Antibióticos para prevenir endocardite bacteriana (infeção grave do revestimento interno do coração) em Medicina Dentária

Pergunta de revisão

Esta revisão Cochrane teve por objetivo perceber se pessoas com risco elevado para o desenvolvimento de endocardite bacteriana (uma infeção severa ou inflamação do revestimento das cavidades cardíacas que pode ser fatal) deveriam receber antibioterapia por rotina previamente a um procedimento dentário invasivo, por forma a reduzir a incidência de endocardite, o número de mortes e a quantidade de complicações graves.

Contexto

A endocardite bacteriana é uma infeção que tende a ocorrer em áreas do coração previamente traumatizadas ou com malformações. Esta é usualmente tratada com antibioterapia. Apesar de raro, a endocardite bacteriana é potencialmente mortal. Até 30% dos indivíduos que a contraem podem morrer, mesmo com tratamento antibiótico.

Procedimentos dentários invasivos podem causar endocardite bacteriana em indivíduos em risco de a desenvolverem. O número de casos de endocardite bacteriana (se é que alguns) causados diretamente desta forma é desconhecido. Vários procedimentos dentários podem causam bacteriemia, o que significa a presença de bactérias no sangue. Apesar da bacteriemia ser habitualmente resolvida de forma rápida pelo sistema imunitário, alguns especialistas acreditam que pode causar endocardite bacteriana em indivíduos de risco.

As diretrizes em alguns países têm recomendado que pessoas em alto risco de desenvolver endocardite bacteriana sejam medicadas com antibioterapia previamente a serem submetidas a procedimentos dentários invasivos. No entanto, noutros países as autoridades de saúde questionaram o uso rotineiro de antibióticos, argumentando que a sobreprescrição tem resultado no surgimento de resistências a antibióticos comuns em muitos organismos e que os ocasionais efeitos adversos dos antibióticos (reações alérgicas severas) ultrapassam os potenciais benefícios.

Em 2007, a American Heart Association aconselhou a mudança das recomendações referindo que os antibióticos apenas sejam prescritos a indivíduos com alto risco de desenvolver endocardite bacteriana previamente a procedimentos dentários. A orientação do National Institute for Health and Care Excellence (NICE) em Inglaterra e Escócia adicionaram ainda que desaconselham a prescrição rotineira de antibioterapia preventiva para procedimentos dentários e cirúrgicos invasivos.

Caraterísticas dos estudos

Não existem novos estudos para incluir nesta revisão atualizada. A nossa revisão original incluiu um estudo realizado nos Países Baixos que comparou o tratamento de pessoas com alto risco de endocardite que devolveram, ou não, endocardite bacteriana. Os autores recolheram informação de 48 pessoas que desenvolveram endocardite bacteriana durante um período específico de dois anos e que tinham sido submetidas a procedimentos médicos ou dentários com indicação para profilaxia nos últimos 180 dias. Estes indivíduos foram combinados com um grupo similar que não tinham contraído endocardite bacteriana. Todos os participantes tinham sido submetidos a um procedimento médico ou dentário invasivo. Os dois grupos foram comparados para estabelecer se aqueles que tinham recebido antibioterapia preventiva tinham menos probabilidade de ter desenvolvido endocardite.

Resultados principais

Não é claro se a toma de antibióticos como medida preventiva antes de se submeter a procedimentos dentários invasivos é ou não eficaz contra endocardite bacteriana em pessoas com risco aumentado.

Não encontrámos estudos que avaliassem o número de mortes, acontecimentos adversos graves que exigissem admissão hospitalar, outros efeitos adversos, ou implicações do custo do tratamento.

Não é claro se os potenciais perigos e custos da administração de antibióticos superam quaisquer efeitos benéficos. Eticamente, os clínicos devem discutir com os seus pacientes os potenciais benefícios e danos do tratamento antibiótico preventivo antes de ser tomada uma decisão sobre a sua prescrição.

Limitações da evidência

A evidência baseia-se num estudo que tem algumas limitações na sua conceção. Por exemplo, os participantes que receberam antibióticos podem ter estado em pior estado geral de saúde do que aqueles que não receberam. Não estamos seguros da evidência que encontrámos. Podemos apenas concluir que não conhecemos os efeitos da profilaxia antibiótica para a prevenção de endocardite bacteriana.

Data da evidência

Esta revisão atualiza a realizada originalmente em 2004 e revista pela última vez em 2013. Encontra-se agora atualizada até 10 de maio de 2021.

Conclusão dos autores: 

Não existe evidência clara de que a profilaxia antibiótica é eficaz na prevenção da endocardite bacteriana em indivíduos de risco submetidos a um procedimento dentário invasivo. Não foi possível determinar se os potenciais riscos e custos da administração antibiótica superam qualquer efeito benéfico. Eticamente, os clínicos deverão discutir os potenciais benefícios e perigos da antibioterapia profilática com os seus pacientes previamente à decisão sobre a sua administração.

Leia o resumo na íntegra...
Introdução: 

A endocardite bacteriana é uma infeção severa que surge ao nível do revestimento das cavidades cardíacas. Pode ser causada por fungos, mas mais frequentemente por bactérias. Diversos procedimentos dentários podem causar bacteriemia, o que pode resultar em endocardite bacteriana numa pequena proporção de pessoas. A incidência da endocardite bacteriana é baixa, porém a sua taxa de mortalidade é alta.

