Efetividade de intervenções comunitárias para promover o uso de preservativos na prevenção do HIV e de doenças sexualmente transmissíveis

Introdução

Desde o advento da epidemia do HIV/aids, nos anos 80, a promoção do uso do preservativo se tornou uma das intervenções mais usadas para prevenir a transmissão do HIV e de doenças sexualmente transmissíveis (DST). Entretanto, mesmo com a disseminação da promoção do uso do preservativo globalmente, o número de novos casos de HIV e de outras DST continua elevado ou vem crescendo em certas regiões do mundo. Acredita-se que, modificando o ambiente em que uma pessoa vive, é possível promover o uso e aumentar o acesso aos preservativos em grande escala, o que levaria a um redução na taxa de transmissão do HIV e de outras DST. O objetivo desta revisão foi testar essa teoria.

Métodos

Avaliamos toda a literatura relevante de janeiro de 1980 a abril de 2014. Dois autores de revisão selecionaram e avaliaram os estudos independentemente.

Resultados

Encontramos nove estudos, com intervenções que duraram entre um e nove anos, envolvendo 75,891 participantes. Sete desses estudos foram conduzidos na região africana ao sul do Saara, um no Peru e um estudo era multicêntrico (em vários países). Todos os estudos envolviam a promoção do uso de preservativos. Nossos resultados não mostraram evidências claras de que a promoção do uso de preservativos nesses contextos específicos leva à diminuição da transmissão do HIV e outras DST. Entretanto, o conhecimento sobre o HIV e outras DST aumentou, assim como o relato do uso de preservativos. Uma possível razão para os resultados negativos nesta revisão é que comportamentos sexuais são difíceis de modificar. Por exemplo, nós não encontramos diferenças no número de parceiros sexuais após a intervenção ser implantada. Além disso, se o preservativo não for usado de forma consistente, o risco de transmissão de HIV e outras DST continuará inalterado. A qualidade da evidência foi considerada moderada.

Conclusões

Nossos achados devem ser interpretados com cautela, já que a maioria dos estudos incluídos nesta revisão foi realizada em países da África ao sul do Saara, uma região muito peculiar, em que as características sociais e culturais são diferentes das de outros países em desenvolvimento. Portanto, a validade externa dos nossos resultados é limitada, ou seja, eles não podem ser generalizados para todos os países do mundo.

Conclusão dos autores: 

Não existe evidência clara de que intervenções estruturais em nível comunitário para aumentar o uso de preservativos previnam a transmissão do HIV e de outras DST. Entretanto, esta conclusão deve ser interpretada com cuidado, já que os nossos resultados têm intervalos de confiança amplos e os resultados para a prevalência podem ser afetado pelo risco de atrito (perdas). Além disso, não foi possível encontrar ECRs em que mudanças amplas de políticas tenham sido implementadas, e os resultados somente são aplicáveis para populações gerais de países em desenvolvimento, particularmente na região subsaariana da África, que é muito diferente de outras.

Leia o resumo na íntegra...
Introdução: 

Intervenções comunitárias para promover o uso de preservativos são consideradas uma ferramenta valiosa para reduzir a transmissão do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e outras doenças sexualmente transmissíveis (DST). Ênfase especial tem sido dada na implementação de intervenções comunitárias através de mudanças estruturais, ou seja, ações de saúde pública para melhorar a saúde da sociedade através de modificações no contexto onde há o comportamento de risco relacionado à saúde. No caso do HIV, essa estratégia tenta aumentar o uso de preservativos para diminuir a transmissão do HIV e outras DST.

Objetivos: 

Avaliar os efeitos de intervenções estruturais e comunitárias no aumento do uso de preservativos tanto pela população em geral quanto por populações de alto risco, de maneira a reduzir a incidência de transmissão de HIV e DST. Comparar essas intervenções com estratégias alternativas ou com um controle.

