Estatinas para crianças com colesterol alto por problema hereditário

Pergunta da revisão

Revisamos as evidências sobre a eficácia e a segurança das estatinas para crianças que têm o colesterol alto devido a um problema hereditário.

Introdução

A hipercolesterolemia familiar é uma doença hereditária que leva a pessoa a ter um nível alto de colesterol no sangue. As pessoas com esse problema podem ter doença vascular (estreitamento dos vasos sanguíneos) em uma idade mais precoce que o habitual. Isso ocorre especialmente nos homens. Portanto, uma pessoa com essa doença precisa ser tratada por toda sua vida para controlar os níveis de colesterol e esse tratamento precisa começar na infância. A dieta tem sido a principal forma de tratar as crianças com hipercolesterolemia familiar. Medicamentos como a colestiramina e o colestipol também são efetivos. Porém, devido ao gosto desagradável desses remédios, eles não são bem tolerados e os pacientes acabam não seguindo o tratamento recomendado. O uso das estatinas no tratamento das crianças melhorou essa situação. Esta é a atualização de uma revisão publicada anteriormente.

Data da busca

A evidência está atualizada até: 04 de novembro de 2019.

Características do estudo

A revisão incluiu 9 estudos com 1177 pessoas com idades entre 4 e 18 anos com hipercolesterolemia familiar heterozigota. Os estudos sortearam os participantes em dois grupos: um grupo recebeu diferentes tipos de tratamentos com estatinas e o outro grupo recebeu um placebo (substância inerte e sem nenhum efeito, com aparência idêntica ao remédio verdadeiro). A duração dos estudos variou de 12 até 104 semanas.

Resultados principais

Em geral, a duração da intervenção e do seguimento foram curtos. A duração mediana foi de 24 semanas, variando entre seis semanas a dois anos. O uso das estatinas provavelmente reduziu a concentração média de colesterol de baixa densidade em todos os momentos em que ele foi dosado (evidência de alta qualidade). Os níveis das enzimas hepáticas (aspartato sérico e alanina aminotransferase), e de uma enzima muscular (creatinina quinase), não diferiram entre os grupos tratados com estatina versus placebo em nenhum momento (evidência de baixa qualidade). Os riscos de miopatia (doença do tecido muscular) e de efeitos colaterais foram muito baixos e semelhantes nos dois grupos (evidência de baixa qualidade). Duas das estatinas, simvastatina e pravastatina, podem ter um efeito positivo em dois dos principais vasos sanguíneos que são geralmente afetados quando os níveis de colesterol ficam altos (evidência de baixa qualidade).

Qualidade da evidência

Havia dados sobre o cegamento (viés de desempenho e de seleção) nos nove estudos. Todos estudos foram descritos como duplo-cego. Isso significa que tanto os participantes como os profissionais que participaram dos procedimentos de tratamento não sabiam (estavam ´cegos´) se o participante estava tomando uma estatina ou um placebo. Dois estudos deram informações claras sobre como os participantes foram alocados nos grupos (viés de seleção). Os outros sete estudos não deram informações claras sobre isso. Há pouca informação sobre se os pesquisadores sabiam a qual dos grupos os participantes haviam sido alocados (viés de seleção). Também há pouca informação sobre relato seletivo dos resultados (viés de relato) mas é pouco provável que isso tenha ocorrido. Em conclusão, podemos dizer que todos os estudos parecem ter sido conduzidos de maneira adequada e não achamos que quaisquer dos fatores que acabamos de mencionar tenham influenciado os resultados de um modo negativo. A qualidade da evidência variou de alta (mudança nos níveis de colesterol de baixa densidade-LDL) a moderada (eventos adversos). A qualidade da evidência foi baixa para os seguintes resultados: mudança na espessura da parede dos vasos sanguíneos (camada íntima-média da carótida), alteração nas medidas de crescimento e maturação, disfunção hepática, miopatia e alteração na função da parede sanguínea (endotelial).

Conclusão dos autores: 

O tratamento com estatinas é uma terapia hipolipemiante efetiva em crianças com hipercolesterolemia familiar. Os estudos encontram poucos ou nenhum problema de segurança. O tratamento com estatinas mostrou-se seguro no curto prazo, mas a segurança no longo prazo permanece desconhecida. As crianças tratadas com estatinas devem ser cuidadosamente monitoradas e seguidas pelos seus pediatras. A partir dos 18 anos, seu tratamento deve ser supervisionado por um profissional especializado no cuidado de adultos com problemas nos lípides. Para se estabelecer a segurança do uso das estatinas no longo prazo é necessário fazer grandes ensaios clínicos randomizados controlados.

