Vermifugação de crianças em idade escolar que vivem em países de baixa e média renda

Os pesquisadores da Cochrane avaliaram os efeitos do tratamento contra vermes intestinais nas crianças que vivem em áreas onde esse tipo de infecção é comum. Depois de procurar estudos relevantes publicados até 19 de setembro de 2018, incluímos 50 ensaios clínicos randomizados com um total de 84.336 participantes, e um estudo adicional com um milhão de crianças.

O que é a "vermifugação" e por que ela pode ser importante

Vermes transmitidos pelo solo, incluindo lombrigas, ancilostomídeos (o bicho que causa amarelão) e tricuros, são comuns em áreas tropicais e subtropicais, e afetam particularmente crianças de baixa renda que vivem em lugares onde não existe saneamento básico (água encanada e esgoto). A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que todas crianças em idade escolar que vivem em áreas endêmicas sejam tratadas regularmente com medicamentos que matam esses vermes (vermífugos). Alguns defensores dessa prática afirmam que tais programas melhoram o crescimento infantil, a taxa hemoglobina, a cognição, a frequência escolar, o desempenho escolar, a aptidão física e a sobrevida dessas crianças.

O que a revisão achou

Em populações que vivem em áreas endêmicas, não está claro qual é o efeito de uma primeira dose única de vermífugos sobre o peso das crianças. Houve pouco ou nenhum efeito na maioria dos estudos, exceto por um grande efeito detectado em uma área do Quênia. Esse efeito foi relatado em dois estudos realizados há mais de 30 anos em uma escola onde as crianças estavam bastante infectadas com vermes. Isto causa incerteza, o que significa que não sabemos se uma primeira dose ou uma dose única de vermífugo tem um impacto no peso das crianças. Para altura, a maioria dos estudos mostrou pouco ou nenhum efeito, com exceção do estudo que avaliou um local no Quênia. Uma única dose de vermífugo provavelmente não tem efeitos sobre a hemoglobina e a cognição das crianças. Não há dados suficientes para saber se a intervenção tem algum efeito sobre a frequência escolar, o desempenho escolar, a aptidão física ou a mortalidade.

Nos estudos onde as crianças eram regularmente tratadas com vermífugos, houve pouco ou nenhum efeito sobre o peso em todos os estudos, exceto em dois, independentemente de as crianças estarem ou não fortemente infectadas com vermes. Dois estudos relataram grandes ganhos médios de peso. Um desses foi o estudo do Quénia, realizado há mais de 30 anos. O outro foi um estudo realizado na Índia há mais de 20 anos, numa área com baixa carga de vermes; porém, estudos posteriores na mesma área não mostraram o mesmo efeito. Nos estudos realizados a partir de 2000, que são mais relevantes dada a redução global da carga de vermes, a intervenção produziu pouco ou nenhum efeito. Isto causa incerteza e significa que não sabemos se o tratamento regular das crianças com vermífugos melhora o seu peso. A vermifugação regular das crianças provavelmente não tem efeito na sua altura, hemoglobina, cognição e mortalidade. Não sabemos se essa intervenção tem algum impacto na frequência escolar, uma vez que as evidências são inconsistentes e têm alto risco de viés. Não há dados suficientes para saber se a intervenção tem algum efeito sobre a aptidão física das crianças.

Conclusões dos autores

Existe evidência substancial de que os programas de saúde pública de vermifugação regular de crianças em áreas endêmicas não trazem benefícios em termos de hemoglobina, cognição, desempenho escolar e mortalidade. Ao contrário de estudos realizados há mais de 20 anos atrás que relataram grandes efeitos da intervenção sobre o peso das crianças, estudos mais recentes não mostram nenhum efeito.

Conclusão dos autores: 

Os programas de saúde pública para tratar regularmente todas as crianças com vermífugos não parecem melhorar a altura, hemoglobina, cognição, desempenho escolar ou mortalidade. Não sabemos se essa intervenção tem algum efeito na frequência escolar pois a evidência para esse desfecho é inconsistente e tem alto risco de viés. Não há dados suficientes sobre o efeito da intervenção na aptidão física das crianças. Estudos realizados em dois locais há mais de 20 anos mostraram grandes efeitos no ganho de peso. Porém, estudos mais recentes e maiores não encontraram o mesmo efeito. Advertimos contra usar apenas a evidência proveniente desses estudos mais antigos para embasar os programas de tratamento de massa contemporâneos, pois isso ignora os estudos recentes que não mostram benefícios.

As conclusões da versão de 2015 não mudaram nesta atualização.

Leia o resumo na íntegra...
Introdução: 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que todas crianças em idade escolar que vivem em áreas onde a infecção por helmintos é comum sejam tratadas com vermífugos em intervalos regulares. As organizações globais de advocacia alegam que a desparasitação de rotina tem efeitos importantes na saúde e na sociedade, além da eliminação de vermes. Nesta atualização da revisão de 2015 incluímos seis novos estudos, dados adicionais dos estudos incluídos, e respondemos a comentários e críticas.

Objetivos: 

Sintetizar os efeitos dos programas de saúde pública de vermifugação regular de crianças sobre o crescimento infantil, hemoglobina, cognição, frequência escolar, desempenho escolar, aptidão física e mortalidade.

Métodos de busca: 

Em 19 de setembro de 2018 fizemos buscas nas seguintes bases de dados: Cochrane Infectious Diseases Group Specialized Register, Cochrane Central Register of Controlled Trials (CENTRAL), MEDLINE, Embase, LILACS, no metaRegister of Controlled Trials (mRCT). A busca eletrônica foi complementada com a revisão das listas de referências dos artigos selecionados e buscas nas plataformas de registros de ensaios clínicos, na mesma data.