As diretrizes em muitos países recomendam que sejam administrados antibióticos em indivíduos de alto risco para a endocardite bacteriana previamente a tratamentos dentários invasivos. No entanto, as normas de orientação clínica elaboradas pelo National Institute for Health and Care Excellence (NICE) para Inglaterra e Escócia indicam que a profilaxia antibiótica para a endocardite bacteriana não é recomendada de forma rotineira para pessoas submetidas a procedimentos dentários. Esta revisão constitui uma atualização da revisão Cochrane publicada pela primeira vez em 2004 e atualizada pela última vez em 2013.

Objetivos: 

Objetivo primário

Determinar se a administração de profilaxia antibacteriana, comparativamente à ausência de profilaxia ou a placebo, previamente a procedimentos dentários em indivíduos de risco ou alto risco de endocardite bacteriana, influencia a mortalidade, as complicações graves ou a incidência de endocardite.

Objetivos secundários

Determinar se o efeito da profilaxia antibiótica difere em indivíduos com diferentes condições cardíacas, predispondo-os ao aumento do risco de endocardite bacteriana, e em indivíduos submetidos a diferentes procedimentos dentários de alto risco.

Danos

No caso de não existir evidência em ensaios clínicos aleatorizados ou estudos de coorte sobre se a profilaxia antibiótica afetava a mortalidade ou complicações graves, e, se tivéssemos encontrado esta tipologia de estudo ou de estudos-caso sugerindo que a profilaxia antibiótica reduzia o efeito de endocardite, seria avaliado se os perigos da profilaxia com doses únicas de antibiótico, como a penicilina (amoxicilina 2g ou 3g) previamente a procedimentos dentários invasivos, comparativamente à ausência de antibioterapia ou placebo, igualavam os benefícios na prevenção de endocardite em indivíduos de alto risco para esta patologia.

Métodos de busca: 

Um especialista de informação procurou em quatro bases de dados bibliográficas até 10 de maio de 2021 e utilizou métodos de pesquisa adicionais por forma a identificar estudos publicados, não publicados e a decorrer.

Critério de seleção: 

Devido à baixa incidência da endocardite bacteriana, antecipou-se que poucos, se é que alguns ensaios, seriam encontrados. Por esta razão, foram incluídos estudos de coorte e estudos-caso com grupos controlo e de comparação adequados. A intervenção foi a profilaxia antibiótica, comparada com ausência de profilaxia antibiótica ou placebo, previamente a procedimentos dentários em indivíduos com risco aumentado para a endocardite bacteriana. Os estudos coorte incluídos necessitariam de acompanhar indivíduos em risco e avaliar os desfechos após qualquer procedimento dentário invasivo, agrupando participantes de acordo com o facto de terem recebido ou não profilaxia. Os estudos caso-controlo necessitariam de combinar os indivíduos que tinham desenvolvido endocardite após serem submetidos a um procedimento dentário invasivo (e que detinham risco aumentado previamente ao procedimento) com aqueles com risco similar que não tivessem desenvolvido endocardite.

Os desfechos de interesse foram a mortalidade ou eventos adversos graves que requereram atendimento hospitalar; desenvolvimento de endocardite após procedimento dentário num período temporal definido; desenvolvimento de endocardite devido a causas não-dentárias; quaisquer efeitos adversos documentos aos antibióticos; e, o custo da prescrição do antibiótico comparativamente à do tratamento de pacientes que desenvolveram endocardite.

Coleta dos dados e análises: 

Dois autores da revisão, de forma independente, procuraram artigos, selecionaram estudos para inclusão, avaliaram o risco de viés nos estudos incluídos e extraíram dados dos estudos incluídos. A equipa de autores avaliou a qualidade da evidência identificada para a comparação principal bem como os desfechos chave utilizando os critérios GRADE. Os resultados principais são apresentados na tabela do sumário de resultados.

Principais resultados: 

A nova pesquisa realizada não encontrou novos estudos para inclusão desde a última versão da revisão em 2013.

Não foram incluídos ensaios clínicos aleatorizados, ensaios clínicos controlados ou estudos de coorte nas versões prévias desta revisão, tendo apenas um estudo-caso correspondido aos critérios de inclusão. Os autores do ensaio recolheram informação de 48 indivíduos que contraíram endocardite bacteriana durante um período específico de dois anos e que tinham sido submetidos a um procedimento médico ou dentário com indicação para profilaxia nos últimos 180 dias. Estes indivíduos foram combinados com um grupo similar que não tinham contraído endocardite bacteriana. Todos os participantes tinham sido submetidos a um procedimento médico ou dentário invasivo. Os dois grupos foram comparados por forma a estabelecer se aqueles que tinham recebido antibioterapia preventiva (penicilina) eram menos suscetíveis a desenvolver endocardite. Os autores não encontraram nenhum efeito significativo da profilaxia com penicilina na redução da incidência da endocardite bacteriana. Não foram reportados dados sobre outros desfechos.

O nível de certeza da evidência gerada é muito baixo.

Notas de tradução: 

Tradução do Cochrane Brasil (André Islabão e Aline Rocha). Contato: tradutores.cochrane.br@gmail.com e (Carlota Duarte de Mendonça, Pedro Gonçalves, Joana Faria Marques, João Silveira e António Mata, Centro de Estudos de Medicina Dentária Baseada na Evidência, Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa) Knowledge Translation Team, Cochrane Portugal.

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