Leia o resumo na íntegra...
Introdução: 

A hipercolesterolemia familiar é uma das doenças metabólicas hereditárias mais comuns. Como é uma doença autossômica dominante, os indivíduos heterozigotos, ou portadores, têm manifestações clínicas. Os homozigotos desenvolvem formas mais graves da doença. Estima-se que a prevalência média mundial da hipercolesterolemia familiar heterozigota seja de pelo menos 1 em 500. Porém, dados epidemiológicos genéticos recentes da Dinamarca e dados de sequenciamento genético usando técnicas mais modernas sugerem que a frequência real da doença possa ser de 1 em 250. O diagnóstico da hipercolesterolemia familiar em crianças é baseado no achado de altos níveis de colesterol total e de LDL colesterol ou em exames de DNA, ou ambos. Em pessoas com hipercolesterolemia familiar heterozigota, existem casos de aterosclerose coronariana em homens com apenas 17 anos e em mulheres com apenas 25 anos de idade. Como as complicações clínicas da aterosclerose acontecem cedo, especialmente nos homens, é necessário fazer um tratamento vitalício, que se inicia na infância, para reduzir o risco de doença cardiovascular. A dieta era a base do tratamento para as crianças com essa doença. Porém, a adição de medicamentos hipolipemiantes levou a uma melhora significativa do tratamento. As resinas de troca de ânions, como a colestiramina e o colestipol, são efetivas, mas elas são pouco toleradas. Desde a década de 1990, diversos estudos envolvendo crianças de 6 a 17 anos com hipercolesterolemia familiar heterozigota demonstraram reduções significantes nos seus níveis séricos de colesterol total e de LDL colesterol. As estatinas parecem ser seguras e bem toleradas em crianças. Porém, nessa faixa etária, a segurança desses medicamentos no longo prazo não está bem estabelecida. Esta é uma atualização de uma Revisão Cochrane publicada anteriormente.

Objetivos: 

Avaliar a efetividade e segurança das estatinas em crianças com hipercolesterolemia familiar heterozigota.

Métodos de busca: 

Fizemos buscas por estudos relevantes no Inborn Errors and Metabolism Group Trials Register e no Medline.

Data da busca mais recente: 04 de novembro de 2019.

Critério de seleção: 

Incluímos ensaios clínicos randomizados e controlados (ECR) que incluíram participantes com até 18 anos de idade, e que compararam uma estatina versus placebo ou versus apenas dieta.

Coleta dos dados e análises: 

Dois autores, trabalhando de forma independente, selecionaram os estudos para inclusão e fizeram a extração dos dados.

Principais resultados: 

Identificamos 26 estudos potencialmente elegíveis. Incluímos na revisão nove ECR placebo-controlados (1177 participantes). Em geral, a duração da intervenção e do seguimento foram curtos. A duração mediana foi de 24 semanas, variando entre seis semanas a dois anos. As estatinas reduziram a concentração média do colesterol de baixa densidade em todos os pontos do tempo (evidência de alta qualidade). Pode haver pouca ou nenhuma diferença na função hepática (aspartato sérico, alanina-aminotransferase) e nos níveis de creatinina quinase entre os grupos estatina versus controle em todos os momentos quando essa avaliação foi feita (evidência de baixa qualidade). Pode haver pouca ou nenhuma diferença entre estatinas versus placebo quanto à ocorrência de miopatia (avaliada pela mudança dos níveis de creatinina) (evidência de baixa qualidade) ou de eventos adversos clínicos (evidência de qualidade moderada). Um estudo sobre a sinvastatina sugere que esta medicação pode melhorar ligeiramente a dilatação mediada pelo fluxo da artéria braquial (evidência de baixa qualidade), e que o uso de pravastatina durante dois anos pode induzir uma regressão na espessura da íntima média carotídea (evidência de baixa qualidade).

Nenhum estudo avaliou rabdomiólise (degeneração do tecido muscular esquelético) ou morte devido à rabdomiólise, qualidade de vida ou aderência aos medicamentos.

Notas de tradução: 

Tradução do Cochrane Brazil (Maria Regina Torloni). Contato: tradutores@centrocochranedobrasil.org.br

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