Critério de seleção: 

Incluímos ensaios randomizados controlados (ECRs) e quasi-ECRs que compararam vermífugos para o tratamento de helmintos transmitidos pelo solo versus placebo ou nenhum tratamento em crianças com até 16 anos de idade. Os estudos deveriam ter dados sobre peso, hemoglobina, e testes para avaliar a cognição das crianças. Também procuramos dados sobre outras medidas de crescimento, frequência escolar, desempenho escolar, aptidão física e mortalidade.

Coleta dos dados e análises: 

Dois autores da revisão, trabalhando de forma independente, fizeram a seleção dos estudos a serem incluídos, extraíram os dados e avaliaram o risco de viés. Para os desfechos contínuos, calculamos a diferença média (DM) e intervalo de confiança (IC) de 95%. Nos casos de dados incompletos, contatamos os autores dos estudos. Estratificamos a análise com base na carga basal da infecção por helmintos transmitidos pelo solo. Usamos os desfechos referentes ao período de acompanhamento mais longo. Avaliamos a qualidade (certeza) geral da evidência usando a abordagem GRADE.

Principais resultados: 

Identificamos 51 estudos, incluindo 10 ECR tipo cluster, que preencheram os critérios de inclusão. Um estudo que avaliou a mortalidade incluiu mais de um milhão de crianças. Os outros 50 estudos incluíram um total de 84.336 participantes. Vinte e quatro estudos foram em populações que tinham alta carga parasitária, incluindo nove estudos com crianças selecionadas por terem testes de fezes positivos para helmintos, 18 estudos com carga parasitária intermediária, e nove com baixa carga parasitária.

Dose única ou primeira dose de vermífugos

Quatorze estudos avaliaram o peso das crianças após uma dose única de vermífugos(4970 participantes, 14 ECRs). Os efeitos foram variáveis. Houve pouco ou nenhum efeito nos estudos com participantes com cargas parasitárias baixas e intermediárias. Nos estudos envolvendo participantes com alta carga parasitária, houve pouco ou nenhum efeito na maioria dos estudos, exceto por um grande efeito detectado em uma área do Quênia. Esse efeito foi relatado em dois estudos realizados há mais de 30 anos. Estes estudos levaram a heterogeneidade qualitativa e incerteza na meta-análise de todos os estudos (estatística I2 = 90%). A qualidade da evidência, segundo o GRADE, foi considerada muito baixa. Isso significa que não sabemos se uma dose única ou a primeira dose de vermifugo tem impacto no peso das crianças.

Para a altura, a maioria dos estudos mostrou pouco ou nenhum efeito após uma única dose (2621 participantes, 10 estudos, evidência de baixa qualidade). Porém, um dos dois estudos feitos no Quênia 30 anos atrás relatou uma grande diferença média na altura. Uma dose única provavelmente não tem efeito sobre a concentração média de hemoglobina (DM 0,10 g/dL, IC 95% 0,03 a menos até 0,22 g/dL a mais), 1252 participantes, cinco estudos, evidência de qualidade moderada),ou sobre a cognição média das crianças (1596 participantes, cinco estudos, evidência de baixa qualidade). Os dados são insuficientes para saber se a intervenção produz um efeito na frequência e desempenho escolar (304 participantes, um estudo, evidência de baixa qualidade), ou na aptidão física (280 participantes, três estudos, evidência de qualidade muito baixa). Nenhum estudo avaliou mortalidade.

Múltiplas doses de vermífugos

Dezoito estudos avaliaram o efeito do tratamento regular de crianças com vermífugos a cada três a seis meses sobre o peso. O tempo de seguimento varou entre seis meses e três anos. Houve pouco ou nenhum efeito sobre o peso médio em todos os estudos, exceto em dois, independentemente da intensidade basal da carga parasitária. Um dos estudos com dados discrepantes foi realizado no Quênia, em uma área com grande carga parasitária, há mais de 30 anos atrás e relatou um grande ganho médio de peso. O outro estudo foi realizado na Índia numa área com baixa carga parasitária, onde estudos subsequentes não encontraram o mesmo efeito. Esta heterogeneidade causa incerteza em qualquer meta-análise (I2 = 78%). A análise post-hoc excluindo os estudos publicados antes de 2000 deu uma estimativa da diferença média de ganho de peso de 0,02 kg (IC 95% 0,04 kg a menos até 0,08 kg a mais, I2 = 0%). Portanto concluímos que não sabemos se doses repetidas de vermífugos têm algum impacto no peso médio das crianças, com alguns poucos estudos mais antigos mostrando grandes ganhos, e estudos depois de 2000 mostrando pouco ou nenhum ganho de peso.

O tratamento regular provavelmente teve pouco ou nenhum efeito sobre os seguintes parâmetros: altura média (MD 0,02 cm a mais, IC 95% menos 0,09 até mais 0,13 cm, 13.700 participantes, 13 estudos, evidência de qualidade moderada); hemoglobina média (MD 0,01 g/dL menor; IC 95% menos 0.05 g/dL a mais 0,07 g/dL; 5498 participantes, nove estudos, evidência de qualidade moderada); testes formais de cognição (35.394 participantes, 8 estudos, evidência de qualidade moderada); desempenho escolar (34.967 participantes, quatro estudos, evidência de qualidade moderada). A evidência quanto à frequência escolar é inconsistente, e com risco de viés (média de frequência mais 2%, IC 95% menos 5% a mais 8%, 20.650 participantes, três estudos, evidência de qualidade muito baixa). Nenhum estudo avaliou aptidão física. A intervenção não teve nenhum efeito na mortalidade (1.005.135 participantes, três estudos, evidência de baixa qualidade).

Notas de tradução: 

Tradução do Cochrane Brazil (Maria Regina Torloni). Contato: tradutores@centrocochranedobrasil.org.br

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