetidos a máquinas de respiração artificial (ventiladores) em hospitais por mais de 48 horas. Muitas vezes, esses pacientes estão muito doentes – podem ter sofrido um ataque cardíaco ou derrame, um acidente grave ou foram submetidos a uma grande cirurgia. Podem ser incapazes de respirar de forma autónoma porque estão inconscientes ou sedados enquanto recebem tratamento.

Os ventiladores fornecem oxigénio aos pacientes através de um tubo colocado na boca ou nariz, ou através de um orifício na parte da frente do pescoço. Se os micro-organismos entrarem pelo tubo e conseguirem penetrar nos pulmões do paciente, este processo pode resultar no desenvolvimento de PAV. A PAV é uma complicação potencialmente muito grave em pacientes que já estão muito doentes. Pode piorar o estado de saúde e aumentar o risco de morte dos pacientes.

Manter a cavidade oral dos pacientes saudável (higiene oral) pode prevenir a ocorrência de PAV. Os cuidados de higiene oral incluem:

- colutório;

- antissético (substância que destrói os micro-organismos nocivos da boca) gel para as gengivas e dentes;

‐ uma esponja de espuma macia (cotonete) ou escova de dentes, para limpar a boca e os dentes; e

- ferramentas (por exemplo, um tubo de sucção) para aspirar o excesso de fluído, pasta dentífrica ou outros resíduos da boca.

Estes cuidados podem ser realizados de forma isolada ou combinados.

Para avaliar se os cuidados com a higiene oral previnem a PAV e se alguns tipos de cuidados com a higiene oral são melhores do que outros, foi realizada uma revisão da evidência.

Como se identificou e avaliou a evidência encontrada?

Primeiramente, realizou-se uma busca por ensaios clínicos aleatorizados (ECAs). São estudos clínicos, nos quais os indivíduos são distribuídos por dois ou mais grupos de forma aleatória, para permitir a comparação dos efeitos de diferentes tratamentos. Após a seleção dos artigos, os resultados dos mesmos foram comparados entre si e os dados principais de cada artigo apresentados em tabelas. Por fim, classificaram-se os artigos quanto à confiança na evidência, baseada na metodologia e tamanho da amostra, e consistência dos resultados entre os diferentes estudos.

O que encontrámos?

Encontrámos 40 estudos que envolviam um total de 5675 pessoas. Todos os estudos incluíram pessoas submetidas a intervenções em unidades de cuidados intensivos (UCI). Os participantes necessitavam de assistência da equipa de saúde para a realização dos cuidados de saúde oral. A maioria dos estudos envolveu apenas adultos, embora um estudo se tenha focado em crianças e outro em recém-nascidos. Os estudos ocorreram em vários países, incluindo China (10 estudos), Brasil (6 estudos), EUA (6 estudos) e Irão (5 estudos).

Os estudos comparavam uma série de cuidados de saúde oral (nomeadamente colutórios, géis e escovas dentárias) com:

‐ placebo (fictício);

‐ tratamentos comuns; ou

‐ outro tratamento de saúde oral.

Foram reportados os resultados para duas comparações:

1) Clorohexidina (CHX, antissético) na forma de colutório ou gel, comparativamente a placebo ou tratamento comum (13 estudos); e

2) Escovagem dentária comparativamente à não realização da mesma, com ou sem antissético (8 estudos).

CHX versus placebo ou tratamento comum

A evidência sugere que, comparada com o placebo ou o tratamento comum, a CHX:

- provavelmente previne o desenvolvimento da PAV em pacientes muito doentes (13 estudos);

- provavelmente tem pouco ou nenhum efeito no risco de morte (9 estudos);

- pode ter pouca ou nenhuma influência no tempo de permanência da UCI (5 estudos).

Não sabemos se a CHX afeta o tempo de ventilação dos pacientes ou se provoca efeitos adversos (indesejados). Isso ocorre porque temos muito pouca confiança na evidência, porque os estudos:

‐ apresentam resultados imprecisos e inconsistentes;

- foram conduzidos de formas susceptíveis de introduzir erros nos resultados; ou

‐ reportam pouca informação.