Métodos de busca: 

Pesquisamos as seguintes bases de dados: Cochrane Central Register of Controlled Trials (CENTRAL) (The Cochrane Library, de 2007, Issue 1), e MEDLINE, EMBASE, AEGIS e ClinicalTrials.gov, de janeiro de 1980 a abril de 2014. Também realizamos a busca manual em anais de congressos internacionais sobre aids, assim como grandes conferências sobre estudos comportamentais focados em HIV/aids e DST.

Critério de seleção: 

Incluímos na revisão ensaios clínicos randomizados (ECR) que tratavam de:

1. Intervenções comunitárias ("comunidade" definida como uma entidade geográfica, como cidades, condados ou vilarejos).

2. Uma ou mais intervenções estruturais em que o objetivo foi promover o uso de preservativos. Esses tipos de intervenção podem ser definidos como ações para melhorar a acessibilidade, disponibilidade e aceitabilidade de qualquer programa ou tecnologia em saúde.

3. Estudos que confirmaram desfechos biológicos usando testes laboratoriais.

Coleta dos dados e análises: 

Dois autores avaliaram e selecionaram os estudos relevantes independentemente, e conduziram a avaliação do risco de viés. Nós avaliamos o efeito do tratamento agrupando os estudos com características comparáveis e quantificamos o tamanho do efeito usando o risco relativo. O efeito dos clusters nas comunidades foi ajustado através de coeficientes de correlação intraclasses (CCIs) intra-cluster. Foi feita uma análise de sensibilidade para avaliar o impacto de diferentes desenhos de estudo sobre os efeitos.

Principais resultados: 

Incluímos nove estudos (mais um estudo que foi usado para uma subanálise) na análise quantitativa. Os estudos foram conduzidos nos seguintes países: Tanzânia, Zimbábue, África do Sul, Uganda, Quênia, Peru, China, Índia e Rússia. Eles incluíram um total de 75,891 participantes, a maioria proveniente de população geral (e não população de alto risco). A intervenção principal foi a promoção do uso do preservativo, ou a sua distribuição, ou os dois. Em geral, os grupos controle não receberam nenhuma intervenção ativa. O risco de viés principal foi o achado de dados incompletos dos desfechos.

Na metanálise, não houve evidência clara de que a intervenção teve efeito na prevalência ou na incidência (diagnóstico laboratorial) do HIV quando comparada com os controles: incidência do HIV (risco relativo, RR, 0.90, intervalo de confiança de 95%, 95% CI, 0.69 a 1.19) e prevalência do HIV (RR 1.02, 95% CI 0.79 a 1.32). O efeito estimado da intervenção em outros desfechos também foi incerto: incidência de infecção pelo herpes (HSV-2) (RR 0.76, 95% CI 0.55 a 1.04); prevalência de infecção pelo HSV-2 (RR 1.01; 95% CI 0.85 a 1.20); prevalência de sífilis (RR 0.91; 95% CI 0.71 a 1.17); prevalência de gonorreia (RR 1.16; 95% CI 0.67 a 2.02); prevalência de infecção por clamídia (RR 0.94; 95% CI 0.75 a 1.18); e prevalência de tricomoníase (RR 1.00, 95% CI 0.77 a 1.30). O relato de uso de preservativo aumentou no braço experimental (RR 1.20; 95% CI 1.03 a 1.40).Não houve uma diminuição clara no número de pessoas que relataram dois ou mais parceiros sexuais no ano anterior no grupo de intervenção em comparação com o grupo controle (RR 0.90; 95% CI 0.78 a 1.04), mas o conhecimento sobre o HIV e outras DSTs aumentou (RR 1.15, IC 95% 1.04 a 1.28, e RR 1.23, IC 95% 1.07 a 1.41, respectivamente).A qualidade da evidência foi considerada moderada para quase todos os desfechos-chave.

Notas de tradução: 

Tradução do Centro Cochrane do Brasil (Maíra T. Parra).

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