Escovagem dentária versus a não realização de escovagem dentária com ou sem antissético

A evidência sugere que, em comparação à não realização de escovagem dentária, a escovagem dentária:

- previne o desenvolvimento de PAV em pacientes doentes (5 estudos);

- tem um efeito mínimo ou inexistente no risco de mortalidade ((5 estudos);

- apresenta pouca ou nenhuma diferença no tempo de ventilação (4 estudos).

Não sabemos se a escovagem dentária afeta o tempo de permanência nas UCI, ou se está associada a efeitos adversos. Isso ocorre porque temos muito pouca confiança na evidência, porque os estudos:

- reportam resultados imprecisos ou inconsistentes; ou

- foram conduzidos de forma a introduzir erros nos resultados.

O que significa isto?

A higiene oral com CHX possivelmente previne a PAV em pacientes muito doentes das UCIs. Tem pouco ou nenhum efeito no risco de mortalidade destes pacientes, assim como no tempo de permanência nas UCIs.

A escovagem dentária pode prevenir a PAV em pacientes muito doentes das UCIs. Tem pouco ou nenhum efeito no risco de mortalidade destes pacientes, ou tempo de ventilação.

Não sabemos se a CHX ou a escovagem dentária estão associadas a efeitos secundários, porque existe pouca robustez científica na avaliação deste parâmetro.

Quão atualizada está esta revisão?

A evidência encontra-se atualizada até fevereiro de 2020.

Conclusão dos autores: 

O colutório ou gel de CHX, como parte integrante dos CSO, provavelmente reduz a incidência do desenvolvimento de pneumonia associada à ventilação (PAV) em pacientes com estado de saúde crítico de 26% para cerca de 18%, quando comparado com placebo ou cuidados comuns. Diferenças na mortalidade, tempo de duração da ventilação e tempo de permanência na unidade de cuidados intensivos não foram encontradas, embora a evidência seja de baixa certeza. CSO que incluam antisséticos e escovagem dentária podem ser mais eficazes do que CSO com antisséticos isolados na redução da incidência de PAV e no tempo de permanência na UCI mas, novamente, a evidência é de baixa certeza. Não há evidência suficiente para determinar se alguma das intervenções avaliadas nos estudos está associada a efeitos adversos.

Leia o resumo na íntegra...
Introdução: 

A pneumonia associada à ventilação invasiva (PAV) é uma patologia que se desenvolve em indivíduos submetidos a ventilação mecânica pelo menos durante 48 horas. A PAV é uma complicação grave em indivíduos cujo estado de saúde já é crítico. Os cuidados de saúde oral (CSO), nomeadamente com soluções de bochecho/colutório, géis, raspador, escova dentária, de forma isolada ou combinada, juntamente com a aspiração de secreções, podem reduzir o risco de PAV nestes pacientes.

Objetivos: 

Avaliar os efeitos dos CSO na incidência de pneumonia associada à ventilação invasiva em pacientes com um estado de saúde crítico que recebem ventilação mecânica em unidades de cuidados intensivos hospitalares (UCIs).

Métodos de busca: 

A pesquisa foi realizada pela Cochrane Oral Health's Information Specialist nas seguintes bases de dados: Cochrane Oral Health's Trials Register (até 25 de fevereiro de 2020), the Cochrane Central Register of Controlled Trials (CENTRAL) (the Cochrane Library, 2020, Issue 1), MEDLINE Ovid (1946 a 25 fevereiro de 2020), Embase Ovid (1980 a 25 de fevereiro de 2020), LILACS BIREME Virtual Health Library (1982 a 25 de fevereiro de 2020) e CINAHL EBSCO (1937 a 25 de fevereiro de 2020). A base de dados VIP Database também foi alvo de busca (janeiro de 2012 a março de 2020). Para aceder a estudos em curso pesquisaram-se bases de registo de ensaios clínicos, nomeadamente The US National Institutes of Health Ongoing Trials Register (ClinicalTrials.gov) e World Health Organization International Clinical Trials Registry Platform. Não foram colocadas restrições de idioma ou data de publicação.

Critério de seleção: 

Foram incluídos ensaios clínicos aleatorizados (ECAs) que avaliassem os efeitos dos CSO (solução de bochecho/colutório, gel, raspador, escova dentária, de forma isolada ou combinada) em pacientes com um estado de saúde crítico que recebessem ventilação mecânica durante pelo menos 48 horas.

Coleta dos dados e análises: 

A pesquisa dos estudos, extração de dados e análise de vieses dos estudos incluídos foram realizadas pelo menos por 2 autores. Os autores dos estudos incluídos foram contactados para obter informações adicionais, quando necessário. Para os desfechos dicotómicos, foram apresentados os valores do risco relativo (RR) e as diferenças de médias (DM) no caso dos desfechos contínuos, sendo que para a apresentação de dados de 4 ou mais estudos, usou-se o modelo de efeitos aleatórios da meta-análise.

Principais resultados: 

Foram incluídos 40 ECAs (5675 participantes), realizados em diferentes países, nomeadamente China, Estados Unidos da América, Brasil e Irão. Os ECAs foram categorizados em 5 comparações major: colutório/gel de clorohexidina (CHX) versus placebo/cuidados comuns; colutório CHX versus outro agente; escovagem dentária (± antisséticos) versus a não realização de escovagem dentária (± antisséticos); escovagem dentária manual versus elétrica; e comparações entre outros agentes também usados nos CSO (outros agentes versus placebo/cuidados comuns, ou comparações diretas entre outros agentes). Relativamente à avaliação crítica, 31 ensaios apresentaram alto risco de vieses, 2 ensaios apresentaram baixo risco de vieses, enquanto os restantes apresentaram risco incerto de vieses.

Treze (13) ECAs (1206 participantes, 92% adultos) com evidência de certeza moderada mostram que o colutório ou gel de CHX, como parte dos CSO, provavelmente reduz a incidência de PAV quando comparado com placebo ou cuidados comuns, de 26% para cerca de 18% (RR 0.67, intervalo de confiança (IC) 95% 0.47 a 0.97; P = 0.03; I2 = 66%). Isto é equivalente a um número necessário para tratar para um resultado benéfico adicional (NNRB) de 12 (IC 95% 7 a 128), ou seja, fornecer CSO que incluem CHX a 12 pacientes ventilados em cuidados intensivos impediria um paciente de desenvolver PAV. Não existe evidência que prove a existência de diferenças entre intervenções para os desfechos mortalidade (RR 1.03, IC 95% 0.80 a 1.33; P = 0.86, I2 = 0%; 9 ECAs, 944 participantes; evidência de certeza moderada), tempo de duração da ventilação mecânica (DM - 1.10 dias, IC 95% ‐3.20 a 1.00 dias; P = 0.30, I2 = 74%; 4 ECAs, 594 participantes; evidência de muito baixa certeza) ou tempo de permanência na UCI (DM ‐0.89 dias, IC 95% ‐3.59 a 1.82 dias; P = 0.52, I2 = 69%; 5 ECAs, 627 participantes; evidência de muito baixa certeza). A maioria dos estudos não menciona a existência de efeitos adversos. Um estudo reporta a existência de efeitos adversos, os quais foram leves, com frequência semelhante nos grupos CHX e controlo, e um outro estudo reporta que não existiram efeitos adversos.

A escovagem dentária (± antisséticos) parece reduzir a incidência de PAV (RR 0.61, IC 95% 0.41 a 0.91; P = 0.01, I2= 40%; 5 ECAs, 910 participantes; evidência de baixa certeza) quando comparada com CSO que não a incluam. Também existe alguma evidência de que a escovagem dentária possa reduzir o tempo de permanência na UCI (DM ‐1.89 dias, IC 95% ‐3.52 a ‐0.27 dias; P = 0.02, I2 = 0%; 3 ECAs, 749 participantes), mas esta é de muito baixa certeza. Evidência de baixa certeza não demonstra uma redução na mortalidade (RR 0.84, IC 95% 0.67 a 1.05; P = 0.12, I2 = 0%; 5 ECAs, 910 participantes) nem no tempo de duração da ventilação mecânica (DM ‐0.43, IC 95%‐1.17 a 0.30; P = 0.25, I2 = 46%; 4 ECAs, 810 participantes).

Notas de tradução: 

Traduzido por: Carlota Duarte de Mendonça, Pedro Gonçalves, Joana Faria Marques, João Silveira e António Mata, Centro de Estudos de Medicina Dentária Baseada na Evidência, Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa, com o apoio da Cochrane Portugal.

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